Girlpool: vulnerabilidade em um mundo em expansão

Girlpool: vulnerabilidade em um mundo em expansão

Ouvir o primeiro álbum da banda Girlpool, Before the World Was Big (2015), é uma experiência intimista, quase invasiva, em que se adentra a amizade intensa entre a dupla Cleo Tucker e Harmony Tividad e a dor de crescer, compartilhada entre elas. O recém lançado segundo álbum Powerplant (2017) marca a evolução  natural desse relacionamento e um mundo em ampliação, convidando a ouvinte a partilhar de seus pulsos e vulnerabilidades.

O primeiro álbum se sustenta apenas com uma guitarra, um baixo e a interação natural das vozes de Cleo e Harmony, seguindo uma inspiração lo-fi carregada de nostalgia, como quem sente falta do tempo em que bandas como Pavement estavam no auge.  Para além da sonoridade, essa nostalgia assume o tom de motivação por trás do álbum, permeando todas as faixas.

A sensação é de que, aos dezenove anos na época de lançamento do disco, as artistas fizeram dele uma forma de lidar com as frustrações de perceber a imensidão do mundo e seus papéis nele, como denota a faixa título: É só que eu sinto falta de como era estar ao seu lado/usando vestidos combinando antes de o mundo ficar grande.

O minimalismo da formação da obra em muitos momentos coloca a vulnerabilidade da dupla em destaque, principalmente pelo uso poderoso da voz como instrumento, seja na base do grito, como em Crowded Stranger (Você é um coração à venda/Se vendendo por menos/Sua solidão é barulhenta), ou nas confissões suaves de Chinatown (Corto meu cabelo quando sinto que não tenho lugar/E a reflexão no espelho me afasta/Se eu me amasse, eu levaria isso a mal?).

Essa amplitude também aparece nas formas de lidar com as dores de crescer. Apesar de todo o álbum transitar pela nostalgia, a banda consegue encontrar prazer em evoluir frente às desilusões, o que está presente principalmente na sonoridade alegre de Cherry Picking (A verdade é que estou trabalhando/pra mim e só pra mim) e no tom folk-punk que a obra transmite como um todo.

A mudança mais significativa do segundo disco é a adição de bateria, representando não apenas uma expansão do som e das potencialidades de transmitir a vulnerabilidade das composições, mas também uma abertura em relação à sensação mais hermética da primeira obra. A experimentação na sonoridade é inegável, se aproximando mais do rock, mas também está presente em letras mais vagas, arriscando novas interpretações.

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Embora a dor do crescimento ainda ecoe nas composições, Powerplant parece substituir o espaço da nostalgia para olhar o presente, aceitando o momento sem pressa de encontrar uma identidade definitiva. A breve e dissonante High Rise reflete o misto de inquietude e conforto dessa fase do crescimento (Hoje o trompete soou novo/Preencheu os mil eles em você), enquanto Fast Dust não nega qualquer horizonte (Oh, hoje/Ela está em algum lugar hoje/Eu quero criar logo essa poeira/Algo que eu nunca pensei).

Apesar da notável mudança nos versos e nos recursos da sonoridade, a vulnerabilidade expressa nas composições – o elemento mais carismático da banda – não desapareceu. Em vez de o álbum mais barulhento e aberto a interpretações ofuscarem essa característica, essa construção potencializou a capacidade das canções de retratarem a fase de crescimento em que as artistas se encontram. A adição da bateria conferiu uma profundidade sentida principalmente em faixas como 123, que combina o novo instrumento com um uso ainda melhor da combinação dos vocais para transmitir as frustrações de um relacionamento.

O espaço para se divertir com o crescimento parece ter aumentado nesta obra, como em Kiss and Burn (Estou do lado do sol no paraíso/Eu sei que sou o que vende no domingo de manhã) e na genial It Gets More Blue (Eu disse “eu inventei o aquecimento global/só pra ficar perto de você”).

Ao abraçar essas possibilidades de alegria em meio de um crescimento conturbado, Powerplant se revela um álbum de conciliação entre as questões mal resolvidas do fim da adolescência e a difícil tarefa de se tornar alguém, escolhendo olhar para o presente e não se esconder das sensações que aparecerem.

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Escrito por:

Estudante de Direito que gosta de criar tempo pra escrever e ouvir música. Adora ler, admirar cachorros e plantinhas, bordar e conhecer lugares novos. Ainda vai aprender a tocar muitos instrumentos.
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