Between Sisters: o peso das mulheres que carregam segredos

Between Sisters: o peso das mulheres que carregam segredos

Em seu segundo documentário, Between Sisters (2015), Emanuelle Gerosa explora a intimidade entre Ornella – sua mãe – e Maria Teresa – sua tia. Teresa, uma mulher de 90 anos, vê na irmã mais nova uma companhia inseparável.

Na obra, disponível na MUBI, a relação entre as irmãs é moldada e desgastada pelo tempo. As imagens de arquivo da infância de Ornella na praia ainda se repetem no presente, mas com corpos menos jovens e ágeis. Se no passado Teresa carregava a irmã para uma parte rasa do mar, hoje é Ornella quem apoia a mais velha.

Uma lembrança do passado | Fonte: print do trailer, MUBI
Uma lembrança do passado | Fonte: print do trailer na MUBI

No início do filme, as irmãs estão deitadas na mesma cama – um hábito quase infantil. Contudo, são separadas por um vazio traduzido pelo cansaço, implicância e teimosia, sentimentos que fazem parte de qualquer relação.

As irmãs conversam na cama sobre o filme | Fonte: print do trailer, MUBI
As irmãs conversam na cama sobre o filme | Fonte: print do trailer na MUBI

Teresa acende a luz do abajur e pergunta o que Manu (o sobrinho e diretor do filme) está fazendo ali sentado. Ornella explica que ele vai fazer um filme. “Um filme de comédia!”, ela gargalha. Teresa acha ruim – é quase vergonhoso – mas ao mesmo tempo engraçado, já que a mais velha entra na brincadeira e diz que o filme será um pornô. Todos caem na risada por uma coisa besta – aquelas típicas gargalhadas que antecedem momentos sérios e com os quais as mães – ou pais – sempre nos censuram quando crianças.

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O cuidado entre mulheres

O cuidado – seja na esfera doméstica ou no trabalho – é muitas vezes visto como uma “função feminina” em uma sociedade machista. Não é preciso ir longe – talvez na casa de sua avó, uma tia distante ou uma amiga próxima – para perceber que o cuidado com o outro é majoritariamente realizado por mulheres.

A mulher que cuida é protagonista, personagem secundária e, por vezes, antagonista de muitas histórias. Embora o cuidado esteja embutido em nossos corpos, ele não precisa ser visto apenas sob a ótica da opressão. É por meio dele que as relações – entre irmãs, amigas e desconhecidas – geram laços, brigas, reflexões assustadoras, piadas fora de hora e vazios quase nunca preenchidos.

Essa é a missão de Ornella. Ela precisa descobrir sobre seu passado – e que ironia! – sobre um pai que nem sabe quem é. Ao questionar Teresa, a resposta quase sempre é negativa, uma desconversa típica de famílias que preferem “engolir sapos” a causar desconforto. Por que desenterrar o passado se as coisas estão bem como estão?

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O segredo de Teresa

O ponto alto do filme é acompanhar de perto a relação entre as duas irmãs. Ornella tinge o cabelo de Teresa, que não parece satisfeita com o resultado. A irmã mais nova lembra que não é profissional e que está apenas fazendo um favor. Mais tarde, Ornella prepara a refeição da irmã, que a despreza, afirmando não precisar de ninguém. A caçula revida: “Você está bem porque eu estou aqui com você o dia inteiro”. A verdade cai como uma pedra enorme e pontiaguda.

Teresa critica o tempo que a irmã leva para pintar seu cabelo | Fonte: print do trailer, MUBI
Teresa critica o tempo que a irmã leva para pintar seu cabelo | Fonte: print do trailer na MUBI

Embora o segredo de Teresa seja a revelação mais aguardada, seus silêncios entregam o que Ornella deseja saber.

As lembranças da infância de Ornella são escassas, sugerindo que seu suposto pai – um homem que viajara para a África e deixara a mãe grávida – não se encaixa como figura paterna. Quem era, afinal, seu verdadeiro pai?

Ao revisitar o passado sob a perspectiva de Teresa, a casa cheia de mulheres – mãe, filha e uma nova bebê nascida sem a presença do “homem da casa” –, o segredo se autoexplica. O pai de Ornella não era o homem que viajou para a África, mas outro – um caso de verão.

Por fim, esse é o segredo que Teresa guardou por todos esses anos, nunca revelando à irmã quem era seu pai biológico, e nunca contrariando a mãe que encobria a verdade. O segredo, vergonhoso à época, reflete os pesos e culpas que as mulheres são obrigadas a carregar pelo “bem da família”.

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A revelação de Ornella

Ao compartilhar o que sabe, Teresa enfatiza que ama Ornella, sempre amou e sempre amará. Ela se interrompe várias vezes, cobre o rosto, pede desculpas e chora: como um segredo pode ter tanta força? Talvez porque contá-los seja a melhor forma de impedir que cresçam de maneira errada.

Ornella, até então lúcida, responsável e zelosa, apoia a irmã abalada. No momento da revelação, ela abraça o filho, e os três choram juntos. A irmã mais nova que tentou por mais de 60 anos compreender o mistério de seu nascimento agora sabe “de onde veio”. E ela odeia isso.

Deste modo, o que mais surpreende nesse filme familiar não é exatamente a teimosia de Teresa, responsável por grande parte dos momentos cômicos, mas a revolta de Ornella, que revela novos sentimentos humanos: compreensiva e amorosa, mas esgotada de sua pacificidade.

A cena final, portanto, se constrói em um monólogo raivoso e triste. Ornella revela ao filho que a sua vontade é tirar todas as partes do seu corpo que possuem algo desse desconhecido, desse não-pai.

Ornella em seu monólogo final | Fonte: print do filme na MUBI

No fim, pergunto-me se a revolta diante de uma pessoa que não existe mais faz sentido. Talvez a busca pela paternidade não seja a questão mais importante. A relação entre irmãs é o foco. A revolta se dá com os vivos – com quem dividimos a cama, as férias, as refeições, e levamos ao médico – com as nossas irmãs, sejam elas dos mesmos pais ou não. A revolta se dá quando existe amor.

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10 Textos

Com formação em Rádio e TV, construí toda uma trajetória em torno da pesquisa acadêmica sobre o cinema - com destaque para as produções nacionais e suas relações com o feminismo. Sou roteirista e professora de comunicação e artes. Escrevo contos sobre a experiência de mulheres que já passaram pela minha vida!
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