Final Girl: a discussão de gênero nos filmes de terror

Final Girl: a discussão de gênero nos filmes de terror

O termo final girl foi cunhado em 1992 por Carol J. Clover em seu livro Men, Women and Chainsaws: Gender in the Modern Horror Film. Este termo foi criado para analisar e retratar como as mulheres vinham sendo representadas em filmes de terror, especialmente no subgênero slasher. A final girl é a única e última sobrevivente do massacre, sendo a pessoa que irá contar o que aconteceu e enfrentar diretamente o monstro/assassino.

A final girl apresenta traços bem específicos: geralmente são virgens, o que significa que estariam sexualmente indisponíveis e não se mostram obcecadas por sexo como outras jovens do filme. Elas não usam drogas ou álcool, nem se comportam “fora dos trilhos”; portanto, são obedientes e “boas” meninas. Além disso, são curiosas e sobrevivem por serem inteligentes e astutas.

Clover argumenta que o principal público dos filmes de terror é masculino, o que faz com que a identificação com o assassino seja muito mais frequente. Quando há a presença da final girl, o público acaba mobilizado e torce para que ela enfrente o vilão com triunfo ou, no mínimo, fuja.

Ao ganharem ação e olhar ao longo do desenvolvimento do filme e se “apropriarem falicamente” de alguma arma, como uma faca ou até uma serra elétrica durante o embate com o serial killer, a final girl torna-se masculinizada, fazendo com que os homens também se identifiquem com ela.

A identificação geral com a final girl

A postura subversiva da final girl mostra-se principalmente no fato de que ela assume o lugar do papel estereotipadamente masculino e se torna a única sobrevivente. Diante da ameaça do assassino, a final girl adota um olhar investigativo e ativo, contrastando com a postura passiva usualmente atribuída às mulheres.

Além disso, a final girl possibilita uma identificação tanto por parte das mulheres quanto dos homens espectadores. Ao fazer com que os homens se identifiquem com uma jovem e virgem garota, é possível transformar o voyeurismo masculino predominante no gênero em uma experiência feminina.

Foi em Halloween (1978), dirigido por John Carpenter, que a primeira final girl oficialmente se mostrou nos cinemas: Laurie Strode (Jamie Lee Curtis).

A personagem, que segue o padrão estereotipado da “boa menina” e é zombada por sua inexperiência sexual, sobrevive e ataca Michael Myers (Nick Castle/Tony Moran/Tommy Lee Wallace), um assassino que escapou do manicômio e está à solta na noite de Halloween, assombrando os jovens da pequena cidade de Haddonfield.

Laurie, interpretada por Jamie Lee Curtis
Laurie, interpretada por Jamie Lee Curtis | Reprodução 

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A relação entre sexo e punição

Os filmes de terror estão repletos de elementos que dizem respeito aos nossos principais medos e angústias. Embora não haja uma mensagem explicitamente cristã nos clássicos slashers, muitas vezes existe uma relação entre sexo e punição, conhecida como “death by sex”: os assassinos punem, através da morte, comportamentos inadequados dos jovens, muitas vezes considerados tabus, como é o caso do sexo.

Além da “condenação” do sexo casual ou entre adolescentes, esses filmes trazem uma reflexão interessante acerca da repressão sexual. Afinal, o assassino é sempre desumanizado e, em tese, não poderia transar. Se o assassino não pode transar com ninguém, ele mata os que podem.

O fato de a final girl não ser obcecada por sexo a assemelha ao assassino, claro que em graus diferentes, mas colocando ambos em uma posição de outsiders, de estranhos em relação aos outros personagens da trama.É como se a final girl se apropriasse da possibilidade da socialização feminina, que argumenta que a mulher pode demonstrar medo mais explicitamente, enquanto que o homem deve manter uma postura de coragem, liderança e plenitude mesmo diante da ameaça eminente de morte.

Portanto, o recurso da final girl é um reflexo da sociedade que espera que a mulher seja sempre uma donzela em perigo, e é subversivo porque a reviravolta do enredo marca o fato de que é a mesma “donzela em perigo” que se salva, seja matando o vilão, seja simplesmente fugindo da forma mais esperta possível no momento.

Outro exemplo da clássica final girl é Nancy Thompson (Heather Langenkamp), do filme A hora do pesadelo (1984), dirigido por Wes Craven. Nancy é atormentada por sonhos estranhos até que seu pesadelo se revela como Freddie Krueger (Robert Englund), que acabará detido pela garota sobrevivente que contará a história, como uma boa final girl.

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Nancy Thompson (Heather Langenkamp) em A Hora do Pesadelo
Nancy Thompson (Heather Langenkamp), ao adormecer na banheira | Rrprodução

Sem dúvidas, a teoria da final girl e as personagens que interpretam esse papel são fundamentais para compreender o debate de gênero nos filmes de terror.

As mulheres nos filmes dessa categoria são usualmente figuras que entretêm o público por serem sempre as que se assustam mais e demonstram o espanto de forma mais significativa que os homens. No entanto, quando se trata de salvar a própria pele, é revolucionário colocar a mulher no papel ativo e agressivo, fazendo o que pode para se manter viva, independente de outro personagem.

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Edição realizada por Isabelle Simões

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Psicóloga, mestranda e pesquisadora na área de gênero e representação feminina. Riot grrrl, amante de terror, sci-fi e quadrinhos, baterista e antifascista.
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