[GAMES] #MyGameMyName: level up para as mulheres no cenário gamer!

[GAMES] #MyGameMyName: level up para as mulheres no cenário gamer!

A pesquisa Game Brasil, cujo objetivo é apresentar dados a respeito do consumo, tendências, público e características entre os jogadores brasileiros, realizou sua 4ª edição em 2017 e apresentou um resultado curioso: mulheres são 53,6% do público que joga games no Brasil. Entretanto, esse número por vezes é questionado, seja devido ao fato de que o mundo dos games ainda apresenta atitudes e conteúdos de caráter machista por parte dos jogadores – e até mesmo das próprias empresas e desenvolvedoras de games – ou pelo simples motivo de que grande parte desse universo desconsidera as mulheres como parte do público e consumidoras ativas de jogos.

Fonte: Pesquisa Game Brasil

Dessa forma, como as mulheres se sustentam como 53,6% do público que joga videogames no Brasil?

Um ponto crucial que deve ser analisado para responder essa pergunta é a idade. Fazendo uma pesquisa com cinco mulheres gamers de idades entre 19 e 20 anos, pode-se perceber que o interesse por videogames entre elas começou na mesma faixa etária: entre 4 – 6 anos, época na qual elas ganharam o primeiro computador, que vinham com vários jogos de puzzles, plataforma e outros baseados nos desenhos animados advindos da TV. Também eram presentes os portáteis baratos, os famosos “mini games” e “tamagotchis”, bem difundidos nos anos 2000.

Nesta época, os jogos mais acessíveis ao público brasileiro de classe média não possuíam uma tendência de gênero mais inclinada para o lado masculino, devido à própria limitação tecnológica. Os desenvolvedores tinham que se contentar com 8, 16 e 32 bits, ou seja, um jogo com personagens sem muita resolução ou características físicas bem elaboradas, e em diversas vezes era possível confundir um personagem masculino com um feminino. Portanto, antigamente esses consoles não eram destinados a um gênero específico. Os jogos antigos por serem “unissex” eram muito mais acessíveis ao público feminino, já que ainda não havia a famigerada – e errônea – regra de “videogame é coisa de garoto”. Essa acessibilidade presente nos anos 2000 pode ter sido um gatilho para o aparecimento e consolidação do público gamer feminino até os dias de hoje.

A febre dos tamagotchis nos anos 2000.

A partir daí, graças à evolução da tecnologia pode-se perceber que os jogos se tornaram cada vez mais atrativos e ganharam uma dimensão absurda em todos os aspectos: arte, jogabilidade, trilha sonora, narrativa e entre outros. Embora o universo gamer tenha dado um grande salto em vários quesitos, os novos recursos englobaram em sua grande maioria o público masculino, com a criação de diversos personagens homens fortes, interativos e com personalidades marcantes, diferentemente das poucas personagens femininas presentes nos games. Estas seguiam um padrão que até hoje ainda é presente em diversas franquias de jogos: eram personagens de apoio, com poucas falas e raramente controláveis.

Além de serem extremamente sexualizadas, alimentando estereótipos de beleza, grande parte da representação feminina não possui a personalidade individual bem construída: as poucas características psicológicas enfatizadas eram a fragilidade e a dependência de uma figura masculina maior, fomentando a função de alívio romântico para a trama. Foi neste momento que representatividade feminina passou a ser quase inexistente no mundo dos jogos e o público feminino se tornou mais tímido e talvez menos atraído por games.

Assim, concebeu-se a ideia de que game “é coisa de menino” e com isso surgiu um empecilho gravíssimo: o machismo dentro do mundo dos jogos. Antigamente, mulheres e homens poderiam estar jogando juntos, mas hoje graças à essa falta de representatividade por parte das empresas de games e a criação de uma figura feminina completamente fora da realidade existente na sociedade, fez com que a ideia de uma mulher fora dos padrões impostos seja um “erro” e que ela não deveria estar lá sendo, consequentemente, alvo de ódio. Esse ódio se entende por todos os lados, seja singleplayer, multiplayer, em MOBAS, RPG, FPS, cardgames e até mesmo off-line, resultando em muitas mulheres desmotivadas e em um universo gamer cada vez mais machista.

