Mulheres na História do Cinema: Ida Lupino

Mulheres na História do Cinema: Ida Lupino

Crítica e anticonformista, Ida Lupino foi a única mulher a dirigir filmes em Hollywood no período pós-guerra. Trabalhando como atriz, ela era uma estrela em ascensão e uma das mulheres mais poderosas da indústria norte-americana quando decidiu lançar-se como diretora.

Influenciada pelo neorrealismo italiano e pelo expressionismo alemão, seus filmes apresentam uma ferrenha crítica à sociedade da época e expõem a opressão estrutural sustentada por papéis de gênero. Desafiando os censores do Código de Produção, suas tramas ainda abordam questões como estupro e maternidade solo.

A cineasta Ida Lupino
A cineasta Ida Lupino. (Imagem: reprodução)

Antes de nos aprofundarmos nos filmes de Ida, porém, falemos um pouco sobre seu background e o que a motivou a trocar a promissora carreira de atriz por uma incerta investida como diretora.

A atuação como herança de família

Apesar da carreira em Hollywood, Ida Lupino não era norte-americana. Ela nasceu em Londres em 4 de fevereiro de 1918, filha de Connie O’Shea e do músico e comediante Stanley Lupino, bastante conhecido no cenário musical e teatral inglês.

Encorajada por Stanley, a jovem Ida fez seu primeiro trabalho como atriz aos 7 anos de idade. Já na infância, entretanto, ela não gostava de atuar. Seguiu na profissão por medo de decepcionar o pai, conforme admitiu durante uma entrevista em 1976.

Uma jovem Ida Lupino
Uma jovem Ida Lupino. (Imagem: reprodução)

Sua carreira no cinema começou na Inglaterra, mas logo ela chamaria a atenção da Paramount, o que a levou a Hollywood. Porém, após recusar um papel em “Cleópatra” (1934), Ida foi suspensa do estúdio.

Seu primeiro grande sucesso como atriz aconteceu em 1939, no filme “The Light That Failed”. Sua elogiada performance lhe rendeu um papel de destaque em “They Drive by Night” (1940) e um contrato de 7 anos com a Warner Bros., o qual seria marcado por novas suspensões pela rejeição de Ida aos papéis que lhe eram oferecidos.

Ida Lupino, diretora

Além da insatisfação com o trabalho como atriz, a vontade de abordar temas nunca explorados pela indústria mainstream foi também um motivador para fazer seus próprios filmes. Junto ao marido Collier Young e ao roteirista Malvin Wald, Ida fundou uma produtora independente, The Filmmakers, em 1949.

Ida Lupino e o marido, Collier Young, com quem fundou a produtora The Filmmakers
Ida Lupino e o marido, Collier Young, com quem fundou a produtora The Filmmakers. (Imagem: reprodução)

Não se pode negar, porém, que a carreira de Ida como atriz contribuiu para sua empreitada por trás das câmeras. Ela estabeleceu contatos e, enquanto suspensa, comparecia a sets de filmagem para observar diretores e operadores de câmera, além de acompanhar editores na fase de pós-produção. Mais tarde, passou a diretamente pedir o auxílio ou conselho de grandes profissionais da indústria.

Alguns nomes incluem Raoul Walsh, Charles Vidor, Michael Curtiz e Robert Aldrich. Ida insiste, porém, que diretores com os quais trabalhou durante seu período nas telas não influenciaram seu próprio estilo de dirigir. A influência limita-se às habilidades mais técnicas.

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A diretora Ida Lupino
A diretora Ida Lupino. (Imagem: reprodução)

De doze longa-metragens lançados pela Filmmakers, cinco foram roteirizados ou co-roteirizados por Ida Lupino e seis foram dirigidos ou co-dirigidos pela cineasta. Ela ainda co-produziu um dos longas e atuou em outros três. Além dos tópicos sensíveis abordados em suas tramas, muitos de seus filmes tinham cunho documental.

