Seria Good Girls um Breaking Bad versão feminina?
Que mulher apaixonada por séries nunca imaginou como seria se os grandes sucessos da crítica fossem protagonizados por mulheres? E se a história de Walter White ou Tony Soprano fossem na verdade a história Skyler ou Carmela entrando no mundo do crime após uma crise financeira? Felizmente, parece que o canal NBC (também exibida atualmente pela Netflix) e a criadora Jenna Bans resolveram tirar essa narrativa do papel e investir em uma série em que mulheres vestem as calças da responsabilidade e arregaçam as mangas para fazer acontecer. Mesmo que nem tudo seja dentro da legalidade.
Good Girls acompanha o drama de Ruby, Annie e Beth, três mães que trabalham duro para conseguir fechar as contas do mês sem entrar no vermelho. Beth (Christina Hendricks) é uma dona de casa mãe de 4 filhos, casada com um gerente de concessionária, Dean, que recentemente gastou todo o dinheiro da hipoteca da família com sua amante. Retta (Ruby Hill) trabalha em uma lanchonete e junto com o marido que pretende ser policial, tenta juntar o dinheiro suficiente para dar conta das despesas médicas da filha mais velha, que sofre de falência do rim. Annie (Mae Whitman) divide os cuidados da filha Sadie (Izzy Stannard) com o ex-marido, que além de ter casado novamente, decide que quer entrar na justiça contra Annie pela guarda da garota.
É por meio do desespero e da falta de opção que as três se unem em um plano claramente falho: assaltar o mercado em que Annie trabalha. O plano era roubar 30 mil dólares, que seriam o suficiente para lidar com as demandas mais urgentes, mas logo após o roubo elas descobrem que algo errado não estava certo: não eram apenas 30 mil dólares no cofre do mercado, mas 500 mil. E é esse “mal entendido” que as leva a entrar de cabeça em uma vida completamente nova, em que o segredo das três vai tomando cada vez mais espaço na vida pessoal de cada uma.
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O humor atrelado ao drama da série é refrescante na atuação das três protagonistas, e a construção da vida e das motivações de cada uma também trazem à tona nossas identificações com essas mulheres que veem o mundo e as oportunidades se esgotando. O mundo da legalidade tratou cada uma delas com desprezo, subestimando suas capacidades racionais e as reduzindo à estereótipos: “a dona de casa”, “a garota do caixa”, “a funcionária da lanchonete”. A legalidade também é o mundo das mentiras, da fachada e do assédio diário. Não é à toa que essas mulheres inteligentes acabam descobrindo no crime uma forma de assumirem de fato controle das próprias vidas.
Nesse trajeto de retomada do controle, ao mesmo tempo que elas recuperam parte da coragem, também ganham tempo pra desenvolver suas habilidades de negócios: assim como Walter White em Breaking Bad, as garotas de Good Girls tem à seu favor o fato de não serem criminosas óbvias, são mães de família trabalhadoras, praticamente invisíveis no mundo do crime e por isso mesmo, se tornam as coringas das operações ilegais. Mulheres subestimadas constroem impérios silenciosos. Nesse sentido, Good Girls explora bem as nuances sociais do tratamento dado às mulheres – como revela Beth em certo momento: não importa se fazemos tudo certo ou tudo errado porque quem inventou as regras nos odeia.
Good Girls também é consistente em sua crítica à misoginia cotidiana dos homens, e todos os personagens masculinos estão expostos à escrutínio nessa narrativa. O comportamento vicioso do chefe de Annie no mercado, Leslie, deixa claro o mecanismo de pensamento de um homem que verdadeiramente odeia mulheres: Leslie persegue Annie no trabalho, a assedia constantemente na tentativa de criar um romance com ela, e em certo momento tenta estuprá-la. Ele também justifica suas atitudes responsabilizando Annie, e a série não peca em retratá-lo e até nomeá-lo com o “loser” e estuprador que ele realmente é.
Dean, o marido de Beth, além de não ter dimensão das questões e drama da esposa, é parte enorme do que Beth pretende deixar pra trás, mas que tenta envolvê-la de volta para o casamento por meio de mentiras e manipulações – essa trama é a ponta solta da temporada e o gancho para a próxima. O ex-marido de Annie, Greg, pai da adorável Sadie, além de se casar de novo por interesse, também pressiona Annie pela custódia da filha de forma condescendente. A não ser por Stan, marido de Ruby, que é comprometido e dedicado à família de forma igualitária e amorosa, a série deixa bem claro que os homens fora do crime são tão perigosos e cruéis com as mulheres quanto os homens envolvidos com negócios ilegais.
A mensagem geral da primeira temporada de Good Girls é que mulheres são diversas: elas podem ser capazes de cuidar de 4 quatro filhos e ao mesmo tempo agirem racionalmente e estrategicamente sob pressão, mulheres podem ter relacionamentos igualitários e amizades de sangue, mulheres podem ser a melhor influência amorosa para filha pré-adolescente, mesmo que passem o sábado no sofá comendo salgadinho e tomando vodka quente. Garotas podem ter cabelo curto, gostar de usar camisetas e terninhos. O título da série não poderia ser mais irônico. E o melhor: A 2ª temporada está garantida e foi renovada pela NBC! <3
Obs: A trilha sonora é excelente, de Le Tigre à Jungle!