Quem mais perde com o cancelamento de “The O.A”?

Quem mais perde com o cancelamento de “The O.A”?

No dia 05 de agosto de 2019 a Netflix cancelou “The O.A“. A série, estrelada por Brit Marling, criada também por ela e seu parceiro Zal Batmanglij, acabará depois de duas temporadas. A comoção foi grande na internet, levando “The O.A” para os trending topics mundiais do Twitter no dia do anúncio oficial da Netflix US. E a comoção foi de todas nós, enquanto consumidoras de conteúdo audiovisual e entusiastas da indústria televisiva, que vem se formando nos últimos anos desde “Os Sopranos”. Contudo, o advento da Netflix mudou a forma que toda uma geração espera pela sexta à noite.

“The O.A” e a desvalorização das histórias originais

As séries se tornaram o produto mais rentável do audiovisual e o crescimento da Netflix é a prova disso. Portanto, o cancelamento de um empreendimento como “The O.A” só pode ter acontecido pela falta de retorno do público. Fica a impressão de que falta uma faísca necessária para apreciar produções originais como essa, em contrapartida ao engajamento gerado por tantos re-quentamentos de histórias já contadas. Desde as franquias de super-heróis e novas versões de todos os clássicos da Disney, até séries que já fizeram muito sucesso e continuam a ser renovadas, mas que já perderam o fôlego e não trazem nada novo, como a terceira temporada de “The Handmaid’s Tale”, por exemplo.

A jornada da heroína interrompida

The O.A” trouxe uma renovação da jornada clássica do herói. Trata-se de uma história de amor que luta para existir a despeito de um vilão, mas que é também nutrida pelo afeto da amizade. Tudo é misturado com a ficção científica raiz estilo Frankenstein e muito suspense.

A segunda temporada lançada esse ano conseguiu dar uma nova virada na saga de nossa protagonista em suas várias versões: Prairie, Nina, O.A. A série foi ainda mais bem avaliada no site Rotten Tomatoes, com 92% de pontuação positiva da crítica. O ator Brandon Perea, o French da série, confirmou no Twitter como havia muito mais a ser contado.

The O.A é uma história pensada originalmente para cinco temporadas. Nós precisamos dessas três temporadas finais”.

Mas do que se trata “The O.A”?

Vamos entender juntos do que trata-se essa série que possui um título que é literalmente uma onomatopeia? “The O.A” começa contando a história da pequena Nina (Zoey Todorovsk), uma garotinha nascida na Rússia, que fica cega depois de uma experiência de quase morte. Ela acaba parando nos EUA, onde é depois adotada por um casal de idosos, e recebe um novo nome: Prairie. No episódio piloto vemos Prairie já adulta (Brit Marling), se jogando de uma ponte, sendo resgatada com vida e surpreendentemente voltando a enxergar. 

Ao voltar a enxergar, Praire retorna na casa dos pais, e descobrimos que ela havia sumido por sete anos antes disso. Por conta da tentativa de suicídio, ela é constantemente vigiada, mas mesmo assim consegue se aproximar de um grupo um tanto quanto disfuncional do colégio da cidade. Stevie (Patrick Gibson), Jesse (Brendar Meyer), Buck Vu (Ian Alexander), o já citado French, e também da professora Betty (Phillys Smith). E no decorrer da temporada vamos conhecendo a história que Prairie, agora autodenominada “OA” – que é o som que ela lembra de ouvir quando a vida sai de seu corpo. 

The O.A
Elenco de “The O.A”. Foto: Divulgação

“The O.A”: ame ou deixe-a

The O.A” conta sobre os sete anos em que foi mantida em cativeiro com outras quatro pessoas, e como no cativeiro eles sofreram vários experimentos de quase morte, sob o domínio do cientista “Hap” (Jason Isaacs). E então ela começa a ensinar aos jovens e a BBA os chamados movimentos, que são quinze espécies de mímicas, como uma dança misturada com yoga. Para performar esses movimentos é necessário ter cinco pessoas sincronizadas. Essa ação conjunta gera uma incrível energia, que pode por exemplo ressuscitar pessoas ou enviá-las para outras dimensões. Sim, é difícil explicar a série na tentativa de indicá-la para alguém. Com “The O.A” é sempre amor ou ódio, não há meio termo.

