Está entre nós a última edição do Especial Sandman, a série de histórias em quadrinhos criada por Neil Gaiman e publicada pela Vertigo, selo da DC Comics, entre 1989 e 1996. Depois de falar sobre tantas mulheres inspiradoras que nos fazem refletir sobre a construção de personagens femininas em HQs, encerramos o especial com alguns personagens masculinos… Mas é claro que um lugar tão especial em nossa série só poderia ser ocupado pelos demais Perpétuos: Sonho, Destino e Destruição.
Os Perpétuos de “Sandman” já estavam aqui quando tudo foi criado e serão os últimos a partir quando o que conhecemos deixar de existir. Eles podem ter várias personificações, pois apesar de imortais como conceitos e ideias, possuem corpos físicos que ainda podem ser destruídos. Cada um tem a sua própria personalidade, que acompanha as características da aparência física, fazendo com que sejam facilmente reconhecidos em qualquer lugar e tempo. Além de influenciar a forma como agem em nosso mundo, essas particularidades também interferem em como reagem ao que acontece em suas vidas…
AVISO: o texto a seguir contém spoilers das edições de Sandman
Sonho: a jornada do herói melancólico e ressentido
O protagonista desta obra também é conhecido por Morpheus, Oneiros, Lorde Moldador, Devaneio e, é claro, Sandman. Ele é o responsável pelo Reino do Sonhar e entre suas atribuições estão a manutenção do mundo dos sonhos, a criação de sonhos e pesadelos ou até a destruição destes, quando já não possuem mais propósito.
Sonho tem trejeitos de um nobre shakespeariano. Ele tem a pele pálida e os cabelos negros, meio desgrenhados, e os olhos negros como o céu na noite mais escura, pontilhada apenas por estrelas. Fisicamente, Sonho lembra muito a sua irmã Morte, com quem cultiva uma relação mais próxima. E assim como os demais Perpétuos, sua aparência física acompanha o lugar e o tempo onde é narrada a sua história. Sonho, por exemplo, já foi Kai’Ckul, o misterioso viajante em uma terra desértica, por quem a Rainha Nada se apaixonou perdidamente, e costuma aparecer para a deusa Bast sob a forma de um gato.
Sonho possui uma algibeira de areia, um rubi e um elmo, que também é o seu símbolo na galeria dos Perpétuos. Entre suas habilidades está a capacidade de criar e destruir o que bem desejar, visto que tudo o que há neste mundo existe primeiro no campo das ideias. Ele também pode caminhar entre sonhos, bem como controlá-los e até conversar com os sonhadores enquanto sonham.
E o Perpétuo tem uma personalidade marcante! Na maior parte do tempo parece a própria personificação da arrogância, mas olhando com cuidado descobrimos um herói apenas melancólico e ressentido. Ele é o mais preocupado com a manutenção da realidade mortal, e isso é visível em suas ações, sempre muito racionais.
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Talvez esse temperamento seja apenas a sua nova forma de ver a vida, visto que sua história mescla heroísmo e tragédia. Sonho teve muitos amores durante sua existência, e sempre muito intensos. Com Callíope teve o filho Orpheus, cujo arco é uma verdadeira tragédia grega, e com a Rainha Nada teve momentos de ira e possessividade extremas, que custaram uma vida inteira de arrependimento e amargor… No fim, o perdão e a redenção chegaram, mas com um preço muito alto a se pagar.
Com uma das melhores narrativas quando pensamos na jornada do herói, as histórias contadas nas 75 edições de Sandman mostram essa transformação de Sonho, de protagonista implacável, que desperta a raiva mais sincera das leitoras, em um ser que busca se tornar melhor hoje do que jamais foi – para si e para aqueles que o cercam.
Destino: o mais velho e sábio dos perpétuos
Este é o mais velho dos sete Perpétuos. Representa o destino de todos os seres que já existiram ou que ainda existirão, neste e em qualquer outro universo. Destino é cego, porém onipotente. Ele sabe tudo sobre o que já aconteceu, o que está acontecendo e o que ainda vai acontecer, com o simples ato de ler o livro acorrentado em seu pulso, que também é seu símbolo.
