Doctor Who – 11×03: Rosa (resenha)

Doctor Who – 11×03: Rosa (resenha)

Todos os que participam (ou já participaram) da produção de Doctor Who têm motivos para se orgulhar. A série é maravilhosa e melhora a cada novo episódio apresentado ao público. Especialmente se levarmos em conta a nova temporada produzida pela BBC. Não se trata apenas da representação feminina, já que Jodie Whittaker é a primeira mulher a ocupar o lugar do atemporal Doutor. Os roteiros apresentados ao público na décima primeira temporada têm sido muito interessantes e inspiradores. Os espectadores, mesmo aqueles que não são fãs da série, são convidados a refletir sobre suas convicções e pontos de vista e, de forma brilhante, Doctor Who está fazendo sua parte para a construção de um mundo melhor.

Rosa é o terceiro episódio da 11ª temporada e foi exibido originalmente no dia 21 de outubro de 2018. Escrito por Malorie Blackman e Chris Chibnall e dirigido por Mark Tonderai, “Rosa” é um convite à reflexão sobre o racismo e suas terríveis consequências sociais.

O enredo trata da estadia da Doutora no estado americano do Alabama, no ano de 1955. Ao perceber traços incomuns de Energia Artron, a Doutora parte para a investigação e acompanhada de seus três companheiros, Graham O’Brien (Bradley Walsh), Ryan Sinclair (Tosin Cole) e Yasmin Khan (Mandip Gill), precisa lidar com os planos temíveis de um perigoso viajante do tempo e com as mazelas impostas pela segregação racial norte-americana dos anos 50.

Seria impossível falar no assunto sem citar nomes conhecidos, especialmente o de Rosa Parks (Vinette Robinson), figura histórica que dá nome ao episódio. Para quem não sabe, Rosa Parks foi uma costureira norte-americana e é considerada símbolo do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. No dia 1º de dezembro de 1955, Rosa se recusou a ceder seu lugar no ônibus para um branco. No Alabama o transporte público era legalmente segregado e, caso houvesse uma pessoa branca de pé, os negros eram obrigados por lei a ceder seus lugares. O gesto de Rosa foi um desafio à lei e as injustiças por ela perpetradas. Mesmo assim, acabou sendo presa.

Rosa

A prisão, que deveria ter servido como exemplo para a população negra do Alabama, acabou tendo o efeito contrário. Revoltados com a injustiça cometida contra Rosa iniciaram o movimento de boicote aos ônibus de Montgomery que, posteriormente, marcaria o início da luta antissegregacionista. E é justamente disto que o episódio trata.

Um misterioso viajante do tempo pretende mudar a história e impedir que a viagem de Rosa aconteça, como está descrita nos livros de História. Mas com qual objetivo? Manter a segregação racial. Ou seja, a lei (e também a sociedade) continuaria a tratar os negros como se fossem inferiores aos brancos.

Ao longo do episódio vemos o esforço da Doutora para manter a História intacta, porém, ela não teria conseguido sem a ajuda de Graham, Ryan e Yasmin. A história de Rosa e, infelizmente, o preconceito racial afetou o quarteto de formas diferentes. É impossível assistir as cenas de discriminação sem sentir asco e tristeza. Principalmente se levarmos em consideração que nosso país está em um momento político delicado, marcado por tensões raciais.

Rosa

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Para a Doutora e para Graham a situação foi mais tranquila do que para Ryan e Yasmin. Mesmo com toda a indignação que sentiam perante as situações de discriminação que presenciaram, por serem brancos, recebiam tratamento diferenciado e nada era negado para eles. A Doutora e Graham podiam sentar-se, comer e andar por onde quisessem. Mas seus companheiros, Ryan e Yasmin, não. Tal fato, por mais singelo que possa parecer, é um convite para a reflexão a respeito do privilégio branco. Ele existe! Mesmo que as pessoas custem em reconhecer. Dificilmente uma pessoa branca será suspeita de roubar uma loja ou será vista com desconfiança na rua ou alvo de piadas vexatórias. Mesmo combatido, o racismo continua presente em nossa sociedade e, para exemplificar, voltaremos à ficção.

Ryan é um jovem negro e Yasmin uma jovem paquistanesa, e no estado do Alabama de 1955 foram expulsos de um restaurante e de um hotel. Ryan teve dificuldade em usar o transporte público e os dois eram mal vistos ao andar nas ruas. Mas engana-se quem pensa que eles fizeram algo de errado. O problema, lamentavelmente, estava na etnia deles. Em meio à segregação racial, não ser branco é quase um crime. Ambos foram apontados e discriminados, mas não apenas na aventura vivida ao lado da Doutora. Suas vidas cotidianas também são marcadas pela discriminação racial, fato percebido nos vários diálogos que os dois travam ao longo do episódio. Triste perceber como as vítimas de intolerância se entendem e têm histórias semelhantes para contar.

Mas, em meio a um cenário triste e desesperançoso, vale a pena assistir ao episódio três da décima primeira temporada? Sim, pois a condução da narrativa fez a diferença. Mesmo com um pano de fundo devastador, o episódio é carregado de beleza e esperança. A Doutora e seus companheiros não estão apenas defendendo a história. Eles lutam pelo direito à igualdade, pelo fim da discriminação racial, e por um mundo melhor.

Rosa

A circunstância em que assisti ao episódio “Rosa” fez a diferença e não poderia deixar de mencionar a experiência, que foi única e, com certeza, me marcará para sempre.

Uma hora após assistir e ainda contaminada pelas boas vibrações emanadas do episódio, encontrei um rapaz em um terminal de ônibus. Ele usava uma camiseta pró-Bolsonaro e sabemos o que isso quer dizer. Significa que, infelizmente, o rapaz está em busca de uma sociedade violenta e marcada por discriminações, na qual a supremacia branca será a premissa. Ele, que provavelmente é como eu, morador de uma das regiões mais pobres do estado de São Paulo, formada em sua maioria por negros e nordestinos, escolheu a barbárie ao invés da lucidez. A morte ao invés da vida.

Uma simples camiseta pode ser simbólica e a dele deveria impactar e gerar medo. Contudo, não foi o que aconteceu. Após assistir “Rosa” e ver o pequeno, mas poderoso gesto da senhora Parks e o que ele pode causar em meio a tantas injustiças, meu coração se encheu de esperança. Não importa quem deseje nos oprimir ou mesmo a força que tenham. Enquanto estivermos dispostos a resistir, seremos fortes e com pequenas ações, poderemos mudar o mundo.

Como dito pela própria Doutora, “pequenas atitudes podem mudar o universo”. E foi o que Rosa Parks fez. Por causa dela nossa sociedade tem um pouco mais de lucidez que a de gerações passadas. Temos muito que melhorar, entretanto, se lutarmos e resistirmos, chegaremos a um lugar melhor.

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Nerd, pedagoga, escritora, leitora, gamer, integrante da casa de Lufa-lufa, amante de ficção científica (Star Trek, Star Wars e Doctor Who) e literatura fantástica. Deseja ardentemente que o outro lado da vida seja uma grande Biblioteca.
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