O conto de João e Maria é um dos mais populares dos irmãos Grimm, sobre as crianças que, abandonadas na floresta em um período de escassez e fome, acabam encontrando uma bruxa que os oferece fartos banquetes, para então engordá-los e depois comê-los. Na adaptação “Maria e João“, o diretor Osgood Perkins traz uma nova cara para essa história, dando uma guinada feminina ao colocar Maria no protagonismo, evidenciada pela mudança no título: agora o nome de Maria vem primeiro, e é ela que guia a história, sendo inclusive a narradora.
Com uma ótima atuação de Sophia Lillis no papel, o filme aborda a jornada de amadurecimento de Maria, ao mesmo tempo em que ela começa a descobrir suas capacidades e poderes (que são reais, afinal, se trata de um conto de fadas, mesmo que no conto original não houvessem elementos sobrenaturais).
Trazendo uma atmosfera mais dark, “Maria e João” facilmente será confundido e vendido como filme de terror, porém está longe disso. Há pouquíssimos elementos do terror tradicional, como sustos ou cenas de ação. O diretor se preocupa mais em criar um clima uniformemente tenso e sombrio ao invés de jogar com a adrenalina.
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Aliás, o ritmo do filme é bastante lento, fazendo as 1h30 de projeção parecerem mais de 2 horas. Portanto, vemos muitas cenas parecidas se repetirem sem muito progresso narrativo. E ainda assim, o clímax parece repentino e apressado, pela falta de desenvolvimento adequado.
Um dos elementos mais interessantes de “Maria e João” – porém mal executado – é uma leve sugestão feminista no sentido de ressignificar a simbologia das bruxas como uma fonte de força feminina. Algo que tem sido bastante feito por filmes recentes melhores do que este. É uma pena que esta adaptação nada passe do superficial.
Maria profere algumas frases feitas, como algo sobre não gostar de príncipes. Além disso, questiona o sistema tributário injusto sob o qual sua família vive em uma frase aleatória cujo contexto nunca volta a aparecer (ou seja, serviu apenas para mostrar o potencial progressista da protagonista).
Da mesma forma, a bruxa (Alice Krige) é encarregada de disparar diversas frases que soam extremamente forçadas, como “não sou casada, você vê um grilhão em meus pés?“, para indicar seu espírito independente. São ótimas ideias, mas que infelizmente nem o diretor nem o roteirista (ambos homens) souberam encaixar organicamente à trama.
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No entanto, a história pregressa da bruxa pretensamente tem algo a dizer sobre a “força feminina” e coisas correlatas. Porém, o desfecho destinado à personagem não ousa em nenhum aspecto. No fim das contas, acaba parecendo muito com o conto original, infelizmente, e contradizendo boa parte da mensagem de empoderamento.
“Maria e João” é um filme com boas ideias, visual interessante, mas que promete muito mais do que cumpre. É uma pena que seus realizadores não tenham conseguido tirar realmente do papel todo o potencial da história e colocá-lo na tela.