Brit Marling
Gif: The O.A (reprodução)
Leia também:
>> Por que “Black Sails” é uma das séries mais importantes dos últimos anos?
>> Phoebe Waller-Bridge: one woman show
>> 15 séries com protagonistas femininas disponíveis na Netflix!

Uma realização técnica

Do ponto de vista objetivamente técnico, “The O.A” é uma série belamente escrita e com tramas bem articuladas. O que é mais interessante é como Brit e Zal trabalham os personagens de forma arquetípica, cada um deles representando uma ideia ou um comportamento coletivo, desde o valentão Steve ao garoto transsexual Buck Vu, por exemplo. Vemos na dança literal que eles ensaiam, uma verdadeira possibilidade convivência, da coexistência das diferenças. A protagonista segue neutra no meio, a personificação perfeita do anjo que as duas temporadas até então nos levavam a crer.

The O.A
Cena de “The O.A”. Imagem: reprodução

The O.A: como consumir?

Aconselhamos um esquecimento do ego para melhor apreciação da série. Não buscar a todo momento elaborar a história racionalmente, mais no sentido filosófico da suspensão de juízo proposta pelos céticos pirrônicos. Pois a experiência de assistir “The O.A” é sensitiva, corporal, por isso que os movimentos fazem tanto sentido.

A season finale da primeira temporada pode nos levar a uma crise efusiva de choro. E como acontece no episódio, aconteceu um novo ataque de jovem armado em El Paso nos EUA, dois dias antes do cancelamento da série. Porém, o afeto é a única possibilidade frente à violência. The O.A” é uma história de afeto e empatia, da mesma forma como a nossa anja loira pede logo no início de sua jornada: “Quero que você imagine tudo que eu conto como se estivesse comigo, como se fosse eu“.

Brit Marling
Gif: The O.A (reprodução)

Após acompanhar a criadora e atriz Brit Marling em sua conta no Instagram no decorrer da pré produção, produção e pós produção da segunda temporada, foi incrível ver como ela estava presente em cada parte do processo. E não por acaso eles demoraram três anos para lançar essa segunda parte. Passando pelos detalhes do cenário, os efeitos, além do acorde da trilha, produzida para enfatizar uma cena em especial, lá estavam Brit e Zal, verdadeiros realizadores apaixonados. Mas a indústria não suporta o artesanal. 

The O.A
Imagem: Divulgação

A última carta

Brit fez uma carta aberta em sua conta no instagram e deixaremos aqui a tradução livre de uma parte dela, para quem também se apaixonou por essa personagem tão única que foi cega, refém, torturada, mulher e viajante do tempo.

Queridos fãs de The O.A: alguns de vocês já sabem, ou ficarão sabendo por essa carta que a Netflix decidiu não seguir com The O.A. Zal e eu estamos profundamente triste por não continuar essa história. A primeira vez que eu soube das novidades eu chorei bastante, assim como um dos executivos do Netflix que esteve conosco desde os primeiros rascunhos do porão de Hap, no nosso escritório de produção no Queens. Foi uma jornada intensa para todos que trabalharam e foram tocados por essa história. (…) Enquanto não podemos terminar essa história, eu prometo que nós vamos contar outras. Eu ainda não encontrei nenhum outro mecanismo de elaboração efetivo para viver na esfera humana. E talvez, esteja tudo certo em não concluir esses personagens. Steve Winchell vai seguir suspenso no tempo e em nossas imaginações, infinitamente evoluindo, sempre correndo atrás, e finalmente chegando a ambulância e até O.A. Com amor, Brit”.


Edição realizada por Isabelle Simões.

Escrito por:

23 Textos

Jacu metropolitana com mente abstrata, salva da realidade pelas ficções. Formada em comunicação social, publicitária em atividade e estudante de Filosofia. Mais de trinta anos sem nunca deixar comida no prato.
Veja todos os textos
Follow Me :