CRÍTICA | The Handmaid’s Tale – 3ª temporada: Liars, Sacrifice e Mayday (season finale)

CRÍTICA | The Handmaid’s Tale – 3ª temporada: Liars, Sacrifice e Mayday (season finale)

The Handmaid’s Tale“, série produzida pela rede de streaming Hulu e baseada no livro homônimo, traduzido como “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood, chega, então, ao fim de sua terceira temporada. Entre altos e baixos, a série parece ter retomado o ritmo esperado, a ser melhor continuado em sua já confirmada quarta temporada. No entanto, é um tanto decepcionante que mais da metade da temporada tenha se passado de forma lenta e com episódios esquecíveis, no que parecia, assim, mais uma enrolação do que propriamente um bom desenvolvimento do enredo.

[AVISO: CONTÉM SPOILERS]

Os episódios 11 e 12 da terceira temporada de “The Handmaid’s Tale“, portanto, cumprem com esse papel de fisgar as fãs novamente, mas será que é possível fazer isso depois de tantas digressões? Afinal, não se pode ignorar o prejuízo que houve em questões de construção das personagens e do próprio ritmo. June (Elisabeth Moss) e Serena (Yvonne Strahovski) parecem ter sido as mais afetadas por essa ondulação da produção; ora eram narradas de uma forma para, no minuto seguinte, agirem em contradição com seu histórico, e por óbvio, a vida é feita de contradições.

Isto não significa, contudo, que a técnica deva ser utilizada reiteradamente para preencher espaços vazios ao longo de 13 episódios que poderiam ser melhor explorados tal como nas temporadas anteriores.

Liars: a traição de Serena em “The Handmaid’s Tale”

The Handmaid's Tale terceira temporada crítica
Serena e Fred na 3ª temporada de “The Handmaid’s Tale” (Imagem: reprodução/Hulu)

No caminho para a fronteira, Serena convence Fred (Joseph Fiennes) de que seu contato pode auxiliá-los na busca por Nichole. Fred, em sua inocência revestida de poder e privilégios, acredita cegamente na esposa, pois a subestima e, portanto, sequer duvida de que ela poderia não lhe ser fiel. Ao chegar à fronteira, contudo, o casal é emboscado e Fred é levado por seus crimes.

Serena, por ter ajudado na captura de Fred, livra-se do julgamento, mas conseguir a bebê Nichole não será tão fácil. Há burocracias e procedimentos que a afastam da filha de June e há também a culpa. Como Moira (Samira Wiley) coloca, Serena não é tão inocente quanto pretende. Foi cúmplice de Fred em muitos momentos, compactuando para um cultura de estupro. Ainda que também fosse vítima do sistema, nunca se opôs, exceto quando representava uma ameaça aos seus interesses – dentro também do que já foi discutido como uma regressão abrupta do desenvolvimento da personagem na série. 

Traidoras do gênero: mulheres que compactuam com a violência de gênero

moira e luke
Moira e Luke na 3ª temporada de “The Handmaid’s Tale” (Imagem: reprodução/Hulu)

Afinal, Serena, ao deixar Nichole partir, parece ter se conscientizado dos fatos, mas se arrependido poucos episódios depois. Entre um papel de oprimida com privilégios e agressora, qual o lugar de Serena, afinal? E pode-se falar em um verdadeira traidora do gênero quando todas são absorvidas por uma cultura de controle ou Serena seria um caso à parte, porquanto também auxiliou na instauração e manutenção de Gilead?

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Enquanto isso, seu marido descobre a traição. Ou seja, Serena é retratada como duplamente traidora, uma pária em sua espécie. Não está com as demais mulheres, mas também não apoia mais os homens. Está por si numa jornada solitária para a qual talvez não haja mais volta. Talvez não haja perdão para os atos de Serena, embora seja triste o fato de que a série redime mais um homem que cria o espaço de Gilead, desenha as colônias e aprisiona mulheres do que uma mulher que auxiliou na implementação de sua forja sem saber que construía sua própria prisão.