Problemas online

Dentro dos jogos eletrônicos online é extremamente comum a comunicação entre jogadores por meio de chats e mensagens. É possível também, em algumas plataformas, adicionar outros jogadores encontrados nas partidas para interação e socialização dentro do jogo. Porém, um recurso que foi desenvolvido para expandir a comunidade gamer de forma amigável e facilitar o desempenho dos jogadores por base na cooperatividade, se tornou uma ferramenta que também permite a agressão e humilhação entre usuários. Em muitos casos, jogadores se aproximam de outros com segundas intenções que vão além da proposta inicial de criar amizades, ultrapassando a linha do respeito. As mulheres são o principal alvo desse tipo de problema, devido ao fato que grande parte do público masculino possui ideias errôneas a respeito de jogadoras, julgando suas habilidades de forma negativa por serem mulheres e/ou acreditando que estas não alimentam um interesse real no jogo, mas que estão à procura de um relacionamento amoroso. E infelizmente, esse problema é mais comum do que se imagina.

“O fato de eu ter escolhido um username (nome virtual) feminino, fez com que eu tivesse que lidar com “cantadas” e entre outros assédios em chats de jogos.”, conta Talita Halboth de 20 anos que é estudante de graduação em Ciências da Computação da UFPR e uma gamer nas horas vagas.

Com a estudante de graduação em Design Gráfico da UFPR, Bianca Duffeck, também não foi muito diferente. A gamer de 20 anos possui formação técnica em Programação de Jogos Digitais do IFPR e afirma:

“No mundo virtual não coloco que sou mulher para evitar problemas. Porém já deixei de jogar muitos jogos por não concordar com a forma que as mulheres são representadas neles.”

Preconceito fora do game

Os problemas de preconceito contra as mulheres nos jogos não se limitam apenas ao mundo online. No modo off-line, ou na “vida real”, infelizmente é comum uma jogadora ser assediada, depreciada e subestimada apenas por ser mulher. Stephanie Americo é graduanda em Ciências da Computação da UFPR e, assim como Bianca Duffeck, possui formação técnica em Programação de Jogos Digitais. Mesmo tendo apenas 20 anos, ela já é uma gamer raiz de longa data, e afirma que constantemente possui problemas para ser considerada uma garota gamer na sociedade.

“A minha maior dificuldade é ser reconhecida como gamer por alguns indivíduos. Além de duvidarem que eu jogo RPG (um estilo de jogo mais “hard gamer”, como alguns consideram), sou subestimada e tratada como leiga até provar meu conhecimento do universo geek. É como se eu tivesse que mostrar o tempo todo do que eu sou capaz, enquanto outros meninos são levados a sério desde o início. Alguns garotos simplesmente não conseguem aceitar que meninas também estão nesse universo!”, afirma Stephanie, que assim como muitas garotas também sofre com o problema da “carteirinha gamer”.

A “carteirinha” consiste em um mau hábito de muitos indivíduos do público masculino de questionarem, duvidarem e deslegitimarem o conhecimento a respeito de games de diversas mulheres, unicamente por elas serem mulheres.

#MyGameMyName
Arte: Camila Torrano (Reprodução)

“A situação mais enervante foi quando fiz uma postagem sobre a sexualização das personagens do jogo Witcher (nesse jogo levar várias mulheres para a cama é, literalmente, um troféu!), e um indivíduo começou a atacar meus argumentos, passando por cima de vários argumentos com outros estereótipos que não justificam a sexualização. Quando eu comecei a citar outros jogos do gênero e contrastar as abordagens, ele claramente não conhecia. Mas isso não impedia de continuar falando como se possuísse um conhecimento superior. Quando um amigo meu interviu a meu favor, ele abaixou a bola. Por que é necessário que um homem fale para ter propriedade?”, conta Stephanie.

O preconceito no mundo dos games não para por aí. Ayllana Ferreira, estudante de jornalismo na UEMG, possui 19 anos e afirma já ter lidado com situações preconceituosas dentro da área de jornalismo por ser uma mulher gamer.

“Muitas vezes já me deparei com comentários machistas e extremamente preconceituosos. Pessoas que me desmereciam por ser mulher. Além de tudo isso, como estudante de Jornalismo, eu sempre tive certo interesse na cobertura de jogos digitais e, por várias vezes, as pessoas questionaram o meu conhecimento e entendimento por ser uma garota.”

Impacto inesperado

Mesmo com tamanha difusão social nos últimos anos, os videogames ainda são vistos com maus olhos por muitos, quase como um sinônimo de antissociabilidade. Enquanto algumas pessoas acreditam que os jogos são uma perda de tempo infantil e sem objetivo, outras defendem fielmente que os games fomentam o comportamento agressivo dos usuários, dentro e fora das telas.

Embora ainda exista esse tabu, a inclusão dos jogos na vida das mulheres aparentemente apresentou uma influência positiva em grande parte da vida das entrevistadas. 

