Amor no Espectro: autismo e a busca pelo amor que nunca para

Amor no Espectro: autismo e a busca pelo amor que nunca para

Amor no Espectro (Love on the Spectrum, no original) é uma série australiana, produzida pela ABC em 2019, mas disponibilizada na Netflix em 2020. São 5 episódios que mostram jovens do espectro autista em suas experiências (ou não experiências) nos relacionamentos amorosos, nos encontros e, principalmente, na busca e manutenção do tal do amor. 

Mas… primeiro, vamos falar sobre o espectro autista?

De acordo com a Revista Autismo, o Transtorno do Espectro do Autismo é: “condição de saúde caracterizada por déficit na comunicação social (socialização e comunicação verbal e não verbal) e comportamento (interesse restrito e movimentos repetitivos)”. Além disso, segundo o portal do Drauzio Varella: “recebe o nome de espectro (spectrum), porque envolve situações e apresentações muito diferentes umas das outras, numa gradação que vai da mais leves às mais graves. Todas porém, em menor ou maior grau, estão relacionadas com as dificuldades de comunicação e relacionamento social”.

Portanto, como ficou explícito, pessoas do espectro autista têm dificuldade na comunicação, pois além de terem problemas em desenvolver a própria linguagem (como aprender a falar), também tem dificuldade para entender a linguagem e/ou sinais de outras pessoas, pois geralmente focam no sentido literal das palavras e atitudes, ou seja, piadas e sarcasmos são desafios a serem enfrentados.

Outro ponto importante de ser ressaltado é que como se manifesta de maneira diferente em cada pessoa, não havendo duas pessoas do espectro “que sejam da mesma forma”, os diagnósticos e cuidados também são particulares, o que em muitos casos também traz grandes problemas.

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De acordo com estatísticas oficiais, existe 4 homens para cada mulher no espectro. Além disso, segundo as participantes da série, isso acontece porque não existem “parâmetros” para análises da manifestação do autismo em mulheres (mais especificamente, em meninas), o que faz com que mulheres sejam diagnosticadas tardiamente, em alguns casos, já na vida adulta. Ou seja, é irônico que – e talvez pessoas do espectro não entendam essa ironia, infelizmente – que a sua pluralidade é o que garante sua invisibilidade.

Agora… vamos falar sobre amor no espectro?

Amor no Espectro acompanha durante um período alguns jovens adultos – como alguns deles chamam a si mesmos – mostrando a relação dessas pessoas com o amor. Entretanto, a série não retrata apenas a busca por um relacionamento (ou uma paixão), mas também como elas convivem com isso, pois temos dois casais do espectro que participam da série.

Começando por eles, vale mencionar o companheirismo presente nas duas relações. Primeiro, Sharnae e James, que moram juntos e contam uma história surpreendente. Ele tinha sido diagnosticado com o espectro fazia pouquíssimo tempo, apenas após começar a namorar Sharnae, que já era diagnosticada e entendeu que James era “diferente demais” para ser “uma pessoa comum”.

Amor no Espectro: autismo e relacionamentos amorosos
Sharnae e James em “Amor no Espectro”. Imagem: reprodução

Fora isso, tem uma relação “no espectro”; por serem super sensoriais, beijos na boca “são estranhos” e seguram as mãos entre 5 e 10 segundos apenas. Segundo James: “nunca menos que cinco segundos, mas nunca mais que dez”. Outra coisa digna de nota sobre eles é que se vestem com as cores das roupas combinando o que, entre outras coisas, garante uma fofura inocente e bela à essa relação.

Já Ruth e Thomas, o outro casal do espectro, também moram juntos e são muito cuidadosos um com o outro, até mesmo por Ruth ser deficiente auditiva. Porém, como afirma Thomas: “sou autista o suficiente para entender a Ruth e ela me entender de volta”. Dessa forma, cabe a compreensão de Thomas sobre Ruth andar com uma pequena cobra como companhia (entre os dedos, passando pelos óculos) o que, segundo ela, ajuda a controlar a ansiedade. Numa cena, bonita e aflitiva, Thomas dá um beijo em Ruth enquanto a cobra está nos óculos dela e ele diz “É como beijar a Medusa”.

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o autismo e as relações amorosas no audiovisual
Ruth e Thomas na série “Amor no Espectro”. Imagem: reprodução

Relacionamentos bem-sucedidos a parte, os outros participantes têm vivências e expectativas diferentes. Começando por Michael, o último romântico verdadeiro desse planeta, que afirma categoricamente “o meu grande sonho é me tornar um marido” e, não só isso, para a surpresa de quem assiste, ele já tem até a aliança! Com uma joia em formato de coroa, pois sua futura esposa, em suas palavras: “será minha rainha, meu um milhão de dólares”.

Temos também Chloe, assumidamente bissexual, que tem encontros com meninos e meninas durante a gravação da série. Ela diz que já foi deixada por ser do espectro e que também já ouviu muito as pessoas dizerem que “ela não tem cara de autista” e ela se pergunta, mas também pergunta para quem está assistindo: “como uma pessoa autista parece?

O amor como legitimidade da existência

Enfim, os participantes são vários. A parte de suas individualidades, todos aqueles que estão solteiros, se mostram empenhados em encontrar um relacionamento amoroso. Fica a reflexão sobre essa busca incessante pelo amor ser uma forma de legitimação de sua existência no mundo, a busca por uma vida “comum” e, claro, a necessidade que todas as pessoas tem – em maior ou menor grau – de serem amadas. E mesmo com uma relação familiar excelente, como aparenta a maioria dos participantes de Amor no Espectro, chega uma hora que fica “chato ir ao cinema só com seus pais”, como diz o pai de Mark, outro romântico sonhador assumido.

Chloe em “Love on Spectrum”.

Os participantes da série – os citados e todas as outras e outros – são apaixonantes, apaixonados e, principalmente, únicos. Deixando a curiosidade para ser apreciada nos episódios, é muito necessário dizer que depois de ver os cinco episódios você vai amar o espectro!

Talvez o único defeito que precisa ser mencionado sobre Amor no Espectro é que a série acaba e nós precisamos recorrer à boa e velha internet para termos novidades de como estão os participantes. Agora, algo que é louvável é o esforço da produção em retratar os participantes como pessoas complexas e “completas”; que têm medos, sonhos, planos, hobbies, carreiras, família, amigos e, principalmente, esperança no futuro.

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Por fim, como deixa explícito Jodi Rogers – especialista em relacionamentos que trabalha com pessoas autistas e participa da série para ajudar alguns participantes com suas habilidades sociais – é muito importante que nós (pessoas fora do espectro) paremos de encarar as pessoas do espectro apenas como aquelas “crianças fofas e diferentes” e sim também como pessoas adultas, sujeitas e sujeitos da sua própria história, buscando espaço e aceitação nesse mundo fora da casinha, e do espectro.

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Uma adolescente emo virou uma hipster meio torta que sem saber muito bem o que fazer, começou jogar palavras ao vento e se tornou escritora e tradutora. Também é ativista dos direitos humanos. Além disso é lésbica, Fé.minista, taurina. E, principalmente, adoradora de gatos e de café.
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