Um dos segredos para o sucesso de “Stranger Things“, da Netflix, é o apelo para a nostalgia. Nada sutil, nada indireto. O próprio conceito da série gira ao redor do saudosismo por certos períodos da televisão e cinema.
Para invocar uma boa nostalgia, temos que tocar nos sentimentos certos. Associamos sensações, emoções e memórias boas com certas imagens e “Stranger Things” conseguiu acertar em cheio essa temporada. Eles trazem a sensação nostálgica tão profundamente que dá pra sentir aquele gritinho na ponta da língua quando certas cenas estão prestes a acontecer e você as reconhece de imediato por serem referências claras e nada obscuras, sem tentar disfarçar ou tornar um easter egg; vão direto ao ponto e formam sequências excepcionais – uma em particular de tirar o fôlego, que faz referência a um dos melhores filmes de terror/sci-fi da década de 80. Um misto de “Exterminador do Futuro” (1984), “Alien” (1979), “Dia dos Mortos” (1985), “Despertar dos Mortos” (1978), “A Mosca” (1986), “Os Invasores de Corpos” (1978), “Picardias Estudantis” (1982) e mais!
De volta para Hawkins
Um dos problemas levantados pelo público por aí afora é o pano de fundo com “propaganda capitalista” que se desenrola na trama. Alguns dizem tratar-se de propaganda para levantar a moral do sistema mundo afora, mas talvez aqui seja mais uma questão de praticidade, adaptação da época ou preguiça na hora de inventar um fundo diferenciado. Afinal de contas, nesse período a era Reagan estava à toda, a Guerra Fria em seu auge e a escolha por abordar a União Soviética como inimiga fosse a saída mais fácil na hora de criar um antagonista.
Tanto que durante a temporada não abordam com profundidade as questões do capitalismo, comunismo ou dos Estados Unidos vs União Soviética. Quando é feito, são em momentos mais leves, envolvendo alguma risada. Buscaram a saída mais fácil e usaram-na como podiam. Acabou funcionando; afinal de contas, o estado de paranoia que imperou nos Estados Unidos naquele período foi real.
Ninguém sabe até agora o motivo da URSS querer trazer o Mundo Invertido para o nosso, mas eles não eram o vilão principal. Seus rostos mal aparecem e seus personagens mal possuem nomes. O inimigo continua sendo o desconhecido e os monstros: o Mind Flayer (Devorador de Mentes) é assustador. A terceira temporada tem uma pegada de terror mais direta que as temporadas anteriores; vemos sangue, gritos e morte com maior frequência.
Mas isso é bom. Ajuda. A retidão com a qual construíram a história e fazem os personagens girar ao redor dela é bem precisa. Não temos que assistir um ou outro fugindo numa subtrama – o que acabou, sim, prejudicando o tempo de tela de alguns. Mas quanto ao plot em geral? Foi muito beneficente. Assistimos a uma história amarrada, com começo, meio e fim e clima de despedida. Ainda que o fim leve a mais perguntas, essas são colocadas para nos amarrar até a quarta temporada.
Um dos elementos narrativos usados mais interessante em “Stranger Things” foi o de separar o da desfragmentação. Todos os grupos usuais foram desfeitos e refeitos em pequenos grupos desde o princípio da temporada, baseados na resposta que obtiveram à química de alguns personagens pareados de forma inusitada no ano anterior. Outras novas e já conhecidas faces foram introduzidas na história e adicionaram um novo sentimento de apego e amor pela série que muitos diziam ter se desgastado após o final da segunda; então, fica o aviso para quem não está lá tão animado para assistir: pode ir. Dê uma chance. “Stranger Things” realmente tentou algo novo, que funcionou. Misturam ação com uma narrativa concisa, Eleven está mais poderosa do que nunca, os novos rostos são extremamente carismáticos e finalmente as mulheres estão no centro da série.
Então, a partir de agora teremos SPOILERS e vamos dividir nossa análise ao redor das verdadeiras protagonistas desta temporada: o elenco feminino (e Steve. E Dustin. Mas vamos chegar lá).
