Uma breve história em quadrinhos do feminismo no contexto euro-americano

Uma breve história em quadrinhos do feminismo no contexto euro-americano

O quadrinho “Uma breve história do feminismo no contexto euro-americano“, escrito por Antje Schrupp e ilustrado por Patu, foi lançado em março deste ano pela Editora Blucher e já pode ser considerado patrimônio histórico do movimento pela igualdade entre homens e mulheres! Com 88 páginas de muita informação e ilustrações delicadas e cômicas, o quadrinho é tudo o que qualquer feminista precisa e deve conhecer sobre o feminismo ao longo dos anos, desde os primórdios da humanidade até os dias atuais.

feminismo no contexto euro-americano
“Uma breve história do feminismo no contexto euro-americano” (Imagem: Gabriela Prado/Delirium Nerd)

Antje tem um tom muito delicado e informativo ao expor como as mulheres sempre foram tratadas com descaso e incredibilidade por homens – e até mesmo outras mulheres – durante muito tempo – permeando até hoje, infelizmente. Patu, por sua vez, cria ilustrações e expressões cômicas e muito naturais nas personagens criadas para o contexto geral da produção gráfica, que é lançada pela Blucher com capa dura, cores fortes – e que ornaram demais – e tradução de Aline Alves Kraus. 

Misoginia, utopia e machismo em “Uma breve história do feminismo no contexto euro-americano”

O epílogo é breve e contextualiza a história do movimento e a abordagem bíblica de Adão e Eva, com o fato de que a cultura patriarcal enraizada foi e ainda é um dos maiores obstáculos para o fortalecimento do feminismo; ela explica, com a passagem da bíblia sobre a criação humana, que “isso é frequentemente compreendido como se o homem tivesse sido criado primeiro e a mulher em seguida (…) no entanto, a palavra hebraica “Adam” não é um nome masculino, mas significa simplesmente “ser humano”. Adão ainda não tinha um sexo. Com a criação de Eva, portanto, não foi só a mulher que veio ao mundo, mas, muito mais que isso, a distinção entre os sexos: o ser humano de sexo neutro “Adam” tornou-se mulher e homem. A equiparação de Adão com o homem já mostra, no entanto, onde está o problema: em muitas culturas os homens são confundidos com o ser humano em si (…) enquanto as mulheres são consideradas seres de alguma forma derivados, deficitários, subordinados (…)“.

feminismo no contexto euro-americano
Trecho de “Uma breve história do feminismo no contexto euro-americano” (Imagem: Gabriela Prado/reprodução Blucher)

Antje também trata dos casos trágicos de mulheres mortas pela opressão e pelo machismo, em sua maioria por quererem ocupar lugares e cargos predominantemente ocupados por homens, como nas áreas da literatura, da política e da religião, por exemplo, que desde a Antiguidade travam a luta por mais representação e destaques femininos.

Assim como atualmente, principalmente nas redes sociais, os homens desde sempre usam a falta de um pênis pra justificar seus comentários excludentes e machistas para fomentar que, na visão deles, as mulheres não devem ou não podem fazer tal coisa. Primeiro que a gente faz o que a gente quiser, e segundo que tudo se resume a um genital, afinal?

Outro ponto que causa irritação é usar deus como justificativa para manter a predominância masculina na sociedade. 

Antje Schrupp e Patu
Imagem: Gabriela Prado/reprodução Blucher

Sobre o feminismo na Idade Moderna, é citada a homenagem feita por Cristina de Pisano (1365-1430), filósofa e escritora francesa, em seu livro “O Livro da Cidade das Mulheres” (título original “Le Livre de lá Cite des Dames“), o qual critica a forma como as mulheres eram vistas como incapazes em sua contemporaneidade e que também, além de homenagear, trata de uma sociedade utópica em que homens e mulheres têm os mesmos direitos e as mulheres são livres.

Diversas feministas são citadas ao longo da prazerosa leitura deste quadrinho, como a escritora Mary Wollstonecraft e sua filha Mary Shelley, e muitos trechos revoltam e tocam bem fundo, mas também apresentam obviedades que fazem a leitora rir sem esforço algum.

