When You Wish Upon a Star é uma dessas canções icônicas que provavelmente você já ouviu em algum momento da vida. Composta por Leigh Harline e Ned Washington, a canção foi escrita para a adaptação de Walt Disney de Pinóquio (1940), na qual é cantada pelo Grilo Falante. A Disney transformou essa obra na música tema da empresa nos anos 1950 e, desde o início dos anos 1980, ela aparece junto com o logotipo dos filmes do estúdio.
Portanto, Wish: O Poder dos Desejos, dirigido por Chris Buck e Fawn Veerasunthorn (Buck já foi responsável pela direção de sucessos como Tarzan, de 1999, e Tá Dando Onda, de 2007), pode ser considerado como diretamente inspirado pela canção, ainda que ela apareça brevemente apenas nos créditos finais.
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Wish: O Poder dos Desejos chama a atenção por ser uma animação com texturas inspiradas em aquarela, uma abordagem visual que traz um charme e uma estética única. No entanto, sua narrativa acaba ficando aquém do esperado. E o problema não é o fato de o filme ter como ponto de partida circunstâncias que envolvam a realização de desejos por uma estrela.
Apesar de ser um plot que já vimos em Pinóquio e de ter virado uma superstição lembrada em inúmeras obras audiovisuais, fazer um pedido a uma estrela ainda tem potência para ser uma boa motivação em uma obra. Porém, em Wish, a sensação que temos é de que o filme foi criado dentro de um sistema corporativo e não a partir de sonhos e magia.
Embora a Disney seja uma empresa referência no quesito brutalidade capitalista no mercado de massa, é praticamente impossível não nos sentirmos empolgados com boa parte de suas produções. Especialmente se você foi uma criança que cresceu assistindo às suas obras.
Uma vida inteira de espera pelos seus filmes nos ensinou a sempre esperar por mais. A ponto de deixar muita gente emocionada só de ver a logo do estúdio que aparece em todo início de filme, que é nada menos que um castelo.
A nostalgia é um fato marcante em Wish
Dessa forma, Wish consegue se beneficiar de um quesito importante: a nostalgia. Afinal, o longa traz muitos easter eggs e referências que provavelmente vão te fazer abrir um sorriso e pensar: “Nossa, isso é daquele filme que eu amo”. A nostalgia não é um elemento que vai salvar a obra, mas possivelmente vai te fazer querer rever um ou outro longa da Disney novamente.
A trama é ambientada em Rosas, um local encantador e mágico, governado pelo feiticeiro Magnífico. Ele abriga em seu castelo o desejo de todos os habitantes da vila, que entregam a ele assim que completam 18 anos, na esperança de que um dia possam ser realizados.
Disposta a se tornar a aprendiz do rei, Asha, ao ser entrevistada para a vaga, descobre que sua majestade não é tão bem-intencionado e verdadeiro quanto aparentava. Ele não tem a intenção de realizar desejos que considera “perigosos”.
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Por exemplo, o desejo do avô de Asha é poder criar algo através de sua música que inspire outras pessoas e as conecte. Magnífico tem receio de que essa inspiração possa um dia ser nociva e provocar uma rebelião, ou algo semelhante.
Em outras palavras, ele teme ser tirado do poder e prefere manter aprisionado qualquer desejo que minimamente coloque seu reinado em risco. Assim que a pessoa entrega seu desejo ao rei, ela o esquece, para que não possa buscar realizá-lo por conta própria.
Basicamente, ele tenta evitar uma luta de classes, uma revolução. E se a Disney fosse um pouco mais ousada, poderia trabalhar melhor alguns conceitos marxistas. Contudo, ela jamais se arriscaria tanto.
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Decepcionada com o rei que tanto admirava, Asha decide encontrar uma maneira de resgatar os desejos que estão no poder dele. Motivada por isso, ela faz um pedido e uma estrela (muito fofa, por sinal) vem em seu auxílio. Neste momento, não tem como não pensar na canção When You Wish Upon a Star (se ela já não estiver rolando na sua cabeça desde muito antes).
A partir dessa situação, o longa vai trazendo uma quantidade enorme de referências e easter eggs de obras anteriores da Disney. Por exemplo, instantes antes de encontrar a estrela, Asha, sua mãe e seu avô estão jantando e discutindo a respeito da índole do rei. A protagonista se desentende com o avô e, magoada, corre para fora de casa.
A cena é muito semelhante à que acontece em Mulan (1998), quando a personagem principal, após brigar com o pai durante o jantar, faz o mesmo que Asha. Mulan logo em seguida toma a decisão de lutar na guerra no lugar do pai, enquanto Asha decide que vai atrás de uma solução para conseguir devolver os desejos aos seus donos.
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Wish conta com uma série de elementos que remetem às animações clássicas da Disney, como animais falantes, um vilão narcisista com uma fachada inicialmente humana, plantas psicodélicas que falam e interagem, personagens inspirados nos sete anões de Branca de Neve e um galho com um ponto de luz que se torna a varinha mágica de Asha. A partir desses elementos, o filme segue um caminho previsível, repleto de reviravoltas familiares.
Trilha sonora de Wish
A trilha sonora de uma obra da Disney é um dos elementos que mais chamam a atenção e cativam o público. Frozen (2013) é um exemplo muito forte disso. Onze anos se passaram e, mesmo quem não tenha assistido, já ouviu por aí um certo Let it Go.
As músicas não apenas complementam a narrativa visual, mas frequentemente são responsáveis por alguns dos momentos mais memoráveis de um filme. Wish é um exemplo de que uma trilha sonora inconsistente, às vezes, pode afetar a recepção de um filme.
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Asha e o desenvolvimento de sua personagem
Um ponto relevante a ser analisado em Wish é a personalidade de Asha, que se assemelha muito às protagonistas mais recentes dos filmes da Disney.
Segundo o ensaio “Disney Adorkbable Problem”, disponível no YouTube, desde o lançamento de Enrolados (2010), as protagonistas da Disney adotaram uma personalidade peculiar e cativante.
Rapunzel, a protagonista de Enrolados, foi um sucesso e, aparentemente, a Disney decidiu reutilizar essa personalidade nas personagens femininas que vieram depois, como Anna de Frozen, Judy de Zootopia, Mirabel de Encanto, e agora, Asha.
De acordo com o portal Narrativa Feminina, todas essas personagens compartilham um humor bobo e têm dificuldade em interagir sem soltar uma piada ou serem desajeitadas.
Anna e Rapunzel têm justificativas para essas características, pois ambas foram privadas de convívio social, o que justifica seu estranhamento nas interações humanas. Mas não faz tanto sentido as outras personagens agirem da mesma forma, já que a criação delas é para ter sido diferente. Isso evidencia um problema atual na Disney: a falta de ousadia.
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Quando a Disney acerta em uma fórmula, ela tende a utilizá-la até a exaustão. O que era original se torna padrão e, eventualmente, cansativo. Isso aconteceu com os filmes da Marvel e está acontecendo com as protagonistas das animações mais recentes.
Por medo de que o público não demonstre interesse e, consequentemente, o produto não venda, a Disney hesita em criar personagens femininas mais incomuns. Assim, Asha segue o padrão das últimas protagonistas: ela é estranha, prolixa, desajeitada e sonhadora, resultando em uma sensação de repetição.
Wish é um filme fofo que aquece o coração com sua homenagem a tantos filmes amados da Disney, mas faltam elementos significativos que poderiam torná-lo memorável, como ocorreu com Encanto (2021) e Moana (2016). Embora Wish traga boas recordações, infelizmente, é uma obra que pode facilmente cair no esquecimento.