Eleven conhece o mundo e o mundo conhece seu poder
Se você acompanha Millie Bobby Brown fora da série, verá muito rapidamente o quanto ela diverge de sua personagem. A atriz outrora mirim, agora jovem adolescente, é extremamente talentosa. Grande parte do apego que temos por El se deve ao trabalho dela em criar alguém que consegue transmitir fragilidade e extremo poder ao mesmo tempo. Ela flutua entre a vulnerabilidade de não conhecer o mundo ao seu redor e balbuciar frases timidamente, com abrir a palma da mão, franzir as sobrancelhas em seriedade e provocar estragos avassaladores, convencendo nos dois papéis.
O crescimento da personagem foi gradual. Desde o começo a vemos ser escondida, elemento de guerra, fugitiva e separada do grupo e finalmente encontrar uma família em Hopper. Agora, na terceira temporada, Eleven encontra seu lugar em Hawkins. Acontece que a princípio seu lar acaba virando um cativeiro, vendo-se entre dois homens: sua figura paterna e o namorado. Ambos têm boas intenções em mente, mas se esquecem por completo das necessidades de quem realmente importa: as dela.
Da menina que não conhece o mundo, não tem roupas próprias, não sai com os amigos e passa o tempo inteiro trancada no quarto porque Mike acha apropriado ter Eleven só para si, alguns podem apontar isso como comportamento adolescente normal, mas a simpatia por Mike só vai até certo ponto, e no momento onde ele começa a cochichar no ouvido dela quando Hooper tenta ter um diálogo sério e a incentiva a agir daquele jeito como reflexo, visto que não tem outros exemplos comportamentais, ele passa dos limites no começo da temporada. Mike também quebra muito da simpatia por ele ao usar contra Will sua suposta orientação sexual para afetá-lo. Muito se especula que Will se descubra gay ou ace e duas cenas em especial trazem isso à tona: onde ele responde para sua mãe que jamais vai se apaixonar (por garotas) e onde Mike diz que não é sua própria culpa se Will não gosta (de namorar ou namorar meninas).
Voltando para Eleven, os limites são quebrados para que ela possa sair dessa bolha e encontrar em Max uma âncora para o mundo, uma amizade verdadeira que a apresente uma infinitude de coisas que nem Mike ou Hopper tinham propriedade ou estímulo para ensiná-la. Esse laço gera em Eleven algo que a audiência esperava há muito tempo: a construção de sua autoconfiança. Max confia nela; logo, Eleven começa a usar seus poderes e ter mais noção do seu alcance. Ao final da temporada de “Stranger Things“, o mesmo se esgota após a batalha final, mas pode-se dizer que foi a escolha dela. Lutar pelos que ama. Eleven finalmente não era instrumento, mas agente. Ela decidiu lutar por quem considera agora como sua família, seu lar. Há uma subtrama de Mike confessando seu amor, preocupado com seus limites, mas a própria Eleven pede que ele confie nela: e ele finalmente o faz.
E até isso acontecer, o público se deleita. As sequências dela usando seus poderes são incríveis. Ela enfrenta Billy e o Mind Flayer diversas vezes e, mesmo quando debilitada, não perde sua vontade de lutar. Há uma cena não usualmente gore para o público, quando ela arranca um pedaço do ser maligno de si mesma, demonstrando toda sua fibra a todo momento. Eleven tem uma história fantástica nessa temporada: aprende sobre o mundo, sobre amor, sobre si mesma, sobre sua força, seus limites… e sobre perda. Millie Bobby Brown ficou à altura emocional que a cena da despedida ao fim do último episódio pedia e agora tem uma nova família nos braços de Joyce, Will e Jonathan.
Max e Erica, independentes feministas em construção
Sadie Sink chegou na segunda temporada levantando a sobrancelha de alguns fãs e as suspeitas de outros: seria uma vilã ao final, seria uma substituta de Eleven? O que aconteceria com Max Mayfield? E bom, ninguém esperava por isso, mas aconteceu: Max é a personagem jovem mais sensata do grupo e aglomera muitos fãs. Ela tem a melhor visão de mundo, não apenas exercendo lealdade, como empatia e perdão em constância, e mesmo namorando Lucas, você jamais verá esse casal deixando seus amigos de lado por conta do romance. Em instante algum. Eles vão com Dustin quando ele requisita. Ela está lá o tempo todo para Eleven. Lucas está lá o tempo todo para Mike.
