Queer Eye: 4ª temporada e o desafios de aceitar quem realmente somos

Queer Eye: 4ª temporada e o desafios de aceitar quem realmente somos

É impossível não perceber que a série “Queer Eye”, da Netflix, foi feita para mexer com nosso emocional. Karamo Brown, Antoni Porowski, Bobby Berk, Jonathan Van Ness e Tan France – ou, melhor dizendo, os Fab5 – voltam para a quarta temporada prontos para derreter até o coração mais gélido e desavisado. Trazendo uma grande diversidade de vivências, narrativas e personagens, eles invadem os estados de Illinois, Missouri e Kansas como “meteorologistas gays trazendo ótimas previsões”, segundo Jonathan Van Ness.

Mais uma vez se distanciando dos padrões dos programas tradicionais de mudança na vida das pessoas, “Queer Eye” flui no sentido contrário, levando os participantes, ou heróis, como costumam chamar, a entenderem que a mudança precisa acontecer não só externamente – aprendendo uma receita nova ou mudando o corte de cabelo –, mas sim internamente, com o empoderamento e a autoaceitação.

“Eu só quero dizer que não podemos olhar diferente para ninguém, o segredo é o amor”

Bobby, Karamo, Tan, Antoni e Jonathan – Fab5 (Imagem: divulgação/Netflix)

É dessa forma que Wesley Anderson, herói do segundo episódio da temporada, fala sobre a convivência com os Fab5 no discurso de sua Organização “deficiente, mas nem tanto”, engrossando o caldo da diversidade da temporada, que, além de Wesley, traz outros sujeitos diversos, como Wanda Winters – workaholic inveterada que não consegue dar atenção para si mesma – ou Brandonn Mixon – ex-militar com sérios problemas de adaptação na vida civil.

No primeiro episódio, Jonathan Van Ness reencontra sua professora de música do ensino médio, Kathi Dooley, e a ajuda – assim como ela o ajudou no passado – a aceitar quem ela é. Ou seja, já neste episódio, os Fab5 (especificamente Van Ness, nesse caso) deixam bem claro o grande motivo dessa temporada e o porquê de nos acabarmos em lágrimas durante uma maratona de quase oito horas de série: ninguém é inteligente o suficiente para não precisar aprender nada e nem ignorante o suficiente para não conseguir aprender nada.

É visível a empatia dos Fab5 com os heróis e, além de tudo, sua disposição para mostrar para essas pessoas que existiam motivos para sua indicação e, acima de tudo, mostrando que precisariam sair de sua zona de conforto para que as mudanças fossem alcançadas. É o caso de Matt Morland, fazendeiro divorciado que deixou bem claro que jamais havia convivido com cinco homens gays em sua vida e que aquela semana de convivência estava sendo uma grande experiência nova. Como resposta, Karamo diz: “você pode dar um recado para os outros heterossexuais do mundo? Eles não vão ter um infarto ao se misturarem com gays”.

Queer Eye
Jonathan e Kathi Dooley em cena da quarta temporada de “Queer Eye” (Imagem: reprodução/Netflix)

“É tudo sobre equilíbrio”

Algumas semelhanças podem ser encontradas entre as heroínas e heróis da temporada de “Queer Eye” em menor ou maior grau, como dificuldade em se abrir com as pessoas mais próximas ou em separar a vida profissional da vida pessoal, apego à certas características pessoais (físicas e/ou psicológicas) e, acima de tudo, uma grande vontade – somada a um grande medo – de mudar. Além desses temas subjetivos, os Fab5 tratam – ou deixam claro na vivência dessas pessoas – temas como racismo, xenofobia e homofobia. Se Wesley Anderson sofre as consequências de ser um homem negro periférico até hoje, também temos Deanna Munoz, mulher mexico-americana (ou, como chamada nos Estados Unidos, chicana), que, mesmo empoderada em suas raízes latinas – inclusive militante, fundadora do “Festival de Arte Latina” de Kansas City –, sofreu episódios de xenofobia em seu bairro.

Trazendo, portanto, essas histórias com diversos tipos de necessidades e atenções, os Fab5 provocam os (as) participantes e, consequentemente, aqueles que estão assistindo a refletirem sobre o equilíbrio: entre a vida pessoal e a vida profissional, no ato de se doar para os outros (as) e esquecer de si mesmo e, finalmente, o equilíbrio entre ser quem você quer ser – ou quem você pode ser – e quem as pessoas ao redor querem que você seja. Refletindo em aprendizados e mudanças práticas, os Fab5 ajudam no empoderamento pessoal, mostrando para aquelas pessoas que ninguém é um fracasso por ser diferente, muito pelo contrário, somos quem somos e devemos ter orgulho disso.

Deanna Munoz e Bobby em cena da quarta temporada de “Queer Eye” (Imagem: reprodução/Netflix)
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Queer Eye: uma série que, ainda bem, tem sua continuação confirmada

Já ficou bem claro que a quarta temporada de “Queer Eye” é cheia de emoções, porém é muito mais do que necessário falar especificamente sobre o episódio de Kenny Yarnevich, um solteirão convicto de 64 anos que nunca saiu da casa dos (já falecidos) pais. De todos os estereótipos que poderiam nos soar problemáticos, um homem branco, idoso, católico e heterossexual pode disparar alguns alarmes, certo? Certo. Só que como uma grande surpresa, Kenny se mostra o herói mais aberto, disposto e carinhoso dessa temporada, afirmando, inclusive, que os Fab5 se tornaram e serão sempre seus grandes amigos, mostrando que a disposição em se abrir para o outro pode vir de onde menos esperamos, nos dando a linda chance de acabar com nossos próprios preconceitos.

Kenny Yarnevich e os Fab 5 em cena da quarta temporada de “Queer Eye” (Imagem: reprodução/Netflix)

De qualquer forma, os Fab5 são fabulosos sim, mas não perfeitos. Não podemos deixar de notar que, por mais desconstruídos, abertos e conscientes que sejam, são passíveis de erro e, portanto, criticas, quando, por exemplo, Tan afirma “eu amo quando uma mulher tem o corpo certo para usar saia reta” ao se referir ao porte físico de Wanda Winters ou quando Antoni Porowski fica claramente incomodado em comer a comida mexicana feita em casa – o que resultou numa cena ótima, da “vózinha” mexicana fofa trazendo comida para ele na frente das câmeras, o deixando sem reação num primeiro momento, porém totalmente apaixonado pela receita logo em seguida.

Ou seja, de uma maneira geral, “Queer Eye” não é só sobre os Fab5 operarem mudanças na vida desses heróis e heroínas, é sobre eles estarem mudando a si mesmos, saindo de sua bolha colorida – mencionando seu loft incrível – e exercendo a empatia, a solidariedade e o cuidado, como nós, fabulosas e fabulosos do cotidiano, poderíamos também fazer, respeitando e enxergando a nossa individualidade para, dessa forma, respeitarmos e enxergarmos as necessidades e diferenças das outras e outros à nossa volta.


Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

25 Textos

Uma adolescente emo virou uma hipster meio torta que sem saber muito bem o que fazer, começou jogar palavras ao vento e se tornou escritora e tradutora. Também é ativista dos direitos humanos. Além disso é lésbica, Fé.minista, taurina. E, principalmente, adoradora de gatos e de café.
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