Desde de tradições bíblicas a mitos da Grécia Antiga, a imagem da mulher vem sendo desconstruída da Deusa- Mãe – aquela que dá a vida – para a mãe-devoradora – aquela que tira a vida. Isso porque, a figura da mulher sofreu com estereótipos afim de deslegitimar suas características e a associar ao Mal na Terra. A história de Eva que comeu o fruto proibido, por exemplo, serve para depreciar a mulher como um elo fraco e corrompível.
Logo, durante toda a história disseminada pelo cristianismo europeu, a mulher foi representada como capaz de ceder aos desejos do Diabo e, portanto, se tornar sua serva. Sendo assim, a imagética da bruxa surge desde os primórdios das civilizações, visto que a figura feminina tem sido retratada de acordo com pré-conceitos que se apoiam em aspectos culturais, sociais, religiosos e psicológicos.
Além disso, a partir da Igreja Medieval, as mulheres foram vistas como intelectualmente e psicologicamente mais fracas que os homens, difíceis de disciplinar, intensamente sexuais e curiosas. Desta forma, as mulheres eram iscas perfeitas para o Diabo, o que selou de vez a figura da mulher que vive margem da sociedade: a imagem da bruxa.
Da história para o cinema
Aos poucos, as bruxas ultrapassaram a imaginação popular e chegaram às telas. Não à toa, o cinema é um lugar capaz de alterar ou reforçar pensamentos e ideias, já que o estereótipo da bruxa nos filmes buscou estar de acordo com as representações das mulheres em cada época.
Sendo assim, o aclamado filme O Mágico de Oz (1939) apresentou duas bruxas: a boa Gilda (Billie Burke) e a má Elphaba (Margaret Hamilton). No filme não existe associação ao demoníaco. No entanto, a bondade e a maldade são distintas a partir da aparência feminina. Já que somente bruxas más são feias, é reforçado pelo filme, portanto, um padrão de beleza feminino.
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Durante os anos 60, com a segunda onda do movimento feminista, o estereótipo da bruxa ganhou mais força nos cinemas. Logo, o seriado A Feiticeira (1964 – 1972) buscou representar a bruxa boa que deve renunciar seus poderes em prol de seu marido e família. Era uma clara resposta às ideias feministas de liberdade e igualdade para as mulheres. Porém, a imagem doce e gentil da bruxa ficou apenas na TV, já que no cinema O Bebê de Rosemary (1968) fazia sucesso com uma abordagem nada sutil.
No filme, a relação do coven com o Diabo é vista como uma dependência mútua entre eles, no qual o Satã apenas consegue agir através das bruxas, enquanto dá em troca poder e sucesso aqueles que se juntam a ele. Nesse sentido, é explorado os estereótipos das mulheres gananciosas e satanistas que atormentam a podre Rosemary (Mia Farrow), uma mulher boa e religiosa.
Durante os anos 80, a imagem da bruxa se torna sensual, referenciando o momento de liberdade sexual feminina. Logo, filmes como As Bruxas de Eastwick (1987) e Elvira: A Rainha das Trevas (1988) retrataram bruxas mais cativantes e belas.
Entretanto, a associação com o Diabo ainda era muito presente. Em As Bruxas de Eastwick, o próprio aparece na cidade após ser invocado acidentalmente por Alexandra (Cher), Jane (Susan Sarondon) e Sukie (Michelle Pfeifer). Já em Elvira (Cassandra Peterson), a sexualidade da personagem é vista como pecaminosa e impura, sendo constantemente associada ao Lorde das Trevas e ao Anticristo.
Tais representações mostram mulheres independentes que não se adequam aos padrões esperados para uma mulher. Desse modo, o olhar torto das vizinhas em ambos os filmes evidencia como a sociedade insiste em colocar as mulheres nos papéis de submissa, do lar e reprimida.
A bruxa em várias faces
Com a chegada nos anos 90, a imagem da bruxa já era mais aceita pela sociedade. Logo, produções como Convenção das Bruxas (1990) e Abracadabra (1993) buscaram a comédia como forma de amenizar o terror e a sexualidade do gênero.
No entanto, alguns aspectos continuaram irreversíveis, como a aparência grotesca e a maldade da Grande Bruxa (Anjelica Huston) de Convenção, sendo até mesmo comparável com A Bruxa Má do Oeste de O Mágico de Oz. Já em Abracadabra, as Irmãs Sanderson (Sarah Jessica Parker, Bette Midler e Kathy Najimy) usam a música para enfeitiçar tanto crianças como adultos. Vale lembrar, portanto, que a música e a dança já foram associadas como rituais ao Diabo.
No final da década, o público passou a compreender que a associação da bruxa com criaturas más era uma forma de atacar as mulheres. Por isso, destinados a um público adolescente, séries como Buffy – A Caça-Vampiros (1997 – 2003) e filmes como Jovens Bruxas (1996) buscaram associar a bruxaria como um estilo de vida.
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Ainda assim, o cinema é capaz de modificar e atribuir novos significados. Em 2012, Malévola apresentou uma bruxa má que teve sua história contada e reestruturada para um final positivo. Ao salvar Aurora (Elle Fanning), Malévola (Angelina Jolie) assume o papel do príncipe e fomenta o feminino construtivo.
Consequentemente, a figura satânica da bruxa volta em A Bruxa (2016). Logo, o imaginário mais perverso com relação a bruxaria abre espaço para relacionar o feminino ao demônio, assim como animais mágicos, sexualidade e crenças familiares.
Entretanto, o diferencial que o novo século trouxe ao tema se mostra no filme na personagem de Thomasin (Anya Taylor-Joy). Após perder a família, a jovem invoca o demônio para assinar seu nome no livro em troca de sua liberdade, sem mais imposições religiosas.
Já em O Mundo Sombrio de Sabrina (2018), a maioria dos elementos da bruxaria então presentes, mas rodeados de adaptações e ideias feministas, o que torna a série o mais tangível das produções de bruxas que buscam caracterizar o feminino. Sabrina Spellman (Kiernan Shipka) é o tipo de bruxa que bate de frente até com o Diabo (seu pai). Dessa forma, a jovem faz de tudo por sua família e amigos sem perder sua sagacidade.
Consequentemente, as representações exacerbadas e condenadas estão longes de acabar. Porém, cada vez mais o gênero tem buscado ressaltar a sororidade e representações legitimas em novas produções, já que o importante é que exista filmes e séries sobre bruxaria direcionado para as mulheres.
Edição e revisão por Isabelle Simões.