Alguma vez você já pensou sobre sua origem? Origem sinônimo de gênese, ou seja, a origem de sua família e de seus ancestrais. Qual a relevância de sua procedência, linhagem, cepa, em sua vida e no seu entendimento sobre quem é você? E sobre o lugar que ocupa no mundo? O filme De volta (no original: Go Home), com direção e roteiro de Jihane Chouaib, nos convida a acompanhar a protagonista Nada, em seu retorno ao Líbano, após anos vivendo fora de seu país de origem.
O avô de Nada morreu – ou desapareceu, como ela prefere acreditar – na Guerra Civil do Líbano (1975/1990), quando ela e seu irmão mais novo Sam eram crianças. Porém, seu corpo nunca foi encontrado. Nada guarda muitas recordações de seu avô e daquele período de sua infância que, a que tudo indica, era o de uma criança feliz, tirando o fato de que existia uma guerra em andamento. Por esse motivo, seu pai os levou embora para a França, onde acreditava estariam em segurança.
Em De Volta, Nada tem extremo afeto e respeito por essas memórias e lembranças, e fica consternada ao encontrar a casa da família destruída. Além disso, sente certa rispidez dos moradores locais em relação à ela.
Existe uma aura de mistério em torno de sua família e sobre o verdadeiro caráter do seu avô. Muitas histórias o descrevem como violento, abusivo e desertor, o que deixa a jovem profundamente confusa. Tudo leva a crer que Nada tem um histórico familiar conturbado e dificuldades em se relacionar com seu pai. Parece que tem diferenças sobre quem são e como vivem.
Em uma das cenas que divide com seu irmão Sam, ela diz que ele deveria falar com o pai dele sobre determinado assunto, como se o pai não fosse dela também. Apesar de ter uma relação bem estreita e de muita cumplicidade com Nada, Sam tem uma missão que contraria o desejo dela. Ele precisa vender a casa, mas para isso é necessário uma declaração de óbito comprovando que o avô está morto. A partir daí, Nada e Sam, cada um ao seu modo, vão experimentando diferentes sensações em relação ao avô e sua família, alternando momentos de recordação, sentimentos conflituosos e verdades inconvenientes.
Nada parece ter retornado ao Líbano para rever seu lugar de origem, fincar sua bandeira no espaço em que ela guardava as recordações mais doces de sua vida, e por isso acreditava estar em casa e protegida. Mas o Líbano já não era mais aquele lugar que ela havia deixado pequena, tampouco sua casa se parecia com a casa de suas lembranças, e por fim, Nada também não era mais criança. Parece que ao retornar a sua terra natal, Nada queria saber mais sobre si mesma, como se as respostas sobre quem ela é, suas escolhas e sua vida estivessem escondidas dentro da casa que fora de seu avô, ao lado dos fantasmas que lá vivem agora.
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Nada, no papel da belíssima e talentosa atriz Golshifted Farahani (que vive Laura em Paterson, de Jim Jarmusch), traz uma intensidade e tristeza que são a alma do filme. A busca pela nossa gênese muitas vezes pode ser dolorosa e nos colocar diante de verdades a nosso respeito que são inesperadas, mas também pode nos esclarecer sobre características de comportamento (e até físicas) que possuímos e não compreendemos de onde vem.
Saímos do cinema com a sensação de que Nada busca resgatar sua história pregressa, para explicar aquilo que não compreende em sua vida adulta, aquilo que escapou de sua lembrança e que deixou um vazio dentro dela. Assim, a protagonista dessa história tenta experimentar novamente como é se sentir em casa… afinal, Nada é uma imigrante que ficou longe por muito tempo, e ao voltar para casa no Líbano, ela descobre que não há casa, não há lugar, pois agora ela é uma imigrante em sua própria terra natal também.
Em De Volta, talvez Nada tenha se sentido por tanto tempo expatriada dela mesma, onde o que mais desejava era voltar para o lugar onde se reconhecia, seu país de origem. De volta no tempo, em busca de seu lar, suas raízes e tudo aquilo que parecia ser quem ela era.
Jihane Chouaib, diretora e roteirista do filme, nasceu em Beirute no Líbano. Para fugir da guerra civil partiu junto de sua família para o México, onde passou sua infância.
Em entrevista sobre o filme, Jihane conta que “Go Home!” é uma expressão muito ouvida quando se é imigrante. “‘Vá pra casa, volte para onde você vem’. E um dia você volta para o seu país natal e escuta de novo ‘vá pra casa’. Você não é mais dali porque você mudou, o país mudou. O que é ‘casa’ hoje? Existe uma nova maneira de defini-la? O que significa ‘pertencer’ em um momento de constante migração? Além do Líbano, onde o filme se passa, ‘DE VOLTA’ tem várias origens, como eu” – conclui a diretora.