Killing Eve: segunda temporada abandona máscaras e narra o conto de Eve e Villanelle

Killing Eve: segunda temporada abandona máscaras e narra o conto de Eve e Villanelle

Killing Eve“, da BBC, sempre foi sobre o relacionamento entre duas mulheres em posições antagônicas, cuja atração incontrolável consegue enevoar qualquer racionalidade diante de seus olhos. Eve (Sandra Oh) e Villanelle (Jodie Comer) eram opostos que buscavam uma pela outra por motivos subjetivos. Nada era dito em voz alta, nenhuma palavra saindo de seus lábios no temor de que verbalizar seus pensamentos os tornassem realidade – uma realidade da qual não se pode fugir. Nessa temporada, palavras são ditas, atitudes são tomadas e a atração outrora indefinida ganha contornos e formas reais. 

Killing Eve sem mais disfarces

Nenhuma delas consegue mais fugir da obsessão ou enganar a si mesma em “Killing Eve“. O seriado é dividido num emaranhado de teias que vai se degringolando até não sobrar nada além do inevitável encontro fatal entre a detetive e sua assassina predileta. Eve tem seu mundo completamente transformado e tal metamorfose tem morada não apenas em sua mente, mas instintos, coração e aplicações reais práticas em forma de consequências para suas escolhas finalmente chegando nessa temporada, e mesmo com todo esse preço a ser pago, cada segundo dos seus dias é dedicado a pensar em Villanelle: prender Villanelle, fugir de Villanelle, encontrar Villanelle, seguir seu rastro e reencontrá-la. 

Eve (Sandra Oh) e Villanelle (Jodie Comer)
Eve (Sandra Oh) e Villanelle (Jodie Comer) na 2ª temporada de “Killing Eve” (Imagem: reprodução/BBC)

Eve sente extrema falta de ser notada, mas não por qualquer um: tem de ser Oksana. O olhar sem emoção da russa encontra um brilho fugaz cuja duração depende somente da fração de tempo que Polastri está sob escrutínio das suas íris. A narrativa de Phoebe Waller-Bridge nos traz duas mulheres brilhantes, uma diante da outra, cada uma segurando na ponta de uma navalha muito afiada: Villanelle segura o lado lâmina com firmeza e o torpor dos assassinatos cometidos faz com que nem sinta o sangue manchando seus dedos; do outro lado temos Eve, que segura o cabo, a base segura, e tenta, sem muito ânimo, cravar a lâmina em sua inimiga e dar um ponto final à saga que iniciaram há certo tempo. Mas o que acontece quando ambas soltam essa arma entre elas? O que existe quando nada mais pode impedir seu encontro? A soma dos fatores nos presenteia com: a segunda temporada. 

Ode à beleza e escrita

Killing Eve” continua sua saudação à beleza, mas não aquela física e sim aos visuais deslumbrantes que continuam pincelando cada cena do seriado. É fascinante observar os cenários e ver como cada um deles é escolhido em conformidade com o sentimento transmitido na cena. Nada disso foi abandonado na segunda temporada e os visuais de Villanelle continuam uma atração, agora ainda mais deliberada, tendo até momentos onde ela demonstra completo desgosto com certas peças de roupa que considera reprováveis ou quando não tem dinheiro o suficiente para manter seus caprichos.

Killing Eve
Cena da 2ª temporada de “Killing Eve” (Imagem: reprodução/BBC)

Todos esses detalhes compõem a personalidade da assassina e os cenários a poesia da série. Phoebe Waller-Bridge continua, também, priorizando por completo as personagens femininas em seu seriado. Fiona Shaw ganha muito mais espaço e Villanelle agora é tão protagonista em tempo de tela quanto Eve, ganhando novos tons criativos para a execução de suas mortes. No curto espaço de tempo dos episódios e contagem deles, não há enrolação, mas sim uma história amarrada, bem contada e de escrita sensacional. “Killing Eve” é capaz de te devorar por inteiro caso você permita que um episódio vá rodando após o outro.

Novos começos e finais em aberto em Killing Eve

Recomeçamos a saga de Villanelle após o episódios entre ela e Eve, mas o que muitos interpretaram como um ponto final no relacionamento obsessivo apenas reforçou toda fascinação da russa. A lógica “vilanesca” da assassina compreendeu o gesto como… uma declaração de amor. Isso mesmo. Ao perfurar o estômago da rival, Eve criou todo um novo simbolismo para o sentimento escrito em letras pequenas nas entrelinhas e, em partes, de fato, foi uma declaração, exceto que amor talvez não seja a palavra mais apropriada. Foi uma firmação do envolvimento, do pacto obsessivo, do vício mútuo e da paixão desprovida de qualquer conotação saudável. 

