Makoto Shinkai: uma análise sobre as personagens femininas

Makoto Shinkai: uma análise sobre as personagens femininas

Makoto Shinkai é um diretor, roteirista e produtor de animações japonesas muito conhecido por sua maneira de contar histórias emocionantes. Shinkai já tinha feito alguns animes de sucesso anteriormente, mas foi em 2016 que vimos alcançar um público extraordinário, junto do lançamento do filme “Your Name“. 

Os filmes de Makoto Shinkai geralmente possuem narrativas menos elaboradas e, de certa maneira, mais simples em comparação a outras obras do gênero. Além disso, possuem um caráter mais realista e palpável, mesmo quando trabalha temas e aventuras místicas. É através dessa simplicidade que nos deparamos com a beleza e a grandiosidade de suas obras, principalmente no que se refere às suas personagens femininas. 

Suas personagens femininas não vivem, necessariamente, em ambientes cheios de ação e situações mirabolantes. Elas vivem a sua força e sua importância de suas próprias maneiras. O diretor trabalha muito o aspecto emocional e afetivo de todos os seus personagens, bem como constrói brilhantemente os traços da personalidade das mulheres e meninas. As personagens são sempre relevantes para as narrativas e não construídas somente para apoiar um homem.

Além dos roteiros e personagens relevantes, outro ponto que chama bastante atenção no trabalho do diretor é como a fotografia e a direção de arte de seus filmes são meticulosamente trabalhados. Em cada mero detalhe dentro de seus visuais podemos ver a articulação entre a trilha sonora, a paisagem e a essência dos personagens, passando suas emoções e conflitos internos. Sobre isso, Shinkai já demonstrou que gosta de tirar fotos de paisagens pelo Japão para inspirar seus trabalhos, pois tem como objetivo criar cenários e ambientes realistas e que conversem com as narrativas propostas. 

O sucesso de Makoto Shinkai vem sendo tão grande que passou até mesmo a ser comparado com o Hayao Miyazaki, co-criador do estúdio Ghibli, o que ele, inclusive, já afirmou que não gosta: “Ainda acho que meus filmes estão incompletos, me sinto um pouco esquisito e até mal de estar sendo comparado à grandeza dele”.

Com isso, preparamos uma visão um pouco mais detalhada sobre algumas personagens famosas criadas por Makoto, onde podemos compreender a importância do seu processo de representatividade e inclusão de mulheres reais. Estas personagens são capazes de controlar seus próprios destinos e são, principalmente, independentes, em suas histórias.

Cinco Centímetros por Segundo (2007)

Cinco Centímetros por Segundo, Makoto Shinkai
Imagem do média-metragem “Cinco Centímetros por Segundo” (Imagem: reprodução)

A história do média-metragem é contada por meio de três fragmentos interligados em diferentes anos, entre o início dos anos 1990 e 2007, através da relação de dois jovens que moram em Tóquio, o Takaki Tono e sua melhor amiga Akari Shinohara

Devido à mudanças no trabalho de seu pai, Akari acaba se transferindo de cidade com sua família. Isso faz com que ela se distancie de Takaki, mas mesmo com a distância ambos buscam manter contato através de cartas. Os desencontros são constantes, e eles acabam se afastando no decorrer do tempo, fazendo com que os personagens convivam bastante com as memórias dos momentos juntos. Mesmo com novas pessoas surgindo em suas vidas, os jovens não esquecem do amor e da amizade que cultivaram, e ambos nutrem a esperança de se encontrarem novamente.

O longa, apesar de trabalhar uma trajetória romântica, acaba por ser mais profundo do que os filmes do gênero. Isso acontece pois conhecemos as inseguranças, dificuldades e também o amor presente na relação deles, que cresce ao mesmo tempo que eles se afastam um do outro. Além disso, o próprio visual do filme e sua trilha são muito relevantes para esta construção, trazendo um tom ainda mais intenso para a transformação da relação de amizade e amor entre o casal, e também do sofrimento que se criou com a separação deles devido à distância. Sentimos na pele cada reação e palavras que os personagens proferem, além de experienciarmos o peso da solidão dos personagens.

Apesar de ser um romance heteronormativo, as características que geralmente são negativas neste gênero não estão presentes, como as piadas machistas ou a personagem feminina com o padrão hiperssexualizado. Tais pontos são importantes para delimitarmos a necessidade de transformação no audiovisual, que já contribuiu tanto para a manutenção dos estereótipos de gênero. Um filme emocionante do início ao fim.

