Queer Eye – 2ª temporada: a desconstrução de um modelo de masculinidade hegemônica

Queer Eye – 2ª temporada: a desconstrução de um modelo de masculinidade hegemônica

Desde a infância, em razão de uma cultura patriarcal e cis-heterossexual, somos educadas e moldadas a conceber como normal a delimitação de espaços entre os gêneros, ou seja, o que é apropriado para menina e o que é típico para menino. Vivemos em um contexto sociocultural em que às mulheres destina-se um movimento de interiorização, para dentro, que pode ser a domesticidade, a maternidade, o sentimentalismo, a subjetividade; já aos homens competem o mundo externo, a dominação, a racionalidade, a agressividade. Dessa forma, são socialmente construídos as nossas subjetividades e os significados de feminilidade e masculinidade.

A relação desigual entre os gêneros é verificada em diferentes âmbitos da esfera social, como por exemplo, na divisão de atividades e brincadeiras a serem desenvolvidas por meninos e meninas. Em atividades lúdicas e práticas esportivas é comum haver a separação entre os sexos, sendo a força física o elemento determinante para estabelecer meninos para um lado e meninas para outro. Aos meninos, geralmente, cabem as atividades que exigem movimento, disposição física, raciocínio, enquanto às meninas são destinadas brincadeiras mais delicadas que não machuquem o corpo “frágil” feminino.

A delimitação de espaços considerados “naturalmente” apropriados para homens e mulheres está arraigada na cultura patriarcal da sociedade e continua a ser reproduzida conforme a educação transmitida de pais para filhos e filhas. Meninos e meninas recebem tratamento diferenciado desde o nascimento, quando os pais preparam o alicerce para a segregação entre os gêneros. A diferenciação de cores conforme o sexo do bebê constitui o primeiro passo para a desigualdade na relação entre homens e mulheres. Assim, as crianças aprendem desde cedo a enxergar um mundo dividido entre “coisas de menino e de menina”. É nesse contexto de representação de gênero binária, que o Reality Show Queer Eye, para além de simplesmente entreter o público, tem a função de questionar valores tradicionais e certas relações de poder.

Queer Eye

Por que assistir Queer Eye?

Queer Eye é um reality show norte-americano, protagonizado pelos cinco fabulosos: Bobby, Antoni, Jonathan, Tan e Karamo. A ideia do programa é que os cinco especialistas, que são homossexuais, visitem a casa dos participantes, conhecendo suas necessidades e entendendo suas relações familiares com a finalidade de melhorar a vida e o estilo deles. Para além das dicas sobre a aparência física e modo de vestir-se, os cinco fabulosos orientam e opinam sobre o comportamento e sociabilidade dos participantes que se tornam pessoas melhores e mais autoconfiantes.

No primeiro episódio da segunda temporada, intitulada Um gay em Gay, os especialistas se deparam com a participante Tammye. Uma mulher negra, cerimonialista de uma igreja, mãe e dona de casa. Aqui, a missão dos fabulosos é decorar e finalizar o Centro Comunitário que vai servir de espaço para creche e para grupos de idosos se confraternizarem. Adentrando na intimidade dos participantes, os especialistas também ajudam o filho de Tammye, um homossexual negro, a sentir-se mais seguro e se socializar com os moradores da cidade onde vive. Myles havia retornado a sua casa, após ficar anos distante por ter sofrido muita discriminação em razão da orientação sexual por parte dos moradores da pequena cidade.

Queer Eye

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Assim, a temática da homofobia e do sofrimento psíquico que a discriminação acarreta na psique e na vida de quem sofre discriminação por ser quem se é, torna-se uma constante no programa. Já no quinto episódio, os cinco fabulosos conhecem a história de luta de Skyler, um homem trans que se submeteu recentemente a uma cirurgia delicada de mastectomia, que consiste na retirada completa da mama. Por ter a coragem de buscar ser quem ele é essencialmente, Skyler foi expulso de casa aos 17 anos pela própria mãe. Mas, com a ajuda dos cinco fabulosos, ele aprendeu que a os laços afetivos são mais importantes que os consanguíneos, como também descobriu um modo de vestir-se que atendesse a sua identidade de gênero não binária, mesclando feminilidade e masculinidade.

Queer Eye

A desconstrução do modelo hegemônico de masculinidade

No decorrer dos episódios, os especialistas se deparam com muitos casos de homens heterossexuais que têm uma aparência desleixada e demonstram insatisfação com seus corpos e estilos, contudo, nunca tomaram a iniciativa de experimentar outros caminhos porque foram moldados a perceber um modelo de masculinidade, baseado no patriarcado. Uma vez que na cultura patriarcal, ser viril é sinônimo de ser agressivo, não mostrar delicadeza, ser descuidado com a aparência, pois o oposto seria coisa de “mulherzinha” e tudo que remete ao segundo sexo (denominação cunhada por Beauvoir) é subalternizado, sendo sinal de fraqueza.

Dessa forma, seja ajudando os participantes a conquistar segurança a partir de um novo corte de cabelo, de um novo modo de vestir-se e de estar no mundo, o programa Queer Eye exerce a importante função de desconstruir estereótipos, enraizados no patriarcado e no binarismo, como também de lançar a reflexão de que identidade de gênero é algo fluido e socialmente construído, sem determinantes biológicos. As pessoas são para o que nascem e elas nascem para serem felizes, devendo ter sua dignidade humana respeitada independente de suas escolhas.

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Jornalista, pós-graduada em Comunicação, Semiótica e Linguagens Visuais, estudante de Direito, militante femimista, autora do livro A Árvore dos Frutos Proibidos, desenhista, cinéfila e eterna aprendiz na busca do aprender a ser.
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