Naruto: Os tropeços na representação feminina

Naruto: Os tropeços na representação feminina

Naruto é um mangá japonês de ação e aventura, do autor Masashi Kishimoto, que foi serializado entre 1997 e 2014, pela revista Shounen Jump, partindo para a mídia de animação no ano de 2002 até o seu término no início de 2017. Com estrondosa recepção global, a obra não é somente uma das cinco mais vendidas na categoria de mangá, como reuniu uma sólida legião de fãs que sustenta sua popularidade mesmo após uma década de lançamento.

A trama de Naruto gira em torno de um jovem garoto, de mesmo nome, vivenciando uma realidade de sistema político ninja implantado em vilas – o sonho dele é se tornar o ninja de mais alto escalão da Vila da Folha (Konohagakure), o Hokage. A gama de personagens na obra é extremamente diversificada e ampla, entretanto, torna-se aparente na história a desigualdade baseada em gênero, ao se observar como as personagens femininas são retratadas ao longo do desenvolver da trama.

A primeira ambientação de Naruto que é apresentado ao público trata-se da Academia Ninja para a formação de genins. Na sala de aula do protagonista Naruto Uzumaki, o primeiro destaque feminino é o de Sakura Haruno – que muito embora seja uma das melhores alunas da classe e a garota principal da história, ela é introduzida como o primeiro interesse romântico do Naruto.

Naruto
(Sakura Haruno / “Naruto”)

Sakura Haruno, Ino Yamanaka e Hinata Hyuga, as ninjas de maior destaque inicial, emergem na trama para abordar o romance pelos personagens principais – romance que beira a não reciprocidade e que mais consiste nas garotas os enaltecendo e reconhecendo, sendo extremamente raro o inverso.

Sakura e Ino, conhecidas como grandes amigas de infância, são colocadas em posição de extrema rivalidade pelos sentimentos de Sasuke Uchiha, o estopim para o término da amizade. As ninjas que mais aparecem nos primeiros arcos não são retratadas com objetivos, lutas e sonhos, que fujam do interesse pelos garotos; esses pontos, em um geral, sempre são direcionados para seus romances.

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(Hinata, Sakura e Ino / “Naruto”)

O universo de Naruto se expande a partir do momento que os personagens são separados em times ninja para atuar na profissão. Os times, que geralmente consistem em quatro integrantes (um sensei e três alunos), em sua maior parte, apresentam somente um único membro feminino, que diversas vezes aparece em situação de suporte ou de triângulo amoroso.

A divisão 2:1 para a distribuição de gênero dos alunos nos remete à lógica sexista do Princípio Smurfette; uma única garota no meio dos homens, para ter a simples função de ser “a garota” e fazer “coisas de garota”. Foram-nos apresentados até mesmo times totalmente compostos por integrantes masculinos, mas nunca por integrantes femininas em sua totalidade ou maioria.

O Princípio Smurffette aparece em Naruto nos diversos núcleos de personagens. No escalão de senseis, Kurenai é a única a liderar um time. Entre os Kages da Vila da Folha, somente uma foi mulher, e o mesmo se repete para as demais vilas – algumas sequer tiveram governantes femininas.

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O costume também pode ser observado nos grupos vilanescos da trama. Akatsuki, a principal equipe antagonista, foi composta por 10 integrantes rotativos – tendo somente uma mulher, Konan, e que obteve destaque extremamente reduzido. Taka e Quarteto do Som, ambos compostos por quatro integrantes, também constam com uma única personagem feminina para cada.

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(Grupo Akatsuki / “Naruto”)

O desenvolvimento de Sakura enquanto personagem, surge no decorrer da trama atingindo seu ápice no momento que a garota se torna aprendiz de Tsunade Senju, sannin lendária e quinta Hokage – Tsunade é, muito provavelmente, a mulher em posição de poder com maior destaque na história. Mas enquanto Naruto e Sasuke possuem subtramas com seus respectivos senseis, a história contada sobre a relação de Tsunade e Sakura foi estritamente resumida, assim como grande maioria das relações entre mulheres no universo de Naruto.

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(Tsunade e Sakura / “Naruto”)

Mesmo com a evolução incontestável de Sakura, reconhecida como mulher forte, inteligente e talentosa, a personagem se viu envolvida em situações abusivas com seu interesse romântico, Sasuke Uchiha, que mais de uma vez utilizou dos sentimentos da companheira de time para machucá-la. Não somente Sakura, mas Sasuke Uchiha também mostrou comportamento abusivo com Karin, a única garota da equipe Taka e que também nutria interesse pelo garoto – surpreendentemente, o autor considera impossível uma garota se aproximar de um ser masculino sem se apaixonar.

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(Sasuke usando Karin para matar um inimigo / “Naruto”)

Na fase adulta, a trama oficializa a união de diversos personagens; o que não seria, de todo, uma problemática, a não ser pelo fato de que praticamente todas as personagens femininas abandonaram suas carreiras ao se casar, mesmo aquelas cuja personalidade não condiz com a atitude, o que remete a uma reprodução de estereótipo de gênero. Mais que isso, Sakura e Hinata lidam com o abandono paterno de seus filhos, em um nada sutil contexto de romantização; Sasuke e Naruto, seus respectivos companheiros, estão ocupados de mais fazendo o que querem.

O núcleo feminino de Naruto é composto por diversas mulheres com habilidades incríveis, que fogem da sexualização e são indiscutivelmente talentosas no que fazem. Mulheres que mereciam mais; mais atuação política, mais sororidade, mais sonhos e realizações. Em um universo que sua política e organização populacional segue um sistema ninja para equilíbrio entre nações, encontra-se a falta de sentido na marginalização de mulheres que querem se inserir diretamente na liderança e participação da trama – principalmente quando são mais competentes que numerosos personagens masculinos.

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Bacharel em Relações Internacionais, feminista, e fã da cultura pop; em especial no que compreende o universo de animes e mangas.
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