Polastri deu um passo adiante na grande marca vermelha moldando perigo em sua frente. O ato também desenrola-se numa paranoia extrema de Eve, cujo estado mental estremecido serve de fio condutor durante toda temporada, interpretado de forma maestral por Sandra Oh, que continua bastante inspirada no papel de sua vida, desde o olhar distraído, focando no vácuo, ao descaso com a própria imagem e a fala subindo algumas oitavas ao se exaltar perante a mínima probabilidade de Villanelle estar em seu rastro, que vai na contramão do excitamento em perseguir a mulher a qual abandonou sozinha sem cuidados em Paris. 

Villanelle (Jodie Comer)
Villanelle (Jodie Comer) em “Killing Eve” (Imagem: reprodução/BBC)

Ao retornar para casa, ela tenta recuperar algum tipo de normalidade, retomando a rotina com seu marido, Mas algo está fora do lugar; Eve não está mais feliz, seu marido não a satisfaz e a detetive parece que entrou por acidente num lugar que não é seu. Ela tenta, a princípio, recuperar a conexão perdida, mas não consegue, e isso leva a um eventual potencial amoroso dele dentro do ambiente de trabalho, que Eve tem conhecimento e ciúmes, mas abandona por completo em favor de continuar sua sina com Villanelle e progredir na própria carreira. Seu status de demitida foi revogado rapidamente no começo da temporada pela personagem de Fiona Shaw e em poucos segundos ela está afundando na espiral da caçada de novo. Dessa vez, a assassina chama-se “The Ghost” e é a completa antítese de Villanelle: discreta, simples e direta. 

“The Ghost” é responsável por uma sucessão de mortes envolvendo um magnata recluso, cujos únicos herdeiros vivos são seu filho e filha, ambos atordoados por seus próprios fantasmas. Na contramão, após sua recuperação e fuga, temos Villanelle, presa com um novo “tutor” enviado pelos Doze, um homem sádico que tem prazer em vê-la em situações humilhantes.

Novos rostos e arranjos para uma nova perseguição

Carolyn apresenta Eve ao seu novo time, desfeito da primeira para a segunda temporada, sendo Kenny o único remanescente. Somos apresentadas a Jess (Nina Sosanya) e Hugo (Edward Bluemel). Jess é uma excelente adição, uma mulher da idade de Eve, grávida, com bastante racionalidade e carisma. 

Hugo, por outro lado, apesar de acrescentar uma dinâmica diferenciada, acaba sendo bem previsível: o rapaz arrogante, rico, mais novo e que observa os desejos de sua chefe e acaba desenvolvendo um desejo sexual por ela. Bom, ao menos não há tentativa alguma de romance – afinal de contas, a grande história em “Killing Eve” é sobre um desamor psicótico e nada sobre construções românticas. 

Eve (Sandra Oh)
Eve (Sandra Oh) na 2ª temporada de “Killing Eve” (Imagem: reprodução/BBC)

A dinâmica dessa segunda temporada de “Killing Eve” nos permitiu ver os personagens em diversos agrupamentos: primeiro nós vemos Eve e Villanelle indo de encontro uma à outra, enquanto Konstantin está sob a proteção de Carolyn pela segurança da sua família. Quando Eve e Villanelle finalmente se encontram, o desencontro logo ocorre e Konstantin foge da guarda de Carolyn com a ajuda de Eve. Konstantin (Kim Bodnia) e Villanelle, então, começam uma vida de freelancers no mundo dos assassinatos. 

Enquanto isso, Eve é deixada para trás, com o objetivo de investigar o filho de um dos assassinados da Fantasma. Um tecnólogo magnata esnobe, neurótico e extremamente arrogante. Ele provoca o oposto de Villanelle: não há simpatia alguma por Aaron pois ele despreza tudo e todos e mantém sua irmã mais numa coleira – e é aí que entra Villanelle.

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Contudo, Eve tem a ideia mirabolante de contratar os serviços de Villanelle e Konstantin para aproximar-se da herdeira jovem através de um grupo de viciados. Todo o plano é conduzido com Eve e Villanelle trabalhando juntas e ainda mais viciadas na companhia uma da outra. A força magnética que as conecta é complicada, suja de sangue e condenada desde o princípio. Ao contrário da primeira temporada, onde evitavam usar termos entre as duas, dessa vez os terceiros costumam se referir à Villanelle diante de Eve como sua “namorada” e Eve não refuta. Não por serem namoradas, mas porque a negativa ia levar a questionamentos que ela não estaria pronta para responder. Ela eventualmente o faz, para Hugo, confessando o quanto ama ser observada, desejada e saber que provoca todas aquelas reações. 