Max nos presenteia ainda com a dupla que todos esperavam ver como iriam retratar: ela e Eleven após um frustrante e ofensivo cenário na temporada passada. Ainda que não tenham feito Mike se retratar com Max, talvez ele o tenha feito durante o um ano na passagem de tempo. Max vive num ambiente tóxico e ainda assim consegue ser um ponto de luz e sensatez na cidade de Hawkins. É ela quem resgata Eleven de um ambiente completamente masculino e possessivo, onde Hooper e Mike controlavam todos os horários e gostos da menina, e a apresenta ao mundo lá fora e suas cores.
Todas as cenas entre as duas traz um sorriso aos seus lábios, um sorriso que nem sabia estar ali. Max é bem à frente do seu tempo, defende os direitos femininos e seus argumentos com paixão. Ela não hesita um segundo ao confiar em Eleven, em seus poderes, na sua capacidade e instinto para decidir do que gosta e encontrar seu verdadeiro eu. A amizade continua durante a temporada inteira – as duas se tornam inseparáveis, não sendo algo apenas temporário. Em toda sequência, mesmo que de ação, você verá Max parada ao lado de Eleven. Verá Max cuidando de Eleven quando ela se machuca.
Verá Max confiando em Eleven e nos meninos contra seu irmão Billy. Verá Max carregando Eleven junto com Mike quando ela não consegue correr após levar uma mordida quase fatal. Todo esse clima de cumplicidade e amizade feminina era um elemento que fazia muita falta em “Stranger Things”. Uma amizade genuína, onde ambas se completam, ajudam o crescimento da outra e confiam em suas decisões. A última vez que tivemos uma amizade feminina na série foi Nancy e Barb e não provocava o mesmo apelo desta, pois faltava confiança de Barb em Nancy, o que acabou anulando a outra por conta de uma história envolvendo romance, coisa que foi totalmente oposta aqui. Max foi a âncora de Eleven para um mundo sem Mike e, ao mesmo tempo, apoiou o amor dos dois quando eles voltaram.
Max consegue até mesmo exercitar sua humanidade com o irmão adotivo extremamente tóxico, ficando visivelmente tocada ao ir descobrindo a origem dos problemas dele. Numa bonita cena, ela tenta apelar para o lado sensível dele e resgatar a mente de Billy, capturada pelo Mind Flayer, mas não consegue. Afinal de contas, ela entrou na vida dele quando ele já estava muito fechado pelo abuso do pai. Provavelmente não havia uma conexão, até que Eleven cria essa ponte ao lembrá-lo da mãe, numa cena muito bonita, onde Millie e Dacre Montgomery fazem um excelente trabalho.
Mayfield tem um coração de ouro e energia radiante. Ela resgata Eleven de um universo fechado, de onde talvez não houvesse volta caso ninguém interferisse. Uma jovem feminista em aprendizado, ainda que não haja o uso de nomes e definições durante a série, e apesar de ser criada num ambiente hostil, seu relacionamento com os amigos passa longe disso e seu romance é provavelmente o mais saudável da série até agora.
Lucas e Max já vêm por duas temporadas demonstrando respeito, amizade e lealdade um pelo outro sem excluir quem amam de suas vidas. Quem já passou pela adolescência sabe o quão grande é esse feito. Lucas, aliás, continua sendo adorável. Faltou mais tempo individual de tela para ele, mas a opção narrativa de contar uma história reta acabou afetando alguns rostos: Lucas, Will e Jonathan estão ali à disposição das pessoas ao seu redor. No caso de Lucas e Will, isso precisa ser remediado.
Falando em Lucas, quem roubou a cena foi sua irmãzinha!