Destino aparece em Sandman vestido com um manto, e lembra um monge ou eremita. Ele é o mais alto entre os seus irmãos e ao contrário de Desejo, que projeta duas sombras, Destino não tem sombra alguma. Ele também não deixa pegadas ou marcas neste mundo, bem diferente de Delírio, que por onde anda deixa rastros em forma de sapinhos coloridos e borboletas.
Seu reino é como um jardim, com estátuas de todos os Perpétuos. Um detalhe muito interessante de seu reino é que sempre a sua frente podem ser vistas inúmeras trilhas, pelas quais se pode seguir, mas às suas costas só é possível ver uma trilha, aquela por onde veio.
Ao contrário de alguns de seus irmãos e irmãs, que vivem interferindo na realidade mortal, Destino apenas observa os acontecimentos em seu livro. Suas aparições são poucas e breves, mas sempre certeiras e necessárias, como para nos contar que algo está prestes a acontecer (segundo o que foi visto em seu livro).
E assim como os demais Perpétuos, Destino não pode morrer, visto que seu corpo físico é apenas mais uma representação de si. Seu maior poder, por sua vez, é saber tudo, sobre todos, estando sempre um passo à frente sobre qualquer acontecimento.
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Destruição: o perpétuo mais criativo
Se Destino é exatamente o que esperamos dele, Destruição é o oposto extremo. Ele é muito animado, simpático e extrovertido. Até otimista e perseverante, considerando o que representa. Sempre em busca de novos aprendizados, adora criar coisas, construir e cozinhar. No entanto, não é assim tão talentoso…
Destruição é o irmão do meio, um ruivo forte e muito bonito, sempre cativando corações por onde passa. Apaixonado por tudo que tem vida, também já teve grandes conquistas e uma importante história de amor com a deusa Ishtar, referenciada em diversas mitologias como a deusa do amor e da fertilidade.
Como não poderia deixar de ser, seu nome já diz qual é a sua responsabilidade neste mundo. Destruição tem o dever de destruir tudo aquilo que já não é necessário, inclusive outros seres, e para tanto o seu símbolo é a espada.
O Perpétuo abandonou seu reino e desistiu de seu posto há alguns séculos, causando muita tristeza entre seus irmãos, principalmente para Delírio e Desespero. Enquanto Morte e Sonho defendiam que o melhor era deixá-lo em seu canto, Delírio parte em uma aventura para encontrar o irmão desaparecido. Desespero, em constante melancolia, decide não acompanhá-la. Ao saber que, enfim, avistaram Destruição, ela então demonstra a saudade profunda que sente de seu irmão, ainda que seja tarde demais.
Um último detalhe bem legal, é que Destruição também é o dono do cãozinho Barnabás, que mais tarde ficaria aos cuidados de Delírio (ou para cuidar de Delírio), quando ele parte mais uma vez.
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E assim terminamos nosso especial. Apesar de ter começado com o objetivo de enaltecer as personagens femininas de Neil Gaiman, tão bem elaboradas, os demais Perpétuos não poderiam ficar de fora.
Sonho, afinal, é o protagonista desta história que nos apresentou Rose Walker, Barbie e Wanda, Bast e Nuala, Callíope e a Rainha Nada, para citar algumas das “coadjuvantes” que nos encantaram. Além delas, temos Morte, Delírio, Desejo e Desespero, suas irmãs que completam a família de Perpétuos e são ainda mais cativantes e decisivas para a jornada de Sonho.
Destruição, apesar de pouco sabermos sobre sua existência, foi o pivô para uma das histórias mais bonitas e emblemáticas de Sandman – e se não fosse por ele, Delírio nunca teria partido em seu encalço e nos conquistado a ponto de se tornar nossa inspiração.
E Destino, que também aparece pouco, mas sempre em situações decisivas, também tem um lugar especial em nosso imaginário, mostrando até para o mais cético que há forças muito maiores agindo em nossos caminhos.
Neil Gaiman, como já dissemos em mais de uma ocasião, é um mestre na arte de criar personagens complexas – principalmente personagens femininas complexas. E sua obra, tão atual nas décadas de 80 e 90 e com personagens tão bem construídas, com tantas camadas, sempre será motivo de celebração entre nós, apaixonadas por histórias em quadrinhos.
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