2ª temporada de Killing Eve
Cena da 2ª temporada de “Killing Eve” (Imagem: reprodução/BBC)

Os sentimentos de Eve ficam cada vez mais explícitos, sendo culminando nos episódios finais, quando ambas vão para a Itália: Villanelle assume um disfarce para vigiar Aaron Peel (Henry Lloyd-Hughes) enquanto Eve permanece na escuta o tempo inteiro. Somos levadas à conexão entre elas, que vai além da presença física, e testemunhamos o genuíno receio de Eve quando Aaron propõe que Villanelle abandone Eve e trabalhe para ele. O bilionário promete para Oksana tudo que o dinheiro pode oferecer. Oferece proteção, liberdade… e ela troca tudo isso por Eve. Sem hesitar. 

Desconstruindo Eve

Durante a segunda temporada de “Killing Eve“, vamos presenciando a completa alienação de Eve. Ela se afasta de tudo que anteriormente edificava sua vida e começa a associar novos elementos à sua personalidade e aos seus desejos. Ela vê o abismo ao final da temporada passada e, em vez de dar as costas para sempre, descobre que está muito mais conectada do que imaginou. Desobedece regras, assusta e afasta Kenny, age pelas costas de Carolyn e dorme com Hugo enquanto tem um ponto de escuta que a conecta com Villanelle, saciando, assim, parte do seu desejo por ela. Ela captura a nova assassina e logo arranja um jeito de conectar à Villanelle. Tudo é sobre Villanelle.

2ª temporada
Cena da 2ª temporada de “Killing Eve” (Imagem: reprodução/BBC)

Eve anda em contradições e medos, pois ao mesmo tempo que provoca qualquer tipo de situação que a leve até Villanelle, não sabe o que fazer. Apesar dos ciúmes, do “sexo a três” entre ela, Hugo e Oksana na escuta e da corrupção dos próprios princípios, existe ainda um resquício de sanidade em sua mente que a mantém apenas um passo distante da assassina de aluguel, mas esse pequeno passo encurta quando ela ultrapassa o limite da própria consciência ao matar o assassino enviado para “finalizar o contrato” de Villanelle. Sob o pedido de ajuda daquela que é seu par, ela tem de enfiar um machado nele repetidas vezes para finalmente obter resultado – e entrar em choque. Esse estado de completo desarranjo emocional lhe acompanha enquanto foge com Villanelle, no que parecia o relativo “final feliz” da dupla. 

Perguntas e mais perguntas

No entanto, tal final é cortado quando Eve descobre de forma bem agridoce que Villanelle tinha uma arma consigo o tempo inteiro. Ela poderia ter atirado. Ela poderia ter poupado Eve de cruzar a linha. Ela poderia ter mantido certo grau de inocência naquela que, nesse momento, diz amar, mas Villanelle é uma psicopata e Killing Eve não se esquece disso em seus momentos finais. Oksana manipulou Polastri, levando-a para uma situação amoral que ela não precisaria carregar em seus ombros, tudo isso tentando a tornar uma igual. 

Killing Eve
Cena da 2ª temporada de “Killing Eve” (Imagem: reprodução/BBC)

E essa igualdade faz Eve colocar um ponto final no relacionamento indefinido, provocando o que talvez possa ser considerado dor em Villanelle – ou frustração, desapontamento. Impossível penetrar a mente dela, sendo essa uma das belezas do seriado: você não sabe o que ela vai fazer e é exatamente por isso que o tiro desferido em Eve arranca um som dos lábios e certa surpresa pela frieza com a qual Villanelle dá as costas para o corpo caído ao ar livre italiano. Assim, “Killing Eve” faz um ciclo completo: um gesto “de amor” para um gesto de adeus. A terceira temporada, talvez, devesse ser a última: explorando os Doze e colocando um ponto final na história de Eve e Villanelle. Porque Killing Eve é sobre isso, sobre elas. Em seu cerne, lá estão as duas: em seu ódio, amor, decepção, medo e excitamento. 

O que esperar da próxima temporada de Killing Eve?

Killing Eve não responde todos os nossos questionamentos, apesar de clarificar certos cenários: fica óbvio que Carolyn não tem o menor interesse em deixar rastros das ações de Eve e que se Polastri decidir tomar desvios na missão, estará por conta própria. Ainda não sabemos quem faz parte dos Doze e não sabemos o que será de Villanelle, visto que ela abandonou os assassinos por Konstantin e Konstantin por Eve. Não sabemos o que será de Eve ao retornar para casa e encontrar um marido (ainda?) com o novo interesse romântico morto por Villanelle e seu futuro no MI5 está em aberto. A sua vida está em aberto. A terceira temporada é um completo nevoeiro, mas um que está nas mãos competentes de Phoebe Waller-Bridge, Sandra Oh e Jodie Comer.

Villanelle (Jodie Comer)
GIF: reprodução/BBC

Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

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