“You can’t spell America without Erica” (Você não pode soletrar America sem Erica) é uma frase que vai ficar na cabeça dos fãs por muito, muito tempo. Quem quer que teve a ideia de colocá-la no grupo ao lado de Steve, Dustin e Robin merece um prêmio. Dar um papel de verdade e introduzir elementos para ela foi outro dos pontos alto dessa temporada. Priah Ferguson é de um carisma absoluto e toda vez que está em cena consegue roubar a atenção. Quando está com Dustin, então? Uma dupla que não prevíamos, mas funcionou de maneira orgânica e muito interessante.
Erica foi parte vital para que o quarteto conseguisse invadir a fortaleza russa e ainda provou ser uma nerd! Uma jovem negra, confiante, gênio da matemática, incrível em negociações e na sua curiosidade por política aos 10 anos de idade, a personagem agradou tanto que muito provavelmente continuará na quarta temporada. Bom, não sabemos de nada ainda, mas ficamos na torcida para ver seu rosto continuando a crescer em Hawkins!
O legado de Erica é um dos mais importantes. Visto o alcance gigantesco de “Stranger Things“, é muito importante que a série finalmente tenha uma menina negra em papel de destaque com um cérebro afiado e num grupo com outros personagens amados. Toda atmosfera ao seu redor a promove e a personagem ainda se destaca sozinha. Quantas meninas vão querer ser Erica ou ter ela como exemplo agora? São mudanças positivas como essa que fazem dessa season uma boa concorrente com a primeira.
Representatividade em Hawkins: Robin, que bom te conhecer
Você pode ter visto seu rosto pela primeira vez e pensado na familiaridade dele: culpa de seus pais. Maya Hawke é filha de Ethan Hawke e Uma Thurman e cresceu num ambiente voltado para a atuação, tendo se dedicado a isto desde criancinha. O investimento compensou e agora em “Stranger Things” conseguiu o papel de sua carreira. Robin é um dos nomes mais repetidos após o final da terceira temporada e seu carisma e personalidade marcantes foram elementos que contribuíram bastante para o sucesso da temporada como um todo, visto que o quarteto do qual faz parte foi do agrado geral e ela é o elemento novo que agrega em todos os departamentos.
Robin é inteligente, brilhante, sarcástica e um contraponto perfeito para Steve. Os dois possuem uma química harmoniosa e bastante óbvia. A história é conduzida para nos fazer pensar que estamos diante do mais novo casal lutando contra o Mundo Invertido – e funciona. Gostamos deles. Funcionam. Mas a série foge do óbvio e, para a nossa felicidade, toma um rumo que não tivemos até agora: Robin, após Steve confessar suposta reciprocidade de sentimentos, confessa que não estava falando dele quando contou sua história de amor, mas da garota. Robin é LGBTQ+.
O seriado não usou palavra alguma, deixando indefinido se ela é bissexual ou lésbica, uma falha constante na indústria: o medo de clarear os cenários. Talvez a própria Robin não saiba e seja trabalhado na próxima temporada ou ela é de fato lésbica. Há também o cenário bissexual e não corresponde aos sentimentos específicos de Steve. Representatividade importa – e falar a palavra também.
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Paralelo com a história de Robin, presenciamos dois personagens que, quando se pensa que atingiram o auge, vão lá e roubam a atenção novamente: Dustin e Steve. Um par inesperado e cuja interação e amizade são de uma beleza cristalina. Aliás, essa temporada alinha Robin, Steve e Dustin numa aventura para decifrar um código e invadir uma base russa. Durante o desenrolar, fica bem claro que o talento de Joe Keery é essencial para fazer funcionar qualquer grupo onde é colocado.
Desde a temporada passada ele abraçou o papel de guardião das crianças e continua próximo delas, protetor, lhes fornecendo sorvete grátis e passagem livre para o cinema. A reação de Steve para o momento onde Robin revela gostar de garotas é de uma suavidade bonita, de um alívio que faz o espectador LGBTQ+ respirar mais leve ao perceber que a série não vai tomar a rota da rejeição como é tão comum em cenários de época, além de ser uma evolução completa do personagem que zombava dos outros na primeira temporada.
