Marjane Satrapi, a autora e também protagonista da história incrível de “Persépolis“, nasceu em Rasht, no Irã, em 1969, e atualmente vive em Paris. Com uma vida digna de ser lida, conquistou diversos prêmios através por este quadrinho e de outros trabalhos realizados.
Escritora, ilustradora, quadrinista, roteirista, e cineasta, não faltaram mídias para suas histórias serem contadas. A HQ “Persépolis” extrapolou o próprio livro e teve seu filme lançado em forma de animação, com sua estreia no Festival de Cannes de 2007, onde recebeu o prêmio do júri. Seu trabalho já recebeu dezenas de outras condecorações, deixando clara a qualidade e relevância que seus diversos projetos tem pelo mundo afora.
“Persépolis” começa com um pequeno resumo dos últimos séculos de história do Irã, marcado por disputas de território, misturas religiosas e interesses políticos de grandes potências sobre o país. A infância de Marjane é marcada por uma enorme mudança no cenário cultural do Irã e aos seus 10 anos ela vivia as consequências da recentíssima revolução islâmica.
De repente, sua jovem vida mudou e ela se viu obrigada a usar o véu e estudar apenas com meninas, uma imposição do recém implantado governo teocrático. Mesmo criança, ela não aceitava tais mudanças, protestando em alto e bom sol por seus direitos.
O contexto de vida da própria autora era muito diferente, educada desde nova em uma escola laica e bilíngue, era apresentada a grande diversidade cultural, mas com grande respeito à religião presente no seu dia-a-dia. Embora religiosos, seus pais eram extremamente politizados e contrários ao novo regime, passando por situações de risco por seu ideal.
A jovem Marjane tinha a oportunidade de ler grandes teóricos desde nova e era incitada a ter senso crítico pela família, que questionava sempre notícias da mídia e aprendizados tortos recebidos na escola. Sua família possuía uma longa tradição de pensamento comunista, que se iniciava com avô – um príncipe destituído de seus privilégios monárquicos e grande estudioso, que por sua tendência marxista sofreu com grandes períodos de tortura e prisão.
Esse caldeirão cultural único tornou-a uma mulher questionadora e leitora ávida, crescendo num mundo que a reprimia incessantemente, seja no Irã por sua atitude enfrentadora ou em seu exílio na adolescência, por ser Iraniana (como se crescer não fosse suficientemente assustador).
O traço da autora é simples e bem definido, transmitindo bem as emoções dos personagens representados. Ela é extremamente feliz na forma didática como representa a cultura de seu país, trazendo uma narrativa pessoal, mas sem deixar de apresentar com clareza conceitos diários com os quais grande parte das pessoas não está familiarizado. De maneira super direta, conhecemos um Irã em sua transição de pais moderno para governo ultra-conservador e de repente ficamos chocados juntos Marjane e seus familiares pelos acontecimentos que os cercam.
Leia também:
>> Moby Dick: Obsessão, insanidade e perseguição no quadrinho de Chabouté
>> Le Chevalier – Arquivos Secretos: Um passeio por uma Paris steampunk
>> Os Diários de Amora: A heroína infantil que precisávamos!
O que é mais doloroso da leitura é observar como é rápida a perda de direitos, com uma política teocrática e pessoas sem escrúpulos conseguem retroceder em décadas um país que era perfeitamente moderno e com grande riqueza cultural. “Persépolis” é uma leitura obrigatória pelo simples fato de que todos devem estar atentos a esses sinais, afinal não existe direito garantido ou luta ganha, é uma busca contínua por melhorias e por assegurar o que se tem.
Tendo em vista nosso cenário político dos últimos anos e a onda conservadora que assola o Brasil e o mundo, essa história em quadrinhos deve ser lida, relida e propagada, para que pelo menos possamos rever em que situação estamos e o que podemos fazer para mudar.
Não vamos falar mais detalhes da história para não estragar a surpresa, mas é maravilhoso ver o crescimento da protagonista até sua vida adulta, mostrando desde seus questionamentos infantis e vívidos sobre o seu entorno até reflexões mais complexas que amadurecimento trouxe. É sem dúvidas um quadrinhos que está entre os maiores de seu gênero e uma leitura obrigatória para todas as idades, inclusive para reler de tempos em tempos. Fica aqui também a dica de ver o filme, que trás uma releitura belíssima da própria história.
Persépolis (completo)
Autora: Marjane Satrapi
320 páginas