Pós Copa do Mundo: a revolução LGBTQ+ nos esportes é das mulheres!

Pós Copa do Mundo: a revolução LGBTQ+ nos esportes é das mulheres!

Analisando o cenário pós Copa Mundial de Futebol Feminina, existe um triunfo sem precedentes: recordes no futebol foram batidos, interações em redes sociais atingiram números nunca vistos, recordes (de audiência) foram ultrapassados e nações se mobilizaram para assistir as mulheres dominando o meio de campo. Muitos foram os tópicos debatidos além do que acontecia entre as linhas brancas: equidade salarial, condições precárias do desporto feminino em vários países e seleções repletas de talento sendo desperdiçadas pela péssima infraestrutura voltada ao esporte feminino – sendo o Brasil um belo exemplo desse último. 

Mas entre um gol e outro e discussões sobre salário e debates intensos sobre o descaso generalizado da modalidade apenas por ser estrelada por mulheres, outro tema entrou na roda. Na quietude, sem os holofotes iniciais, as atletas deram um exemplo de representatividade LGBTQ+ que jamais foi visto em nenhum grande campeonato feminino, masculino ou misto. Essa foi a Copa do arco íris, do Orgulho.

A Copa do Orgulho! 

Copa do Mundo Feminina
Ashlyn Harris, Megan Rapinoe e Ali Krieger, todas lésbicas. Harris e Krieger são noivas (Imagem: divulgação)

Arco íris, sim, pois pela primeira vez num evento esportivo mundial as cores da inclusividade dominaram a imprensa, o clima, os estádios e as atletas, e quanto mais desportistas aparecerem casualmente beijando suas namoradas ou bravamente discursando para os microfones, mais as sete cores tomam vida e forma através das delas e sua coragem torna-se a coragem de uma torcedora ou de uma colega de equipe. 

A comunidade LGBTQ+ deve olhar com orgulho imenso a naturalidade com a qual lideranças foram criadas e mais esportistas ficaram confortáveis para demonstrações de afeto durante o evento. As jogadoras, mesmo que não propositalmente, iniciaram um movimento de empatia e empoderamento, isso numa competição que muita gente não sabia da existência uma semana antes de acontecer, uma competição deixada de lado por ter mulheres como protagonistas. Aqueles que acharam que a Copa 2019 passaria despercebida, errou. Ela causou impacto em inúmeras comunidades e são mais de 40 nomes publicamente LGBTQ+ que foram sendo revelados durante o evento ou já eram ativistas antes. 

O mundo desportivo e a (des) inclusão

Copa
Cristiane Rozeira e Debinha, ambas LGBTQ+ assumidas (Imagem: divulgação)

Talvez por estarem nas sombras dos homens que muito pouco falam em prol da sociedade, talvez pelo costume da crítica, as atletas foram para a França mostrar que o mundo do futebol não existe apenas para homens cis héteros. Melhor ainda: cis héteros brancos. Sim, brancos; isso porque mesmo o homem negro sendo responsável por inúmeras conquistas futebolísticas ao longo da história ainda sofre num ambiente que deveria fazê-lo sentir seguro, que deveria fazer todos sentirem-se seguros. Futebol, afinal de contas, é sobre inclusão. 

A bola reúne o menino que fala mais alto na rua com a garota que não quer saber de nada além de jogar. A famosa “pelada” é quase um ato de comunhão para muitos, aos domingos, sextas, quintas, dias dedicados aos amigos e ao futebol. Um esporte com tanto alcance e sentimento de partilha deveria exalar segurança, inclusividade e parceria, mas não. 

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Em algum lugar no meio do caminho, ou logo no começo, decidiram que o futebol ia continuar perpetuando uma cultura midiática racista, que encobre atitudes misóginas e esbanja homofobia; foi contra tudo isso que as mulheres LGBTQ+, muitas delas brasileiras, tomaram o centro na Copa do Mundo. Se a mídia já é contra nós, do que adianta se esconder? Talvez seja essa a postura adotada. Ninguém sabe. 

Bravura, empatia e ativismo no esporte feminino

Copa
Megan Rapinoe (Imagem: divulgação)

Ninguém pode entrar na mente das atletas e saber o que se passa quando sair do armário no esporte vira uma realidade – e para aqueles que amam argumentar sobre “no futebol tem muita lésbica, todo mundo sabe”, não, você não sabe. Ninguém sabe. Quem denominou isso como verdade absoluta? Ainda mais: quem disse que é fácil? Quem acha que é fácil? Megan Rapinoe, grande destaque e nome mais procurado nessa Copa que o diga; depois dos louros, o ódio do público masculino. Fica a dúvida: tanto ódio provém dela ser mulher ou lésbica? Ou ativista? Ou mulher e lésbica? Ou mulher, lésbica e ativista

Não é fácil “sair do armário”, se assumir para o público, mas elas tentam, por nós, pela normatização de atletas LGBTQ+ não unicamente no futebol, mas em todos os outros esportes. São mulheres construindo famílias e positividade ao redor de um estigma que não deveria existir.