Viagem para Agartha (2011) 

Viagem para Agartha, Makoto Shinkai
Cena do longa “Viagem para Agartha” (Imagem: reprodução)

Viagem para Agartha” é a obra mais próxima das comparações de Shinkai com o grande Hayao Miyazaki. O longa conta a história de Asuna, que é uma menina solitária e extremamente independente. A garota tem o hábito de passar seus dias escutando uma música misteriosa, através de uma pedra que ganhou de seu pai, em um rádio especial. Um dia, um monstro misterioso aparece em uma ponte em que Asuna estava passando para ir para casa. Nesse momento ela acaba conhecendo um rapaz chamado Shun. A partir dessa amizade criada, a menina parte em uma jornada fantástica e mística para Agartha. Ela visa não apenas de buscar respostas sobre o mundo e procurar salvar entes queridos mas, acima de tudo, conhecer a si mesma.  

A narrativa parece comum quando comparamos com outras histórias de animações famosas, pois ela trabalha a ideia de que algo extraordinário acontece, fazendo com que a protagonista largue a sua “vida comum” para viver uma aventura, uma jornada bem recorrente no gênero coming of age. Mas o que esse filme tem de mais impressionante é a dimensão da profundidade folclórica e mística de diversos locais que nos será apresentada. Este é o fator principal da história, que nenhuma descrição seria o suficiente para demonstrar tal complexidade.

A perda de um ente querido sempre é um momento complicado, que provoca reações diversas nas pessoas em geral. Partindo dessa premissa, Makoto Shinkai trabalha a ideia de até onde podemos ir para ter aquela pessoa estimada de volta. Essas ações são motivadas, na sua grande maioria das vezes, por sentimentos egoístas e individualistas de propriedade. Essa busca incessante é quase posta como doentia, colocando inclusive vida de pessoas em perigo em nome de reviver um momento passado de felicidade. Além disso, o filme parte de alguns dos diversos questionamentos e buscas humanas sobre a vida, como, por exemplo, a convivência e o amor que temos por outras pessoas, e o que buscamos fazer por tal amor. A partir desses problemas comuns e complexos da humanidade, nós, espectadoras, temos o prazer de acompanhar a epopeia de Asuna conhecendo Agartha.

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Apesar de Asuna ser a única personagem feminina com falas bem desenvolvidas, este é um dos traços mais interessantes da obra. No início, nos deparamos com uma menina tão independente que ficamos surpreendidas, bem próximo do que vemos em “O Serviço de Entregas da Kiki” (1989), animação do estúdio Ghibli. Ela realiza as compras da casa, faz comida para ela e seu gato. Depois, vai à escola e tira as maiores notas da classe. Além disso, ainda possui tempo para o lazer, desbravando o uso da pedra ganhada de seu pai como uma espécie de rádio artesanal. Asuna é uma menina criativa, corajosa e cheia de opiniões, confrontando inclusive seu colega Shun, que tenta lhe dizer o que fazer. É uma personagem construída de forma coerente e desbravadora.

Também temos acesso à outra personagem feminina relevante no filme, a mãe de Asuna. No início, parece que a garota mora sozinha, fazendo todas as tarefas de casa e levando sua vida de maneira bem solitária, contando apenas com seu gato Mimi para conviver. Mas, posteriormente, percebemos que, devido à profissão de enfermeira, sua mãe passa pouquíssimo tempo em casa. Quebrando o padrão de quem sustenta a casa e do papel natural que colocam as mães como donas do lar, Shinkai constrói a mãe da menina como um grande pilar de sua vida, apesar de distante. Um filme que vale a pena ser visto. 

Jardim das Palavras (2013)

Jardim das Palavras, Makoto Shinkai
Cena do média-metragem “Jardim das Palavras” (Imagem: reprodução)

Esse média-metragem (podemos ver que Shinkai gosta bastante de filmes curtos) conta a história de Takao, um estudante que está treinando para ser um sapateiro. Ele matou aula, e está desenhando sapatos em um jardim japonês, até que a chuva que acometia não passava. Durante essa matança de aula, o garoto conhece uma misteriosa mulher, a Yukino. Ela é um pouco mais velha do que ele e, em princípio, não conhecemos sua ocupação, sua idade ou qualquer detalhe de sua vida. Então, sem marcar horários ou qualquer encontro, os dois começam a se ver periodicamente, mas somente durante os dias chuvosos do Japão. A partir desses encontros, a relação entre eles fica mais íntima e profunda. Isso faz com que eles abram seus corações um pro o outro e criem um afeto mútuo, mas o fim da temporada de chuva logo se aproxima.