E Robin, apesar de brincar sobre a amizade dele com crianças desde o começo da temporada, depois cria uma aliança e laço com eles da mesma maneira. Ela, Dustin e Erica funcionam muito bem. É um quarteto orgânico, que poderia ser chamado de quinteto, ao pensarmos em Suzie, a namorada de Dustin, que nos prestigia com uma cena musical num momento inesperado, uma cena inspirada de Gaten que quebra a tensão sem frustrar nada, pois o investimento nos personagens é tão imediato que você se vê respondendo ao namoro do nerd e da menina mais inteligente do mundo.
Nancy Drew. Nancy sanguinária. Nancy, enfim, independente
Notório um padrão até aqui de que os produtores de “Stranger Things” depositam em Natalia Dyer a confiança para fazer enredos mais sérios. Porém, uma das maiores frustrações em relação à personagem envolvia uma certa cegueira diante do comportamento de Jonathan Byers, seu namorado, e é com bastante felicidade que afirmamos uma melhora bem considerável nesse padrão na temporada que se apresenta e o sucesso de Natalia ao reproduzir o que seria a sua história mais sombria até agora.
Deixando o colégio para trás, Nancy agora busca a carreira de jornalista, sua verdadeira vocação. A série decide abordar a questão do machismo no trabalho e o faz com determinado acerto. Ela e Jonathan conseguem um emprego como estagiários no The Hawkins Post, onde ela em teoria trabalha como repórter e ele como fotógrafo. Em teoria, pois seu cargo acaba sendo o de servir café e comida para todos os funcionários do jornal e ser constantemente humilhada sempre que tenta dar uma opinião diferente daquelas dadas pelos homens do local, que ficam chamando-a de Nancy Drew o tempo inteiro numa referência à clássica detetive dos livros.
Mais uma vez, a série não a faz confrontar Jonathan logo de cara ou dizer com todas as palavras que o problema é ser humilhada por ser mulher. Ficam num constante entrave de “você não sabe como é”, ele referindo-se a ter origens humildes e não poder perder o emprego e ela a ser vítima da estrutura machista que a impede de exercer qualquer função que não a de dona de casa. Ela não vê problema algum com esse exercício, como deixa claro numa belíssima cena dividida com a mãe, onde deixa claro que herdou sua força dela, mesmo quando a própria mãe não acredita ser forte por ter cedido às pressões sociais.
O seriado dá oportunidade para Natalia brilhar e mostrar um lado mais revigorante da personagem. Ela arregaça as mangas e vai contra tudo e todos em busca da sua matéria, que se entrelaça ao plot principal, mesmo sem ajuda de Jonathan. Invade casas, troca identidade para entrar em hospitais, faz toda uma investigação muito bem sucedida que a leva de cara com o perigo e nos entrega uma das melhores sequências já feitas na série inteira: horror, ação e alien no hospital de Hawkins. É tudo justaposto com as crianças, lideradas por Eleven, também indo ao hospital e Jonathan tentando salvá-la; e Nancy tem que se virar sozinha contra o monstro principal e zombies. É brilhante, principalmente cada segundo antecipando a reprodução do momento clássico de “Alien”.
Não suficiente, a série ainda leva Nancy para outro nível quando ela lidera mais cenas de ação, sendo a responsável pelos melhores tiros disparados contra Billy e fica até o final na batalha de Starcourt. Sua despedida de Jonathan também mostra uma vulnerabilidade que Dyers navega muito bem, concluindo sua melhor temporada até agora na série.
Joyce: sua genialidade, abandono e ciclo de luto
Winona Ryder foi um dos principais chamativos na primeira temporada da série. Todos queriam assistir seu retorno para as plataformas mainstream e sua personagem funcionou. Muito bem, aliás. É plausível dizer que Joyce é o coração da série. Um coração de mãe, um pouco excêntrico e entristecido pela vida, mas plena em amor para distribuir para todos que precisam de sua ajuda. Ela é a base de todas as crianças: quem se preocupa o tempo inteiro mas não invade o espaço deles, que lutou sozinha para sustentar seus dois filhos e que temia aproximar-se de outro homem – quando o fez, ele faleceu lá na segunda temporada.
