[SHOW] Daughter em Porto Alegre: uma noite preenchida pelo minimalismo

[SHOW] Daughter em Porto Alegre: uma noite preenchida pelo minimalismo

Pela primeira vez no Brasil, a banda Daughter participou do Popload Festival, em São Paulo, se apresentou no Rio de Janeiro e fez sua última parada na noite do dia 16 de novembro em Porto Alegre. Em mais de uma hora de show, os acordes minimalistas e os vocais sussurrados deixaram a marca do folk registrada na cidade.

Mesmo com o calor e o sol que fizeram Porto Alegre registrar altas temperaturas, a quinta-feira resolveu portar-se à moda inglesa: perto das 20h, as nuvens carregadas acinzentavam o céu e uma chuva gelada dava as boas-vindas. Parecia que até mesmo o clima queria incorporar a vibe melancólica para receber os ingleses da Daughter.

A arquitetura neoclássica e requintada do Theatro São Pedro contrastava com os smartphones, as falas aceleradas e os rostos jovens que lotavam o espaço. Camarotes e cadeiras preenchidas por fãs inquietos e ansiosos pela estreia da banda em solo gaúcho.

Por volta das 21h, o trio britânico formado pela guitarrista e vocalista Elena Tonra, o baixista Igor Haefeli e o baterista Remi Aguilella subiu ao palco, sendo recebidos por gritos e aplausos. A escolhida para abrir o setlist foi “New Ways“, um dos principais sucessos de “Not To Disappear”, álbum lançado no álbum passado. Logo na sequência, Elena ensaiou um tímido “hello” para a plateia e emendou com a faixa “How“.

Desde o começo, o que mais impressiona é uma sensação permanente de sintonia entre Daughter e os fãs. A liderança exercida por Elena é perceptível, mas quase que intuitiva. O equilíbrio dos músicos parecia ser conduzido por códigos não pronunciados, permeando desde suas posturas em palco até mesmos sua distribuição simétrica no palco.

Daughter
Daughter. Foto: Kim Stuart

O mesmo pacto silencioso era mantido com a plateia, que se encontrava absorta no puro exercício de contemplação. Não se ouviam coros: qualquer ação que cortasse o ar não era estimulada. Estabelecendo uma conexão profunda, o ambiente do Theatro Pedro era tomado por ondas sonoras etéreas, acordes detalhistas e vocais sutis que dão vida ao experimento dos ingleses. Espécie de mistura entre o folk, o post rock e algumas notas de dream pop.

A dinâmica introspectiva e tímida do trio fugia da monotonia graças à sua qualidade. A sensação era como se estivéssemos ouvindo as gravações de estúdio, mas em uma versão ainda melhor. Os três manuseavam seus instrumentos com a precisão e a suavidade necessários para soarem de forma quase impecável.

O destaque, sem dúvidas, vai para a voz de Elena. Apesar de serem melodicamente leves, as canções de Daughter tratam sobre sensações, sentimentos e situações atravessadas pelo medo, incertezas, desconfortos e até mesmo dores e tristezas. Cantadas de modo sutil, murmurado, deixam um gosto agridoce como lembrança.

Em meio à penumbra, o anúncio de “Candles” despertou reações e gritos que romperam com o silêncio pela primeira vez em muito tempo, mas sem parecer destoante. Era como se público e banda fossem antigos parceiros de dança, com a confiança de quem sabe exatamente como conduzir e deixar ser conduzido.

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Na setlist, faixas de “If You Leave”, de 2013, e de “Not To Disappear” foram distribuídas de forma equilibrada, proporcionando uma fluência orgânica ao longo do show. Mais soltos a partir do metade, os londrinos começaram a conversar mais com o público – quase sempre em inglês – além de arriscarem alguns “obrigados” ao fim de mais uma música. Embora contidos, fizeram questão de agradecer a oportunidade de tocar no país e pelo acolhimento em cada show.

No jogo de luzes frias e sóbrias, uma potência menos “frágil” foi se instalando com o forte refrão de “Winter”. Já “Human” foi anunciada pelas pujantes batidas da bateria, seguidas por muitos aplausos. Logo após, o público foi convocado a cantar a faixa “Youth”, principal sucesso da carreira. O pedido foi atendido em cheio: em coro, os fãs acompanharam os vocais de Elena, em um dos pontos altos da noite. A participação foi tão comovente, que arrancou sorrisos e agradecimentos da vocalista.

Daughter
Daughter. Foto: Kim Stuart

Com mais de 40 minutos de apresentação, Daughter encaminhava o fim da apresentação. Em um clima mais solto, com um público mais ruidoso – mas ainda assim imerso na performance – as faixas “Smother” e “Shallow“, do disco de estreia, foram as escolhidas para fechar o setlist.

Palco vazio, mas nenhum movimento de saída. Enquanto Elena, Igor e Remi não voltavam, foi o momento de gritos de agradecimentos, muitos pedidos de retornos e de músicas. Para os que achavam que a banda era novidade para o público da cidade, a surpresa veio através da música mais solicitada pelos fãs: “Landfill“, faixa de abertura do “His Young Heart”, EP de estreia da Daughter, lançado no ano de 2011.

Após um tempo de espera, o trio voltou ao palco para tão aguardado bis. Na primeira canção, apenas Elena estava em palco, cantando a lenta e encantadora “The Woods“, em uma performance encantadora. Já com a banda completa, “Fossa” foi a escolhida para encerrar a apresentação, que recebeu aplausos de pé.

Com um show que impressionou pela qualidade do início ao fim, nem a falta de “Landfill” na setlist foi capaz de atrapalhar a experiência – na verdade, deixou até mesmo um gostinho de quero mais. Fora do teatro e sem Daughter, a chuva tinha dado lugar para um vento gelado e úmido, mas que foi desarmado pelos sorrisos aquecidos de um público que parecia reviver a apresentação na mesma intensidade que a viu acontecer.

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Estudante de jornalismo que ama milkshake, comidas veganas e poesia na mesma intensidade que não suporta desfazer malas ou arrumar o quarto. Vivendo sempre em um ritmo frenético, só a música consegue se fazer presente em todos os momentos. Ouve de tudo toda a hora e já fez playlist até para tomar banho.
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