Um homem em sua sina de perdão

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Cena “The Handmaid’s Tale” (Imagem: reprodução/Hulu)

O Comandante Joseph Lawrence (Bradley Whitford) sabe que, após os acontecimentos de “Bear Witness, sua estabilidade em Gilead está por um triz e, por essa razão, pede à June para que parta com Eleanor (Julie Dretzin). June, no entanto, espera conseguir mais da situação; ela tenta convencer Joseph Lawrence, desse modo, de que ele pode seguir com elas, embora seja procurado por crimes de guerra. Isto porque, apesar de suas condutas, ele continua como um dos idealizadores de Gilead. Ela acredita, todavia, que, se ele resgatar crianças, terá uma chance de conseguir perdão. Por essa razão, ela pede o auxílio das marthas, de quem recebe respostas positivas.

A prática de seus planos, contudo, pode não ser tão fácil quanto ela imaginava. Afinal, ainda que bem intencionado, é um plano que coloca várias mulheres em risco e não se pode esquecer que June não se mobilizava por lutas coletivas até perder a esperança de que poderia salvar suas filhas. Sendo assim, por que as marthas deveriam confiar nela? É nesse momento que a martha Beth (Kristen Gutoskie) intervém a favor de June, levando a um consenso: as marthas que quiserem auxiliá-la nessa empreitada são livres para fazê-lo; suas vidas, contudo, estão nas mãos de June e ninguém fará mais do que deixar o caminho livre para elas. 

Os sacrifícios da revolução

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June na 3ª temporada de “The Handmaid’s Tale” (Imagem:reprodução/Hulu)

O plano, todavia, sai um pouco da linha. Lawrence parece desistir e fugir por conta própria junto a Eleanor, mas desiste ao se dar conta de que será capturado tão logo chegue na fronteira. Ele precisa de June para sair da prisão que ajudou a criar e precisará dela para se libertar dos comandantes que, agora, ameaçam a sua “liberdade”. 

Levada ao centro de Jezebel, June se depara com uma situação pela qual já passou. Seu corpo inerte e os pensamentos descorporificados enquanto é tratada como um objeto dos caprichos e da violência masculina sob as regras de Gilead, mas seu corpo se recusa, e na tentativa de proteger-se contra a iminente violação, June mata um homem – um ato em defesa própria, mas não está em liberdade para fazer esta alegação. Sob a ótica de Gilead, June é mais criminosa que todos os outros. 

Auxiliada pelas marthas, June consegue ocultar o corpo onde ninguém pensaria em procurar. Segue, enfim, com seu plano de reunir crianças para uma fuga massiva, mas para chegar ao fim que almeja, até onde June poderia chegar, uma vez que se encontra no limiar da questão ética sobre a humanidade? Uma vez que uma vida se torna apenas um corpo também para ela, poderia ela também matar mesmo seus aliados diante da ameaça aos seus planos? E, acima de tudo, por uma perspectiva utilitarista da revolução, quem vale mais nessa luta?

O que esperar do fim da terceira temporada de “The Handmaid’s Tale”

Season finale terceira temporada
Terceira temporada de “The Handmaid’s Tale” (Imagem: reprodução/Hulu)

Enfim, “The Handmaid’s Tale” caminhou para seu final de forma mais movimentada e certamente mais próxima do que era esperado. Foi suficiente? Em uma visão pessoal, a terceira temporada foi desgastante. Desperdiçou episódios quando poderia ter melhor desenvolvido a história – e nesse desperdício criou idas e vindas de desenvolvimento que também balançaram a história das personagens.

Ademais, a série quis levantar questionamentos complexos (como, por exemplo, o fato de que algumas mulheres apoiam, sim, a violência e não há resposta para o peso da responsabilização entre o seu livre arbítrio e a influência de um sistema pelo qual também são oprimidas) sem dar a devida análise. 

A season finale é boa, empolga e traz um pouco do que era visto nas primeiras temporadas. No entanto, depois de tantos episódios abaixo das expectativas, algo parece ter se rompido. Quem sabe as cenas finais consigam reconstruir esse elo.


Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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