The Breadwinner: a (pseudo) narrativa feminina em meio a guerra

The Breadwinner: a (pseudo) narrativa feminina em meio a guerra

Em meio ao monopólio Disney-Pixar, que lança animações que ouvimos falar como grande público, encontramos o drama animado e indicado ao Oscar de Melhor Animação em 2017, The Breadwinner. Diferentemente das produções animadas atuais, que basicamente usam de elementos e tecnologias digitais para criar a história e construí-la visualmente, essa co-produção entre ocidente e oriente traz elementos clássicos do 2D, como pano de fundo da trama. Tal cuidado na construção da trama, porém, não impede que a história daquela que deveria ser a protagonista seja, como tantas outras, posta (negativamente) em segundo plano.

The Breadwinner traz a história de Parvana, uma menina afegã de mais ou menos 11 anos de idade que se vê obrigada a começar a se vestir como um menino após seu pai ser preso. A época em que se passa a animação é o início da aplicação da Lei da Sharia pelo Talibã – que ocorre até hoje – a qual, segundo a animação, determina a proibição das mulheres de deixarem suas residências quando se aproximam da idade de casar. 

The Breadwinner

A partir dessa proibição e da ausência de seu pai, Parvana – como a única em condições de efetivamente sair de casa – passa a se vestir como menino, e com isso, é apresentada a um mundo de nova e (quase) ilimitada liberdade de ir e de vir, de fazer, atuar, ou, simplesmente, de andar e ser alguém.

Na primeira meia hora de filme, em que acompanhamos Parvana e sua família, ocorre uma drástica mudança estrutural e doméstica,  e já nos deparamos com elementos que ditam o pano de fundo da história de Parvana: a guerra e o fanatismo religioso.

The Breadwinner

Isso é demonstrado diretamente em relação à Parvana através de duas cenas: a primeira ocorre pouco antes de seus pai ser levado, em uma interação com forças governamentais. Estas indagam o por quê de Parvana – uma menina – estar fora de casa. A segunda ocorre através do esclarecimento de um dos motivos da prisão de seu pai: o fato dele possuir livros proibidos pelo Talibã e ensinar suas duas filhas e esposa, indo diretamente contra a restrição aos direitos femininos – baseada em misoginia e leituras fundamentalistas e machistas do texto do Alcorão.

Além disso, vemos como a guerra é uma fator importante que alimenta essa restrição, já que a mudança ideológica, instituída pela Lei da Sharia, determina novos ditames sociais a serem adotados pela comunidade islâmica que, claramente, afetam mais e diretamente às mulheres.

Com a guerra, os ideais fundamentalistas e radicais são ampliados, cabendo ao restante da população adotá-los, por voluntária afiliação ou por temor de represálias, afinal, é esta parcela radical que – seja em razão de superioridade numérica ou de força – está controlando o destino e a gestão do país. E na tentativa de contornar tal situação, Parvana decide se vestir “como um menino” e vê, em primeira mão, a divergência e a diferenciação baseada no gênero da sociedade em que vive. 

The Breadwinner

Mas por que “pseudo narrativa feminina”?

Desde a prisão de seu pai, Parvana procura – acompanhada ou não – respostas sobre seu paradeiro e condição. Busca, incessantemente, livrá-lo da reclusão injusta e trazê-lo de volta para casa, apesar das diversas e violentas forças que a tentam impedir.

É curioso, porém, vermos uma personagem feminina que apesar de multifacetada, determinada e forte, ainda tem sua história atrelada intrinsecamente a um homem. Afinal, durante todo o tempo do filme – seja antes ou depois da prisão do seu pai – Parvana é retratada principalmente através de sua ligação com ele; apesar da importante presença de sua mãe, mesmo que no ambiente doméstico, ao qual é relegada.

The Breadwinner

The Breadwinner, apesar de ser um interessante relato sobre a guerra e das relações familiares, caí no conhecido abismo de ligar a protagonista feminina à vida de um – protagonista ou não – personagem masculino, estando a vida de Parvana ligada e determinada pelos homens à sua volta, sejam eles parentes ou não.

Entendemos, é claro, que se trata do pai de uma criança de 11 anos, porém, nos parece que a busca de Parvana por seu pai poderia ter sido feita de uma forma a discutir os aspectos socio-culturais nos quais a protagonista se insere – mesmo que de forma rápida – havendo, em conjunto, um questionamento sobre o papel (negativo e positivo) que os demais homens da narrativa apresentam à vivência de Parvana.

O objetivo da autora e dos responsáveis pela produção do filme não foi apresentar uma história “tipicamente” revolucionária e feminista, mas uma que traga aspectos reais da vida humana, de forma, infelizmente, a relegar a suposta protagonista ao segundo plano, de (apenas) uma contadora de histórias.

The Breadwinner

De qualquer forma, The Breadwinner é uma boa fonte de entretenimento, conseguindo nos passar, ao longo de sua 1h e 34 min, o olhar cru de uma criança sobre a guerra e seus efeitos, bem como sobre as relações humanas que, felizmente, permanecem mesmo em meio da guerra, como na recorrência de Parvana em contar histórias de ninar para seu irmão mais novo, em uma tentativa de manter uma normalidade e inocência, não apenas na vida do menino, mas na de sua família.

Com uma equipe de produção digna de nota, dos mesmos criadores de “A Canção do Oceano”, com produção executiva de Angelina Jolie, não é a toa que The Breadwinner chegou como um grande concorrente para o Oscar de 2017, apesar de não levá-lo. A adaptação do livro de mesmo nome, da autora Deborah Ellis, não deixa de ser uma produção ambiciosa e importante, já que retrata a história de uma menina islâmica. Vale uma chance!

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