No contexto da recém intitulada “geração de mulheres estranhas produzindo Zillennial Cult Comedy”, Bottoms é uma iniciativa da cineasta Emma Seligman, em conjunto com Rachel Sennott (Shiva Baby), Ayo Edebiri (The Bear) e Molly Gordon (Shiva Baby), com o propósito de contar a história de duas adolescentes lésbicas esquisitas tentando desesperadamente ter suas experiências sexuais.
A reconstrução aos moldes da GenZ
Para os chamados “nativos digitais”, é comum manter um contato quase constante com diversas tendências do passado. Porém, a nostalgia e o resgate não são exclusivos da Geração Z. Todas as gerações têm sido suscetíveis à incorporação de características das gerações subsequentes, mas é a edição dessas características que define a personalidade de cada grupo.
Durante o auge da Segunda Guerra Mundial, surgiu a geração Baby Boomer, influenciada pela ética do trabalho e pela mentalidade conservadora da geração anterior. Mas essa geração também experimentou as mudanças sociais e culturais dos anos 60, com o movimento hippie, em contraposição à Guerra do Vietnã. Cerca de 10 anos mais tarde, nasceu o movimento Punk, que, por sua vez, influenciou o movimento Grunge nos anos 90.
O retorno das comédias sexuais
Embora tenham estado em baixa na última década, ainda há uma quantidade significativa de comédias sexuais no cenário audiovisual. Esses filmes abordam, de maneira cômica, temas relacionados à sexualidade. No entanto, infelizmente, muitas dessas produções acabam por perpetuar estereótipos e contribuir para a objetificação.
A presença frequente de homofobia e misoginia nessas obras torna a experiência de revê-las um exercício difícil para a maioria do público. Já Bottoms busca uma abordagem mais contemporânea dessas perspectivas.
A premissa do filme segue a tradição das comédias sexuais, compartilhando muitas semelhanças com produções passadas. Porém, alguns detalhes distintos merecem destaque.
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Em primeiro lugar, o protagonismo feminino ganha destaque, rompendo com a narrativa predominante que geralmente se concentra no ponto de vista masculino em questões de sexo, relegando personagens femininas a meras performances do que os homens deveriam desejar.
Em Bottoms, a história é impulsionada pelas personagens femininas, que assumem o controle de suas próprias jornadas e desejos, mesmo que de maneira atrapalhada. O filme brinca com os estereótipos de gênero associados às comédias sexuais, elevando os detalhes mais hilários de maneira leve e não pedante.
Além disso, a abordagem sáfica é explorada de maneira próxima à realidade. O longa retrata relacionamentos românticos e sexuais entre meninas, oferecendo uma perspectiva mais abrangente e positiva dentro do gênero. Destaca personagens que não seguem padrões de feminilidade, mas ainda assim não são deixadas de lado como algo que não desperta desejo.
A era do pertencimento e o senso de personalidade
Assim como as gerações anteriores moldaram a cultura de seus tempos, a Geração Z também está deixando sua marca. O filme é um exemplo claro dessa dinâmica cultural, onde a nostalgia serve como porta de entrada para novas perspectivas. Ele apresenta protagonistas femininas em uma comédia que aborda questões da adolescência e a busca por experiências sexuais de maneiras menos sérias, mas mais relevantes.
É importante ressaltar que Bottoms não se passa exatamente em 2023, mas sim no início dos anos 2000, quando a Geração Z estava nascendo. Ainda, é válido questionar se a liberdade social que PJ e Josie desfrutavam por serem lésbicas, com uma baixa performance de feminilidade, era tão bem recebida no início do século como é agora.
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Com um roteiro bem costurado, o filme oferece boas piadas, cenas com falas improvisadas e muito humor em torno da excitação quase constante das adolescentes de diversas gerações. Cada segundo de Bottoms é valioso, merecendo cada torcida pela visibilidade que proporciona.