Os primeiros filmes

“Not Wanted” (1949) foi o primeiro filme dirigido por Ida. Ela assumiu o longa após o diretor Elmer Clifton sofrer um ataque cardíaco, pouco antes do início das filmagens. Na trama, uma mulher abandonada pelo companheiro descobre-se grávida. Apesar das infelizes circunstâncias que culminaram com a substituição de Clifton por Lupino, “Not Wanted” foi a grande oportunidade da cineasta para aprender o ofício na prática.

Sally Forrest, que atuou no longa e em dois outros filmes dirigidos por Ida, destaca seu exímio conhecimento e seu talento para a direção de atores: “ela foi a melhor com quem trabalhei. Ida era compreensiva, sabia exatamente o que queria e como explicar”, afirma.

A atriz Sally Forrest em cena de “Not Wanted” (1949)
A atriz Sally Forrest em cena de “Not Wanted” (1949). Imagem: reprodução
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Os filmes seguintes de Ida incluem “Never Fear” (1949), sobre uma dançarina que precisa interromper sua promissora carreira ao ser diagnosticada com poliomielite, e o controverso “Outrage” (1950), um dos primeiros filmes a abordar a problemática do estupro em uma época em que o Código de Produção começava a perder força.

Cartaz de “Outrage” (1950)
Cartaz de “Outrage” (1950). Imagem: reprodução

Em 1951, “Hard, Fast and Beautiful” chegou aos cinemas. O filme acompanha uma jovem jogadora de tênis que vive o costumeiro dilema entre seguir seus próprios sonhos ou agradar à mãe, que já tem planejada sua carreira no esporte.

Archie Stout, diretor de fotografia nos três filmes anteriormente citados, impressionou-se com o talento de Ida Lupino como diretora: “Ida tem mais conhecimento sobre lentes e ângulos de câmera que qualquer diretor com quem trabalhei, com exceção de Victor Fleming”.

Cena de “Hard, Fast and Beautiful” (1951)
Cena de “Hard, Fast and Beautiful” (1951). Imagem: reprodução
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Dois anos mais tarde foi lançado um dos mais memoráveis filmes de Ida Lupino: “The Hitch-Hiker” (1953). Inspirado em uma história de Daniel Mainwaring e nos assassinatos cometidos por Billy Cook, o filme acompanha dois pescadores que dão carona a um assassino fugitivo durante uma viagem ao México.

“The Hitch-Hiker” foi o primeiro filme noir norte-americano dirigido por uma mulher. Na década de 90, o longa foi escolhido para integrar a seleta National Film Registry, que visa preservar obras consideradas culturalmente, historicamente ou esteticamente relevantes.

Cena de “The Hitch-Hiker” (1953)
Cena de “The Hitch-Hiker” (1953)

Fica clara, assim, a relevância de Ida Lupino como cineasta. Ao contrário de outras artistas contempladas nesta coluna, seu sucesso como atriz foi um facilitador para seu trabalho como diretora, é necessário dizer.

Ainda assim, Ida Lupino nunca chegou a receber tamanho reconhecimento como seus contemporâneos, homens — o que não é surpresa, infelizmente. Que este texto seja uma singela contribuição à alocação de Ida no lugar que há muito lhe deveria ter sido reservado na história do cinema.

FONTE:

GRISHAM, Therese; GROSSMAN, Julie. Ida Lupino, Director: Her Art and Resilience in Times of Transition. Rutgers University Press, 2017.


Edição e revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

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Laysa Leal é bacharel em Cinema e Audiovisual com foco em roteiro, direção de arte e crítica especializada. Apaixonada por artes visuais, tem formação profissionalizante em fotografia e atua também como fotógrafa. Não dispensa uma boa música e está sempre pelo circuito de shows e festivais, uma das poucas ocasiões em que prefere o frenesi à quietude de museus e galerias de arte ou ao conforto de salas de cinema.
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