Agora, na terceira, deixaram Winona brilhar novamente. Pela primeira vez, a separaram por completo do núcleo mais jovem e colocaram-na com seu próprio grupo de adultos com bastante apelo. Joyce, Hopper, um engenheiro russo chamado Alexei e o tradutor paranoico Murray formam outro quarteto muito bem acertado que tenta explodir a fenda entre os mundos enquanto são perseguidos por ele mesmo… O Exterminador do Futuro. E funciona!
Novamente, a clareza e trabalho bem executado nas referências torna tudo melhor e aqui diverte ainda mais, pois Winona e David Harbour provaram ter química desde o começo da série, criando uma torcida para que seus personagens ficassem juntos. A torcida chegou esperançosa até essa temporada, onde Jim Hopper finalmente compreende seus sentimentos e tenta levar Joyce para um encontro, falhando todas as vezes. Isto porque a série dá espaço para o luto e reserva de Byers, que parece justificadamente temerosa em abrir-se ao mundo de novo. Pouco a pouco, suas barreiras vão caindo e, durante o percurso, ela entende corresponder aos sentimentos dele. Mas parece ser um pouco tarde.
Com ele se vai Jim Hopper, o único homem adulto com arco permanente e que conquistou toda uma audiência, mas será que ele se foi de verdade?
Clima de despedida e dúvidas levantadas
Nas cenas pós-créditos, vemos que é possível o retorno de Hopper, que ele seja o “americano” citado pelos russos. Para muita gente, a perda dele foi desnecessária, não caímos na trope de mulher sendo morta pela redenção do homem, mas a história poderia ter escolhido não machucar Joyce e Eleven novamente e Hopper tinha demonstrado uma evolução emocional considerável depois de compartilhar tanto tempo com Joyce.
Presenciar um antro saudável para o crescimento de Eleven seria um cenário bonito e ideal, mas estamos em “Stranger Things” e nem tudo é bonito ou ideal. Harbour construiu um papel de pai desajeitado, que passou por períodos de ser protetor demais, de beber demais ou ser bruto demais, mas Hopper sempre estava lá, do lado do bem, sendo um defensor incansável de Hawkins e Eleven, um pai presente para ele; um homem que queria se abrir para o amor de novo e cujo problema com o álcool e vácuo nos corações de Joyce e Eleven vão sempre deixar a dúvida se ele foi realmente morto ou não, pois lugar para voltar ele tem.
Assim como o arco de Billy, onde finalmente compreendemos a natureza do seu comportamento, mas os atos de violência que ele comete enquanto possuído não nos deixam muito tempo para lamentar seu personagem, nem muitas razões, visto que seu ato de redenção é simbolizado pelo sacrifício final; quando sua morte acontece, porém, há um impacto emocional que não seria imaginado na temporada anterior. Créditos ao ator, Millie Bobby e os roteiristas por conseguirem exercitá-lo muito bem tanto quanto vilão como quanto vítima de um abuso profundo, com cicatrizes irreversíveis, e atos dos quais ele não pode se redimir, pois sua consciência vem apenas ao ser gatilhado por Eleven, a quem conhece horas antes de sua morte.
Uma morte nobre, onde o ator foi excelente – mas vale o elogio por sua performance como um dos vilões, sendo bem convincente e bem fácil de se odiar, o que é, nesses casos, um elogio ao ator. Porém, o percurso de Billy e possível exploração do trauma foi interrompido por sua possessão e sua jornada foi encerrada.
Finalizado também foi o ciclo dos Byers em Hawkins, que acabam se despedindo da cidade para tentar a vida noutro lugar. Como isso afetará a quarta temporada vamos ter de esperar e descobrir, mas, por enquanto, é reconfortante saber que “Stranger Things” investiu nas mulheres ao centro, representatividade LGBTQ+ e numa postura mais firme delas através de Max, Nancy, Erica e Robin. Apesar do velho clichê “vilões russos”, o foco acaba sendo contar uma história que mistura elementos de terror, romance, amizade, ação e, sobretudo, humanidade.
E vamos lá, esperar pelo que parece ser o começo do fim (e, claro, pelo Demogorgon)!
Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.