[SÉRIES] American Gods – 1×08: Come to Jesus (season finale)

[SÉRIES] American Gods – 1×08: Come to Jesus (season finale)

A primeira temporada de American Gods teve como tema central de seu último episódio, Come to Jesus (“Venha para Jesus”), a violenta omissão da figura feminina na mídia e na mitologia. A poderosíssima rainha Bilquis e a deusa Ostara têm suas histórias contadas para denunciarem os malefícios que o machismo causa nas sociedades desde a antiguidade – consequências tanto físicas e psicológicas quanto ideológicas.

[CONTÉM LEVES SPOILERS DE COME TO JESUS]

Bilquis, também conhecida como a Rainha de Sabá, uma influente e poderosa rainha da Etiópia (datada na série no período de 834 a.C.), têm sua história contada por Mr. Nancy no oitavo episódio. O personagem de Nancy menciona que esta rainha possuía o “dom dos dons”, que pode ser livremente interpretado como o empoderamento feminino em sua essência: liberta sexualmente e, por conta disto, vista como uma transgressora dos padrões de sua época, a mulher era constantemente perseguida por homens que não compactuavam com a sua postura autossuficiente.

Diversos reis tentavam tirá-la de seu trono, roubando para si o poder que Bilquis emanava, mas a magnitude de sua persona os transformava em presas fáceis. Promovendo orgias e vivendo das oferendas de seus adoradores, Bilquis passou sua existência inteira tendo de se esquivar de ameaças – até o dia em que estes mesmos homens a cercaram definitivamente, retirando dela o abrigo e a glória com a qual sobrevivia, fazendo com que fugisse para os Estados Unidos e tentasse recomeçar seu império.

Come to Jesus
Bilquis em seu templo

Do outro lado há Ostara (Kristin Chenoweth), deusa da fertilidade, do renascimento e da primavera, encontrada nas culturas germânica, nórdica e anglo-saxã, mais conhecida no ocidente como a Páscoa (Easter). Enquanto nos anos antecedentes ao nascimento de Jesus Cristo, Ostara possuía grande atenção de muitos povos e era cultuada com oferendas, viu aos poucos sua influência ser perdida, ao passo que o cristianismo tomava a ocasião de sua celebração para lembrar a ressurreição de Jesus. E, além disso, a mídia pegou aos poucos seus símbolos de celebração, como os ovos e o coelho, para trabalharem o marketing e as vendas de grandes empresas. 

Come to Jesus

E o que as duas personagens, mesmo tão opostas, possuem em comum? Em se tratando de períodos ancestrais, muitas culturas possuíam uma grande admiração pela figura feminina, sendo ela relacionada às deusas de diversos panteões mitológicos, ou às mulheres que comandavam os lares, cuidavam do plantio, da caça e eram respeitadas como líderes natas dos locais em que viviam.

As mulheres era vistas como seres mágicos, capazes, dentre tantas coisas, de proporcionar a vida e, por isso, eram celebradas; o poder feminino era cultuado, mas ao passo que as sociedades foram se ajustando e crescendo, o homem decidiu tirá-la de cena e assumir seus papeis de destaque, e, para tanto, usou (e continua usando) a violência como carro-chefe de seus atos (a cena em que Bilquis está em uma danceteria nos anos 70, flertando com uma garota, e percebe homens armados invadindo o local e colocando tudo abaixo denuncia também a intolerância frente aos relacionamentos homoafetivos). A série enfatiza que os homens opressores só possuem este temperamento por temerem uma mulher forte e bem-sucedida (o que, infelizmente, não difere dos dias atuais).

 

Ostara foi aos poucos sendo apagada pela imagem de Cristo, um homem. Bilquis teve de ver pela televisão, em uma cena comovente, integrantes do ISIS atacarem seu templo e matarem toda a importância como ser histórico que um dia ela teve. E, no impulso de prezarem pelas próprias vidas, precisaram fazer acordo com ninguém mais, ninguém menos do que os homens da trama.

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Technical Boy é quem oferece a Bilquis os aparatos tecnológicos para que ela consiga encontrar e se alimentar de suas vítimas (e dever favores para um ser arrogante como ele é tudo o que uma rainha como ela não precisaria fazer), e é com a Mídia e os demais homens de Mr. World que Ostara vê sua “influência pascal” sendo propagada, mesmo ofuscada pelo nome de outro.

Come to Jesus foi dirigido por Floria Sigismondi (The Runaways – Garotas do Rock), diretora e fotógrafa italiana, o que torna o conjunto da obra ainda mais importante e tocante quanto a questão da luta das mulheres contra as manifestações machistas ao redor do mundo. Debbie Harry (Blondie) e Shirley Manson (Garbage) voltam como as vozes da canção Tehran 1979, que embala a cena de Bilquis e toda sua magnificência na época da disco music.   

Outro ponto importante neste último episódio foi a revelação da verdadeira identidade não tão secreta de Wednesday, o deus Odin da mitologia nórdica, e a consequente transição de homem descrente para a condição de crente em manifestações divinas que suscitou em Shadow. Em um dos episódios anteriores, Wednesday menciona que “existem vários ‘Jesuses’, pois no mundo há muita necessidade dele” e, no casarão de Ostara, todos eles aparecem, personificando as diversas etnias de seus adoradores.

Come to Jesus
Wednesday, Ostara, Shadow e o grupo de “Jesuses” na celebração da Páscoa.

Quebrando com os estereótipos de séries que terminam em batalhas e desfechos épicos, American Gods fecha seu primeiro ciclo de forma muito sóbria e abordando questões pertinentes, que transcendem a ficção e são internalizadas pela espectadora de forma muito sutil. A magnitude da obra, não apenas em sua estética, como também no roteiro que expande a vida de muitos personagens importantes, faz crer que ótimas surpresas ainda virão de Bryan Fuller e sua turma – o que torna a experiência ainda mais satisfatória e as expectativas para a segunda temporada, já confirmada (com estreia prevista para 2018), ainda maiores.


Deuses Americanos Come to Jesus Deuses Americanos

Editora Intrínseca

Ano de publicação: 2011.

574 páginas

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Escrito por:

117 Textos

Formada em Letras, pós-graduada em Produção Editorial, tradutora, revisora textual e fã incondicional de Neil Gaiman – e, parafraseando o que o próprio autor escreveu em O Oceano no Fim do Caminho, “vive nos livros mais do que em qualquer outro lugar”.
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