Late Night: uma comédia inteligente sobre ambientes de trabalho sexistas

Late Night: uma comédia inteligente sobre ambientes de trabalho sexistas

Quando pensamos em talk shows, quantas apresentadoras mulheres nos vem à mente? Ellen Degeneres, Tata Werneck, Tina Fey? Não precisamos pensar muito pra chegar à conclusão de que esse ambiente é predominantemente dominado por homens. “Late Night“, lançado em 2019, usa esse universo pra abordar situações que toda mulher acaba vivenciando no ambiente de trabalho.

No filme, Mindy Kaling é Molly, uma aspirante a comediante que consegue um emprego como roteirista no talk show de Katherine Newbury, interpretada por Emma Thompson. Em uma busca para reerguer a popularidade de seu show e fazê-lo de certa forma um diferencial no mercado, a produção contrata uma mulher como nova roteirista. É aí que entra Molly, numa contratação quase que por cotas, para trabalhar em um ambiente dominado por homens brancos.

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Katherine (Emma Thompson) e seus roteiristas. (Foto: Reprodução)

Escrito pela própria Mindy Kaling, Late Night aborda desigualdade salarial de gênero, interseccionalidade, slut shamming e outros temas atuais sem parecer forçado. Na verdade, o que traz autenticidade ao filme é o fato dele ser baseado nas experiências das mulheres no trabalho como um todo.

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Por isso, o que faz Late Night ser uma comédia inteligente e divertida é que ela dá palco ao ridículo a essas situações enfrentadas no trabalho. Em uma cena, um dos roteiristas do talk show diz aos outros colegas: “Queria ser mulher e minoria pra que eu pudesse conseguir o emprego que quisesse!”. O comentário cínico exposto ao ridículo dá o tom de humor do filme. Ainda mais, dá oportunidade de resposta a muitos desses tipos de falas (“Prefiro ser uma contratação por cota do que por nepotismo”).

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Mindy Kaling e Emma Thompson em cena “Late Night”. (Foto: Reprodução)

Papéis de Late Night: inspirações e relações

Depois de atuar na série “The Office“, Kaling escreveu muitos outros papéis para que ela mesma pudesse atuar – mais uma evidência de que papéis para uma mulher de etnia indiana não estão disponíveis por aí. Não apenas isso, papéis de comédia também são raros para mulheres com mais de 40 anos e que não envolvam brigar por homens. Com esses temas em mente, Kaling escreveu o papel de Katherine em Late Night especificamente para Emma Thompson.

A relação de Molly com Katherine não é fácil e o roteiro não força uma afinidade natural entre elas só porque são mulheres, mas a história naturalmente evolui para o desenvolvimento de ambas. Inclusive, suas personalidades são muito diferentes: Molly é carinhosa, simpática e admira a figura de Katherine. Já Katherine tem tons de Miranda Priesley: é uma chefe mandona, ambiciosa e sem tempo para sororidade. Seu figurino se utiliza da ideia de que para ter sucesso, a mulher precisa anular suas feminilidades: o cabelo curto, os terninhos.

Ao mesmo tempo, o filme não se desculpa por mostrar mulheres ambiciosas pois investe tempo em retratar o trabalho duro que elas tiveram para chegar ao seu sucesso.

Kaling e a diversidade em obras audiovisuais

Kaling e a diretora Nisha Gantra em cena dos bastidores de Late Night
Kaling e a diretora Nisha Gantra em cena dos bastidores. (Foto: Reprodução)

De certa forma, não deixa de ser um reflexo da trajetória da própria Kaling: contratada em “The Office” para preencher a cota de personagens de minorias étnicas, ela foi aos poucos conquistou espaço e oportunidades na indústria cinematográfica. Agora em uma posição mais prestigiada, ela pôde incluir diversidade nas suas produções: a direção de Late Night é de Nisha Gantra, diretora canadense-indiana; seu roteiro de “Quatro Casamentos e Um Funeral”, série baseada no filme de 1994, teve roteiristas negros e de nacionalidade anglo-paquistanesa.

Esperemos, então, que Kaling continue a escrever e a inspirar executivos a inserir mais diversidade em suas produções. Afinal, há problemas que só mulheres passaram e só elas são capazes de transmitir para a audiência.


Edição/revisão por Mariana Teixeira.

Escrito por:

Bióloga, doutora em Imunologia. Entre um paper e outro, investe seu tempo em games, livros e filmes. Fã de Neil Gaiman, Legend of Zelda, filmes do Studio Ghibli e recomenda podcasts sem ser perguntada.
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