Everything’s gonna be okay. Tudo vai ficar bem. Em tempos de incerteza, com a vida fora do lugar, parecendo até estar em pausa enquanto esperamos o ruído lá fora passar, o título da nova série de Josh Thomas, criador da premiada e semi-autobiográfica “Please Like Me“, traz uma promessa. Um promessa de que, mesmo quando as coisas não estiverem bem, a vida continua e as probabilidades haverão de mudar.
Esse é, no fim das contas, o espírito de “Everything’s Gonna Be Okay“, nova produção da emissora Freeform. A série conta a história de Nicholas (interpretado pelo próprio Thomas), um jovem australiano de 25 anos que está visitando seu pai viúvo (da segunda esposa) e suas meia-irmãs adolescentes, Matilda (Kayla Cromer), mais velha e portadora do espectro autista, e Genevieve (Maeve Press), uma adolescente que tenta sobreviver ao ensino médio enquanto lida com os sentimentos que envolvem ter uma irmã neurotípica e não ser o centro das atenções.
Tudo muda quando o pai dos três personagens acaba morrendo de câncer e Nicholas se vê na posição de novo guardião das irmãs. A partir daí, os três passam a descobrir novas formas de convivência e aprendizado um com o outro, lidando, juntos, com o luto.
Criador, ator e comediante: o admirável Josh Thomas
Mais uma vez tomando para si o papel do personagem principal, como fez maravilhosamente em “Please Like Me”, Josh Thomas entrega um Nicholas carismático, mas também real e perdido, como qualquer jovem adulto. Nicholas, assim como suas irmãs, é retratado como nada além de humano: erra, é muitas vezes egoísta, mas também é sensível e preocupado com a sua família. Apoia, mas também repreende, dando conselhos pertinentes enquanto tenta andar sem tropeços na estrada da paternidade.
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Assim como em “Please Like Me”, Josh Thomas sabe equilibrar os dilemas da vida real com uma dose de humor. Mestre das piadas autodepreciativas, o australiano, dessa vez, pega mais leve nesse tipo de humor. Aqui, ele se derrama em uma narrativa mais leve, sarcástica e vibrante e abraça os dilemas dos três personagens principais. É assim que “Everything’s Gonna Be Okay” aposta no tom humorístico até para discutir assuntos sérios: ao trazê-los para a narrativa de forma leve, Thomas provoca reflexões no telespectador sem deixar que estas quebrem o ritmo da narrativa.
Dilemas da vida real em “Everything’s Gonna Be Okay”
Um exemplo disso é o arco que envolve Matilda. Não tão típica adolescente, Matilda navega pelo começo do mundo adulto com incerteza: por um lado, ainda espera que sua família lhe oriente quanto a normas sociais; por outro, é corajosa, fazendo questão de encarar o mundo de cabeça erguida e se jogar nos desafios do fim da adolescência. Desafios comuns a qualquer jovem adulto, como ficar bêbada até vomitar, perder a virgindade, vivenciar os mais variados tipos de experiências sexuais e ser aceita na universidade que deseja; e outros não tão comuns, como conseguir se locomover sozinha pela cidade sem ter um ataque de pânico.
Aqui, é importante mencionar como a neurodiversidade faz parte da série e a deixa ainda mais rica. Enquanto em outros produtos televisivos é comum que sejamos apresentados a uma visão um pouco menos aprofundada e mais normalizada do espectro autista, em “Everything’s Gonna Be Okay” temos não só uma, como três personagens neurotípicos completamente únicos. Além da própria Cromer, que é autista, como a sua personagem, Carsen Warner e Lillian Carrier interpretam os amigos mais próximos de Matilda — ambos atores e personagens que também estão no espectro. Tal diversidade nos leva a enxergar o autismo em um nível original e autêntico, na medida em que somos apresentados a maneira como cada um desses personagens enxerga e interpreta o mundo.
“Everything’s Gonna Be Okay” chega sem pedir licença
Movida pelos acontecimentos do dia a dia e da rotina, pode até parecer, logo no começo da série, que o telespectador está sendo jogado no meio da vida dos personagens. O primeiro episódio, afinal, começa no meio de uma conversa entre Nicholas e um garoto que ele conheceu em um bar. Sem introdução, sem pedir licença. Esbarramos nele e na sua história, bem como na história das suas irmãs. E, depois de alguns minutos, a narrativa permite que o telespectador vá de um simples conhecido a se sentir, enfim, da família.
Afinal, assim como “Please Like Me”, “Everything’s Gonna Be Okay” trata todos os sentimentos como válidos, sejam eles ansiedade, depressão, luto, euforia, insegurança. Ao acompanharmos os personagens passarem por tantos dilemas, tratados de forma tão delicada e natural pelo roteiro, é quase que impossível não interpretar a produção como uma comédia doméstica que deixa o sentimento de conforto, de intimidade e de família. Uma série que nos leva a crer que errando, aprendendo e seguindo nos desafios da vida, tudo vai, enfim, ficar bem.
Edição/revisão por Mariana Teixeira.