Morte é uma personagem de Sandman, série de histórias em quadrinhos criada por Neil Gaiman e publicada entre 1989 e 1996 pela Vertigo, selo da DC Comics. É a mais velha entre as irmãs, sendo mais nova apenas que Destino quando consideramos todos os Perpétuos, entidades que representam aspectos e conceitos essenciais ao equilíbrio do universo. Eles são superiores a deuses e outros seres mitológicos e possuem seus próprios reinos, poderes e responsabilidades.
Os Perpétuos já estavam aqui quando tudo foi criado e serão os últimos quando tudo deixar de existir. A própria Morte, aliás, não pode morrer e é a única responsável por encerrar a passagem de cada ser por este mundo quando chegar o momento. Os Perpétuos podem ter várias personificações, pois apesar de imortais, tal como conceitos e ideias, possuem corpos físicos que ainda podem ser destruídos e cada um tem personalidade própria, devidamente acompanhada por aparência física e características bem definidas, facilmente percebidas em qualquer lugar e tempo.
AVISO: o texto a seguir contém spoilers das edições de Sandman!
A Morte é representada por uma jovem mulher no melhor estilo gótica dos anos 80, com a pele muito pálida, cabelos pretos e um colar ou acessório com um ankh, símbolo egípcio da vida, e um detalhe muito interessante é que ela é a única dos Perpétuos que não teve sua aparência e visual concebidos por Gaiman, mas sim por Mike Dringenberg, desenhista que trabalhou em Sandman e se inspirou na figurinista e amiga Cinamon Hadley, falecida em 2018, vítima de câncer – e convenhamos, foi uma exceção mais do que certeira, pois não dá para imaginar este universo de histórias maravilhosas sem a Morte que conhecemos hoje.
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Ao contrário de seus irmãos, Morte não tem um reino propriamente dito, mas habita o universo como um todo. Ela se encontra com cada ser vivo no momento de sua morte, portanto está presente em todos os lugares e em qualquer tempo.
Por ter a missão de fechar as portas do universo quando as luzes se apagarem, apenas quando levar o irmão Destino para o outro plano é que seu trabalho terá fim, e apesar de ser um fardo tão pesado, Morte está longe de ser mórbida! Ela é a mais otimista, bem humorada e divertida entre os Perpétuo e tem leveza até para brigar com os irmãos, principalmente com Sonho, o protagonista de Sandman que vive em situações complicadas devido à impulsividade, temperamento difícil e muitas escolhas erradas.
Muito dessa forma leve de encarar a vida deve-se justamente à sua missão no mundo: com apenas um toque e ao som do bater de poderosas asas, Morte ceifa as almas que veio buscar. Ela sabe do poder que tem e de sua responsabilidade, mas para não esquecer da importância de seu destino, tem uma vida mortal a cada 100 anos.
Durante exatamente um dia, ela vive como qualquer um de nós e então, no fim, morre, também como qualquer um de nós, tudo porque ter consciência da brevidade da vida é essencial para desempenhar seu papel da melhor forma possível, como fica claro em sua primeira aparição na edição #8 de Sandman, no arco Vidas Breves.
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Ao longos das 75 edições de Sandman, Morte encontra personagens que lidam com a morte de diversas maneiras. Ela conversa com a personagem Urania Blackwell/Rainie, uma metamorfa solitária que anseia pelo suicídio; se encontra com o jovem Charles Rowland, que se recusa a ir com ela e acaba ganhando um tempo a mais neste plano, enquanto Morte resolve os problemas causados pelos mortos expulsos do inferno quando Lúcifer foi embora; ou ainda com o carismático Joshua, quando nenhum dos Perpétuos consegue convencê-lo de que ainda é possível trilhar um caminho melhor do que a morte.
E essas ocasiões mostram que nem sempre o fim é a saída, pelo menos não sem uma boa conversa, na qual Morte divaga sobre a importância de ser você mesmo, no tempo que se tem aqui, e de valorizar o que é importante de fato. Morte é apenas a mensageira que aparece no momento oportuno para cumprir a sua missão, mas deixa claro que, independente de quanto dure a sua vida e do que aconteça no meio da jornada, a temida hora chega e não há o que fazer. Então faça valer seu tempo por aqui!
Outro ponto que merece destaque e que a torna tão carismática é a relação com os irmãos e irmãs. Na edição #21 de Sandman, no arco Estação das Brumas, Morte esclarece para Sonho porque suas ações contra a ex-companheira Nada foram imaturas e terríveis, causando o sofrimento daquela que já não desejava ser sua parceira. Na edição #46, do arco Vidas Breves, Morte volta para repreender Sonho por ter dispensado Delirium sem ajudá-la, quando a única coisa que a caçula dos Perpétuos desejava era reencontrar o irmão Destruição, desaparecido há muito tempo. Esse conforto ao ensinar lições importantes, ainda que duras, é algo único e que aquece o coração em meio a tantas histórias difíceis contadas na obra de Neil Gaiman.
Morte também aparece em edições próprias, intituladas Morte, o alto preço da vida (1993) e Morte, o grande momento da vida (1997), desenhadas por Chris Bachalo. Na primeira história, Morte encontra o adolescente Sexton Furnival, um suicida que desiste da ideia quando conhece a protagonista, para ele apenas uma jovem excêntrica que filosofa sobre a vida. Este é um arco interessante, pois tudo acontece em um período de 24 horas, justamente o dia em que a Morte vive como mortal.
No segundo título, o enredo gira em torno do romance entre a cantora Foxglove e Hazel, que fez um acordo com a Morte em troca da vida de seu filho, Alvie. A história se desenrola no momento em que ela aparece para cobrar a dívida de Hazel e é, particularmente, uma narrativa muito terna sobre morte e luto, amores não correspondidos e a dificuldade que temos em entender que tudo acaba, em algum momento.
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Jill Thompson também já escreveu e desenhou a personagem no título Morte, a festa (2000), um especial em estilo mangá para comemorar os 20 anos de Sandman. É uma história baseada em Estação das Brumas, na qual Lúcifer fecha o inferno e o deixa aos cuidados de Sonho. Nesta edição, as irmãs Delirium e Desespero fazem uma festa na casa da Morte para entreter os recém expulsos do inferno.
No título Noites Sem Fim (2003), o capítulo dedicado à Morte traz uma história que se passa em Veneza, sobre um lugar esquecido pelo tempo e onde nem a própria Morte poderia entrar; e ao fim da edição #55 de Sandman, temos um mini especial intitulado Morte fala sobre vida, com uma das narrativas mais cativantes, sensíveis e didáticas sobre o HIV, na qual a Morte conversa com os leitores sobre a importância do sexo seguro, em uma das décadas mais assombradas pela AIDS.
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Morte também fez outras aparições em Livros da Magia e na revista de Lúcifer, além de ser figura presente nos universos da DC Comics/Vertigo, como outros personagens pensados por Neil Gaiman, em crossovers sempre muito bem-vindos. Morte já foi desenhada por inúmeros artistas e é, de longe, uma das personagens mais icônicas da série, não apenas por seu visual único, mas principalmente por representar uma das marcas registradas de Neil Gaiman: a arte de abordar assuntos pesados com uma ternura ímpar.
Sabemos que a morte chega sem fazer alarde, até quando se espera, trazendo a má notícia sobre a qual ninguém quer falar ou que parece não importar até estar bem na nossa frente, mas de uma forma bela, sensível e esbanjando sutileza, a nossa Morte nos faz refletir sobre como estamos encarando e vivendo nossas vidas – e não há dúvidas que sempre seremos gratas por isso!
Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.