Os diálogos que as seleções femininas propõem ficam quilômetros na frente das discussões envolvendo o futebol masculino no quesito social e muitos diriam que isso é sinal do foco não estar onde se devia: na bola. Mas o foco dos homens no jogo é apenas possível porque existe uma estrutura secular construída para endossar seu comportamento de merecimento. Para o jogador, chegar num clube de renome é motivo de festa; para a mulher, é a porta de entrada num mundo de submissão, silêncio, revolta e muita luta caso ela decida falar contra o sistema. 

Não é apenas no futebol

Copa
Alison van Uytvanck e Greet Minnen, jogadoras de tênis (Imagem: divulgação)

E não apenas no futebol: mulheres enfrentam disparidades em várias outras modalidades que a percepção da sociedade decidiu ser “masculino demais” para ser apreciado quando mulheres jogam – uma visão bem nociva. Essa obsessão pelo que é hétero e “costumeiro” reforça o medo da comunidade queer dentro dos esportes. Como ser você mesmo num universo moldado para o que é cis e heterossexual? Por isso a importância das mulheres LGBTQ+ no esporte. Elas têm as mãos calejadas e a postura de firmeza necessária para enfrentar os desafios. Ser mulher e atleta é uma missão que requer demais da saúde mental. Todas merecem reconhecimento e suporte em suas jornadas e a torcida para que suas histórias tenham um final vitorioso.

Ser quem você é, ser verdadeiro e autêntico, te torna uma pessoa melhor. E não ter que pensar no segredo que se quer esconder te torna um esportista melhor“, de acordo com Ryan Adams, presidente da North American Gay Soccer Association, uma instituição em prol dos direitos e inclusividade LGBTQ+ nos Estados Unidos.

Quando você não precisa mais fingir para o mundo, quando você não precisa mais do teatro das conformidades, seu jogo melhora. Seu potencial é ampliado. Seu limite é infinito.

Esperamos que um dia o esportista, homem ou mulher, não tema revelar quem ama, pois o amor é incêndio e motivação. Aqueles que se auto proclamam torcedores deveriam perceber o quanto a felicidade do atleta pode interferir em sua performance. 

Conheça a comunidade LGBTQ+ da Copa!

Em homenagem às mulheres que passaram pela Copa do Mundo, encarando-a como forma de ativismo ou que tentaram fazer do ambiente esportivo um lugar melhor para suas colegas, veja uma lista com a seleção e as jogadoras LGBTQ+ publicamente assumidas. Lembrando que não apenas elas são valorosas e, provavelmente, temos mais atletas reservadas ou esperando o momento certo para se abrir com o mundo.

  • Argentina: Lorena Benítez, casada com Verónica Rivero e mãe de Ezequiel e Renata, que nasceram esse ano, em maio;
Imagem: divulgação
  • Chile: Fernanda Pinilla;
  • Inglaterra: Beth Mead, Jodie Taylor, Karen Bardsley, Rachel Daly e Lucy Staniforth;
  • Itália: Manuela Giugliano;
  • Holanda: Anouk Dekker, Vivianne Miedema, Sherida Spitse, Merel Van Dongen e Daniëlle van de Donk;
  • Nova Zelândia: Emma Kete, Hannah Wilkinson e Katie Duncan;
  • Austrália: Sam Kerr, Chloe Logarzo, Tegan Micha e Tameka Yallop;
Sam Kerr e sua namorada, Nikki Stanton (Imagem: divulgação/arquivo pessoal Nikki Stanton)
  • Canadá: Kadeisha Buchanan, Stephanie Labbé, Rebecca Quinn e Kailen Sheridan;
  • Escócia: Shannon Lynn e Nicola Docherty;
  • África do Sul: Janine van Wyk;
  • Espanha: María Pila León;
  • Suécia: Lisa Dahlkvist, Nilla Fischer, Madalena Eriksson, Caroline Seger, Hedvig Lindahl e Pia Sundhage (técnica);
  • Estados Unidos: Tierna Davidson, Adrianna Franch, Ashlyn Harris, Megan Rapinoe, Ali Krieger e Jill Ellis;
Megan Rapinoe e Sue Bird (Imagem: divulgação)
  • Brasil: Bárbara Barbosa, Cristiane Rozeira e Debinha.

    Cristiane Rozeira e Ana, advogada e namorada da jogadora (Imagem: divulgação)

Edição realizada por Gabriela Prado.

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Escrevo onde meu coração me leva. Apaixonada pelo poder das palavras, tentando conquistar meu espaço nesse mundo, uma frase de cada vez.
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