Vale a pena maratonar The Office?

Vale a pena maratonar The Office?

A série norte-americana The Office estreou em 2005 pela NBC, como uma versão da série original (e de mesmo nome) criada por Ricky Gervais na Inglaterra e trazida para os Estados Unidos por Greg Daniels e Stephen Merchant. Hoje, sete anos depois de seu final, pode ser encontrada com todas as nove temporadas no Amazon Prime e também no Globoplay.

Tem sido muito comentado como os conteúdos de streaming estão sendo consumidos a exaustão desde o início da crise sanitária gerada pelo Covid19. Dado o clima apocalíptico e tenso, muitos buscaram nas sitcoms uma saída fácil para essa sensação de impotência que a quarentena trouxe. Afinal e apesar do clichê, rir ainda é o melhor remédio pelo menos para uma boa imunidade emocional.

O catálogo da Netflix, por exemplo, está cheio de opções ótimas e menos conhecidas como Frankie and Gracie, Brooklyn 99 e a subestimada e incrível Please Like me. Neste texto em questão vamos revisitar The Office, que é considerada por muitos como a melhor sitcom já feita.

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O sitcom australiano Please, like me.
A sitcom australiana Please Like me. Imagem: Divulgação

As sitcoms

The Office foi pensada no modelo mockumentary, uma espécie de paródia do formato documental. Os personagens, todos ficcionais, claro, são acompanhados em seu dia a dia nada glamouroso em um escritório de uma empresa de papel, a Dunder Mulfflin, na cidade de Scranton, Pensilvânia. Uma pequena trívia aqui, o recém eleito presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, é natural de lá!

A maioria das temporadas de The Office têm mais vinte episódios, com exceção da primeira, com apenas seis e a quarta com quatorze. A grande pegada das sitcoms é tratar o cotidiano de maneira interessante e sem acontecimentos muito dramáticos em seus inúmeros episódios de pouco mais de vinte minutos.

O elenco de Seinfeld.
O elenco de Seinfeld. Imagem: Divulgação

Com essa ideia de mostrar pessoas comuns vivendo seus desafios pessoais, que podem espelhar um pouco da nossa realidade, reside o fascínio por esses produtos audiovisuais quase terapêuticos. Temos, por exemplo, clássicos como Seinfeld nos anos 80, e mais tarde o grande ícone dos anos 90, Friends.

Nessas sitcoms há também muito do zeitgeist ou o espírito do tempo. A trama, portanto, nunca é densa. Não precisamos prestar muita atenção para entendê-la, e mesmo assim adotamos esses personagens como amigos próximos.

O enredo de The Office

Michael Scott protagoniza a série e é interpretado pelo (na época ainda um pouco desconhecido) Steve Carell. Ele que pôde curtir por pouco tempo o sossego do anonimato, porque no mesmo ano da primeira temporada de The Office foi lançado o sucesso O virgem de quarenta anos. Tal filme fez com que ele ficasse conhecido mundialmente.

Scott é o chefe que, ironicamente, em sua situação de poder não somente pelo cargo como também pelas suas características físicas e clássicas de homem branco, cis, hétero, é colocado como um loser. Uma nuance que só poderia ter sido criada por um britânico, Ricky Gervais, mas que Carrel eleva a uma potência totalmente genial.

O elenco de The Office original, estrelado por Ricky Gervais.
O elenco de The Office original, estrelado por Ricky Gervais. Imagem: Divulgação

O personagem Michael Scott tem uma caneca onde se lê “O melhor chefe do mundo”, que ele mesmo comprou. Ele faz piadas sexistas a todo momento e no piloto ficamos em dúvida se sentimos nojo ou muita raiva dele. É sabido que esse seu jeito não estava sendo muito aceito pelos telespectadores na primeira temporada, e é quando a direção resolve criar então um arco de encantamento para Scott.  E é aí que a mágica acontece.

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Além do chefe, temos na equipe de vendas Jim, o galã desajeitado e hoje também diretor consagrado John Krasinsk (Um lugar silencioso), e seu antagonista Dwight Schrute (Rainn Wilson). Muitos passam por esse departamento durante todas as temporadas, mas os recorrentes são Stanley (Leslie David Baker), e a maravilhosa Phyllis (Phyllis Smith – indicamos sua participação como BBA na extraordinária The O.A da Netflix). Também passaram pelo departamento, Karen (Rashida Jones), o malandro Ryan (B.J Novak), Andy Bernard (Ed HelmsSe beber não case), Young Dwight, e por último nossa amada Pam (Jenna Fischer).