Este é mais um filme que pretende compreender um pouco das complexidades das nossas relações sociais, de como lidamos com os nossos problemas e o poder que uma pessoa tem de transformar a nossa vida por inteiro. 

A personagem Yukino é uma mulher solitária, misteriosa e que passa por diversos problemas em sua vida. Porém, à medida que o filme passa, essas nuances de sua personalidade acabam florescendo. Esse traço é bastante interessante, pois contrastando com as personagens femininas anteriores, vemos que o diretor apresenta uma multiplicidade na retratação de mulheres. Todas as suas personagens são bastante distintas entre si e possuem características próprias coerentes e relevantes. Tal filme é uma referência sobre como criar e trabalhar com personagens femininas. 

Your Name (2016)

Your Name
Imagem do longa “Your Name”. (Imagem: reprodução)

Chegamos então no filme de maior sucesso, e que quebrou diversos recordes internacionalmente no tempo em que foi lançado. Talvez esta seja a obra mais complexa e repleta de simbologias da lista. 

A história do longa “Your Name” se passa um mês após um cometa cair no Japão, pela primeira vez em mil anos, e aborda o relacionamento entre dois jovens. Mitsuba, uma colegial tímida e inteligente que vive no interior do país. Porém, ela quer viver na cidade, pois sente que o local onde vive a limita e, dessa maneira, busca por novas experiências e lugares. E, temos também Taki, um estudante que vive em Tóquio e trabalha em um restaurante, com interesse em artes plásticas, desenho e arquitetura. 

Um dia, Mitsuba e Taki acordam “com os corpos trocados”. A menina do campo, que tanto sonhava em conhecer novos espaços, está no corpo de um menino que mora em Tóquio. O garoto que estava desmotivado com sua vida na cidade acorda no corpo de uma garota de sua idade que vive no campo. Então, os jovens que não se conheciam acabam se deparando com uma conexão direta e misteriosa que mais parecem imagens de seus sonhos.

Essa troca começa a ser recorrente e a dupla precisa criar um padrão para que, quando retornem aos seus corpos, saibam as mudanças que ocorreram enquanto estiveram fora e não cometam erros com as pessoas que convivem. Isso faz com que eles se conheçam intimamente e tenham vontade de se conhecerem pessoalmente. Mas, talvez, o destino tenha um plano diferente para eles. Ademais, a união entre esses jovens é o mistério que toca o filme. Uma troca de vidas sem qualquer motivo aparente e totalmente involuntária, acaba transformando a vida deles e de todos ao redor, quase um “Se Eu Fosse Você” em forma de animação japonesa. 

O que começa com uma premissa de um fácil entretenimento transforma-se em um filme cheio de ensinamentos sobre a vida, sobre emoções, cultura japonesa e seus simbolismos e, principalmente, ele nos ensina muito sobre o amor. A animação é um satisfação aos olhos, nos tirando fôlego muitas vezes e muito, mas muito emocionante. 

A Mitsuba tem alguns traços bem relevantes a serem tratados enquanto uma personagem feminina principal. O primeiro ponto que impacta um pouco a história é o fato dela desejar tanto ir para Tóquio. Ela não fala apenas que quer ir para a outra cidade, mas também que quer ir como um menino. Isso fala bastante sobre o peso dos papéis sociais das mulheres na nossa sociedade. Porque ela gostaria tanto de ir como um menino para aquela cidade, afinal?

A ideia de feminilidade acaba sufocando os sonhos de Mitsuba, que infelizmente possui uma vida limitada e controlada por sua família. Esse controle acontece inclusive em afazeres que reforçam ainda mais a ideia de mãe, filha e esposa. Sabemos bem como a carga dessas responsabilidades afetam nossas vidas, e mesmo em pequenas ações que a personagem realiza durante o longa, vemos o seu desenvolvimento como uma mulher independente e inteligente. Ela corre atrás do que quer e está disposta a ir atrás dos seus sonhos em qualquer momento. 

Nós controlamos o nosso próprio destino? Estamos ligados a outras pessoas sem escolha? Existem sentimentos que perpassam o tempo e o espaço? Essas são algumas questões que podemos formular enquanto assistimos esse brilhante filme de Makoto Shinkai, e tais reflexões nos acompanham por muito tempo após o final da obra.


Edição/revisão por Isabelle Simões e revisão por Mariana Teixeira.

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Estudante de Direito, nordestina, pode falar sobre Studio Ghibli e feminismo por horas sem parar, amante de cinema e literatura (ainda mais se feito por mulheres), pesquisadora, acumuladora de livros e passa mais tempo criando listas inúteis do que gostaria.
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