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Uma breve história do feminismo no contexto euro-americano
Trecho de “Uma breve história do feminismo no contexto euro-americano” (Imagem: Gabriela Prado/reprodução Blucher)

E como se já não bastasse todo o descrédito com o movimento, durante o Iluminismo, por exemplo, a misoginia permeou na cabeça dos homens, que se achavam “demais” para cuidarem de tarefas domésticas e dos filhos por serem tarefas “para mulheres” (note a ironia) – e é lamentável se dar conta que esse tipo de pensamento ainda é presente na nossa sociedade.

Racismo, sexualidade, trabalho e pobreza

O quadrinho também aborda a interseccionalidade do feminismo. O movimento é para todas, mas muitas mulheres no caminho não queriam que isso fosse uma verdade e, ainda mais, uma necessidade. O racismo foi e, infelizmente, ainda é presente na discussão do movimento e isso não beneficia as mulheres, muito pelo contrário: as separa. Não se pode mais perder força nessa caminhada e hoje é gratificante dizer que muitas mulheres que praticaram exclusão com outras agora entendem que não é uma competição ou nada do tipo, é muito mais do que isso, é uma aliança!

A sexualidade também é abrangente no debate sobre feminismo; liberdade sexual, de gênero e afins é essencial e é direito nosso sim, assim como de qualquer pessoa. Mulheres foram mortas e ainda são para que sejamos vista como iguais e como seres humanos, que podem e devem aproveitar essa experiência espiritual e mundana da forma que bem entender. É triste pensar que ainda há mulheres que acham que o feminismo é só “mimimi”, mas o quadrinho, por outro lado, nos faz rir disso de forma a não desistir da luta. É puro incentivo!

Já as questões trabalhistas são tratadas com muita assiduidade e reforço às injustiças salariais, mas sempre com desenhos cômicos e únicos de Patu. O feminismo também luta pelos salários iguais e compatíveis com o mercado e com condições dignas para as mulheres, que desde os primórdios foram impedidas de fazer parte do sistema social e tiveram ainda recursos diminuídos por isso.

O feminismo não existe porque as mulheres odeiam os homens (embora alguns sejam de odiar mesmo), mas sim para que eles entendam que somos capazes e devemos ser tratadas da mesma forma que eles – isso inclui diversos privilégios que homens têm, como não precisarem temer tanto pela vida ao estarem sozinhos na rua acompanhados por apenas uma pessoa. A pobreza também entra na discussão quando colocada como única e exclusivamente das mulheres brancas, quando, dentro da realidade das mulheres negras, isso não é coerente, pois pessoas brancas não passaram e jamais vão passar pelas mesmas coisas que pessoas negras.

Antje Schrupp e Patu
Trecho de “Uma breve história do feminismo no contexto euro-americano” (Imagem: Gabriela Prado/reprodução Blucher)

Uma breve história do feminismo no contexto euro-americano” também fala sobre violência doméstica, dependência patrimonial, legalização do aborto, mulheres trans e o cenário LGBTQ+ como parte importante no movimento. Além disso, a obra discute como a internet é um bem auxiliador, mas que também pode ser maléfica se usada de maneira errônea, potencializando as discussões de forma a expor que qualquer atitude que menospreze ou diminua uma mulher, simplesmente pelo fato de ela ser uma mulher, deve sim ser questionada e banida.

Não há tempo de ficar calada ou ignorar. Enquanto algumas mulheres acham frescura ou implicância, quem quer mesmo igualdade sabe que é obrigação ir contra um sistema injusto e massacrante que não liga para a vida de suas mulheres.

Por fim, o quadrinho é divertido, informativo e minimalista, tanto no design quanto no desenvolvimento textual, muito bem estruturado e colocado no contexto atual, reflexivo e muito importante pra luta diária que é ser uma mulher.


Uma breve história do feminismo no contexto euro-americano

Antje Schrupp (roteiro) e Patu (arte)

88 páginas

Editora Blucher

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Redatora e revisora de textos, apaixonada por língua portuguesa, jornalista de formação e curiosa nas artes gráficas. Escreve sobre terror, sci-fi e comédia e sempre tem uma garrafinha de água na mão. LGBTQIA+ e antifascista.
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