Na parte das finanças temos Angela (Angela Martin), viciada em gatos e a pessoa mais mal humorada do escritório. Oscar Martinez (Oscar Nunez), que normalmente é a única pessoa realmente lúcida no meio de tanto louco, além de Kevin Malone (Brian Baumgartner), o contador que não sabe fazer contas. Não podemos nos esquecer de Creed Bratton (Creed Bratton mesmo!), cuja função no escritório nunca conhecemos, e a mãe solo levemente alcoólatra Meredith (Kate Flannery).

Michael Scott em The Office
Michael Scott e um dos milhares memes que circulam na internet até hoje. Imagem: Reprodução

Um marco técnico televisivo 

Steve Carell traz uma vulnerabilidade profunda a esse personagem que vai se afundando cada vez mais em sua busca constante por ser amado. Entre uma extravagância e outra, Carrel enche os olhos de Michael de lágrimas diante de qualquer pequena demonstração de cuidado por seus colegas. É a partir desse momento, na segunda temporada, que não conseguimos mais largar a série. Tudo por causa da fórmula: protagonista para o qual torcemos, apesar e por causa de seu caráter falho.

No geral, maratonar The Office é sim imprescindível para quem se considera aficionado por televisão, pelo tom usado  na criação desse humor totalmente refrescante que é amarrado desde roteiro, criação de personagens, direção e fotografia. É como um equilíbrio muito sensível entre silêncio e o riso, onde a espectadora é convidada a participar das sutilezas geradas pois nada é entregue de mão beijada. A série começa devagar, mas garantimos ataques de riso e tudo isso sem precisar da artimanha da risada pré gravada da plateia fake.

Dwight e Jim em um dos depoimentos de The Office
Dwight e Jim em um dos depoimentos de The Office. Imagem: Reprodução

Os parceiros de Carell são parte da construção desse equilíbrio, principalmente Rainn Wilson, totalmente icônico como Dwight, com destaque para as pegadinhas hilárias que aplica em Jim. Dwight pode parecer um psicopata, mas possui um coração de ouro, além de ser viciado em trabalho. Por outro lado, Jenna Fischer traz uma malícia inocente e complexa como a recepcionista Pam. De novo, texto, direção e atuação incríveis em conjunto.

Spoilers a seguir

Na sétima temporada e por motivos um pouco nebulosos, Steve Carell se despede da série. O que acaba deixando a trama bem solta na tentativa frustrada de substituí-lo primeiro com Will Ferrell como De Angelo, e logo depois no que consideramos a pior parte, Andy Bernard.

A oitava temporada é cheia das loucuras clássicas de The Office com a liderança excêntrica de De Angelo e depois de Andy Bernard. O problema é que aceitávamos as loucuras de Michael Scott, – lembram do parkour no escritório? – porque tínhamos passado tempo suficiente com ele para nos importarmos.

Depois de muitos episódios bastante desajeitados, Andy fica fora de cena pelo tempo narrativo de três meses, por conta da agenda tumultuada de lançamento do terceiro filme da saga do Se beber não case. Essa ausência acaba sendo a melhor coisa que acontece com a série após a saída de Carrel. Dessa forma, podemos aproveitar um maior tempo de cena e atenção para as histórias dos coadjuvantes. Menção honrosa para Kevin, que pode ser considerado um dos maiores triunfos da nona temporada. 

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Kevin Malone em The Office
Kevin Malone e seu famoso chilli. Imagem: Reprodução

Temos também Daryl, que foi sendo promovido do depósito até o escritório e depois para a startup de Jim, interpretado pelo carismático Craig Robinson (tem participações incríveis em Brooklyn 99). Quase por último a ser lembrado tinha que ser o pobre Toby do RH (Paul Lieberstein), sempre maltratado por Michael – que diz que se estivesse em uma sala com ele, Bin Laden e Hitler, e com apenas duas balas no revólver, atiraria duas vezes em Toby. Lieberstein, na verdade, nem era ator e acabou seguindo na série depois de uma única participação marcante e peculiar como parte de sua característica.

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Duas dessas coadjuvantes merecem maior atenção, pois se tornaram peças importantíssimas da comédia feita por mulheres. A sucessora de Pam na recepção, Erin (Ellie Kemper), que indicamos assistir como estrela de The unbreakable Kimmy Schmidt, e a super poderosa Mindy Kaling como Kelly, que teve créditos como roteirista em boa parte das temporadas e, na época, com menos de trinta anos. 

Entretanto, The Office deixa a desejar na parte de protagonismo feminino, apenas com Pam sendo a única mulher majoritariamente no centro da narrativa. A gordofobia, porém, se faz presente em relação a Phyllis. E tal fato é demonstrado nas entrelinhas através de todas as mulheres que são consideradas gostosas e sempre magras. Até mesmo Amy Adams tem uma participação especial!

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Também houve alguns deslizes misóginos indigestos em The Office, como a forma como Meredith é julgada muitas vezes por seu aspecto físico e idade. Além disso, há o arco de Jen (Mellora Hardin), chefe de Michael. No início, a personagem parecia uma pessoa sensata, mas posteriormente desenvolve um tom perigoso de “histeria”, como se fosse necessário queimá-la pra trazer empatia para Michael. 

Pam e Jen em cena de The Office
Pam e Jen em cena de The Office. Imagem: Reprodução

O final emocionante de The Office

Falando de Pam e Jim, ou Jim e Pam, um dos casais mais amados da televisão, é sabido que a ideia é que eles não ficassem juntos no final. Acompanhamos na última temporada a forma como os dois vão se distanciando, muito porque Jim esconde da Pam uma decisão em relação a sua vida profissional que afetaria muito a família deles. É bem próximo da realidade o que eles mostram no relacionamento, que começou como um conto de fadas cheio de conflitos, e acaba caindo na rotina dos filhos e da falta de novidade e suspense.

Em dado momento e ao contrário do esperado, Pam resolve ficar em Scranton ao invés de mudar de cidade por Jim. Simplesmente porque ela ama sua vida e a rotina que foi criada no decorrer dos anos. Ela bate o pé e barra a decisão acelerada do novo trabalho dos sonhos de Jim, na startup de marketing esportivo. E na decisão final dos criadores, Jim aceita a decisão de Pam e eles continuam juntos em Scranton por mais um tempo, até que Pam enfim decide se mudar com toda a família para Austin, nova sede da startup.

Pam e Jim em The Office
Pam e Jim. Imagem: reprodução

Pensando em um paralelo, temos a resolução contrária de outro casal famoso das sitcoms, Rachel e Ross. Nesse caso, Rachel abre mão de ir para Paris em seu emprego dos sonhos para seguir com Ross em Nova Iorque. É muito mais fácil entender que o foco deva estar no sonho do homem, o provedor. Nesse sentido achamos muito importante o posicionamento de Pam, freando a velocidade com que Jim vai tomando decisões pela família, como esse homem provedor. Talvez tenha sido um movimento do tempo, já que Friends terminou praticamente na época em que The Office estreou.

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Falando em Ross e Jim, saiu uma lista do Buzzfeed com os personagens que seriam os maiores boy lixo da televisão, principalmente porque tendem a se considerar bonzinhos, mas têm ações bem questionáveis. Ross vem sendo amplamente colocado nessa categoria pela internet, por ser super possessivo com Rachel em contraponto ao seu histórico de infidelidade. Aliás, o fato de eles estarem dando um tempo não justifica ele transar com outra mulher alguns minutos depois.

Ross e Rachel em Friends
Ross e Rachel em Friends. Imagem: Reprodução

No caso de Jim, também na lista, concordamos que ele errou comprando a casa dos pais sem consultar Pam, e depois escondendo seu novo trabalho. Porém, entendemos que o personagem tinha mesmo uma dificuldade de lidar com conflitos e sempre foi um cara muito correto com as mulheres. Não concordamos com sua classificação nessa lista, que aliás esqueceu um dos grandes boy lixo, Ted, de How I met your mother.

Legados de The Office

Ricky Gervais tem o mérito pela linguagem revolucionária que trouxe para o formato sitcom, e também por sua constante participação nas escolhas narrativas do The Office dos Estados Unidos. Podemos acompanhar um pouco esse formato mockumentary na maravilhosa Parks and Recreation, que traz de volta Rashida Jones como a melhor amiga da protagonista Leslie Knope (Amy Poehler).

A câmera solta que trabalha como nosso olhar ativo para o que acontece em cena, também pode ser encontrada no drama com pitadas de sátira, Succession. No geral e de acordo com a conclusão na voice over de Pam, a vida é feita de coisas simples e é nelas que mora tudo de mais fascinante da humanidade, daí nossa fascinação por essas séries.

O elenco de Parks and Recreation. Imagem: Divulgação

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Jacu metropolitana com mente abstrata, salva da realidade pelas ficções. Formada em comunicação social, publicitária em atividade e estudante de Filosofia. Mais de trinta anos sem nunca deixar comida no prato.
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