“Jogando videogames foi como eu fiz e mantive boa parte das amizades que tenho hoje, além de ter sido uma grande influência na escolha do meu curso na universidade. Também é minha principal fonte de lazer, e me proporcionou várias experiências que ajudaram a moldar a pessoa que sou hoje.”, afirma Talita Halboth.

estudante de graduação em Ciências da Computação da UFMG, Ingrid Spangler possui 20 anos e também afirma que os games influenciaram sua vida de maneira bastante positiva . Além de gamer, ela faz cosplay de jogos como Tomb Raider e conta que sua personalidade foi influenciada pelos jogos da franquia.

“Desde criança eu quis ser corajosa e forte igual a protagonista do Tomb Raider, que é a Lara Croft, e acabei seguindo o modelo de quem ela era. Ainda acompanho e jogo todos os jogos da franquia. Outra coisa na qual os jogos me influenciaram foi o meu gosto por encontrar soluções para problemas, um dos meus jogos de puzzle favoritos se chama FEZ, e exige extrema criatividade e observação, inclusive requer que os jogadores aprendam uma nova forma de escrita, na resolução dos problemas mais difíceis. Isto que ajudou a me dar um empurrãozinho pra ir pra área da ciência.”

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#mygamemyname

Ainda é uma dúvida quais são as soluções ideais para os diversos problemas enfrentados pelas mulheres no mundo dos games. Umas das opções que visa colaborar para a diminuição destes trata-se da #mygamemyname. Jogando videogames foi como eu fiz (e mantive) boa parte das amizades que tenho hoje, além de ter sido uma grande influência na escolha do meu curso na universidade. Também é minha principal fonte de lazer e me proporcionou várias experiências que ajudaram a moldar a pessoa que sou hoje.

Criada pela ONG Norte Americana Wonder Women Tech, a #mygamemyname visa diminuir o assédio sofrido pelas mulheres gamers por meio da visibilidade. A #mygamemyname relembra que muitas gamers jogam com usernames masculinos com a intenção de não serem assediadas ou violentadas no meio online. Sabendo disso, a campanha busca incentivar denúncias de assédio e, acima de tudo, apoiar as mulheres a não se esconderem por trás de nicknames masculinos ou neutros, mas sim colocarem o seu verdadeiro nome. Dessa forma, as mulheres passam a serem vistas com mais frequência dentro dos jogos, fomentando a representatividade feminina nesse meio.

Um dos principais recursos utilizados pela campanha para mostrar o real problema e atingir o público, foi pedir para que os maiores youtubers gamers jogassem com nicks femininos e mostrarem a experiência em seus canais.

Stephani Americo conta que assim como várias mulheres, ela também já deixou de colocar seu nome verdadeiro dentro dos jogos .

“Quando eu colocava meu nome real no Command & Conquer sempre recebia comentários desagradáveis de outros jogadores. A partir do momento em que coloquei um username neutro, virei líder de uma aliança enorme e foi uma das coisas mais chocantes pra mim. Perceber essa diferença me fez parar de jogar, eu só não conseguia acreditar.”

“Eu vejo na tag uma resistência.”, afirma Ayllana Ferreira. A garota declara que essa temática é muitas vezes pouco debatida, ignorada ou tratada como o clássico “mimimi”. Para Bianca Duffeck, o fato de meninas não usarem usernames que identificam o gênero, só contribui para mascarar que as mulheres correspondem à metade do público gamer no Brasil.

“Não somos minoria, não estamos “começando” nesse ramo.”, afirma a estudante de Design Gráfico.

Todavia, mesmo com a presença da #mygamemyname é inegável que as empresas e os desenvolvedores precisam se posicionar perante o assédio, seja com medidas punitivas ou com investimento em recursos de denúncia dentro dos jogos. Para Ingrid Spangler seria bastante eficiente se as desenvolvedoras implantassem uma função de incluir gravações nas conversas dos jogadores nas denúncias.

“A #mygamemyname fomentada por um não descaso por parte das empresas e desenvolvedoras com o sistema de denúncia, contribuiria para o aumento de integrantes da comunidade gamer feminina. Mais e mais mulheres vão descobrir que estavam jogando com outras mulheres e nem sabiam, porque as outras jogadoras estavam se escondendo também, e isso vai permitir que elas interajam nos jogos e realmente aproveitem a experiência. Quanto mais, melhor.”

Já para Stephani Americo, as empresas possuem um papel essencial na mudança desse contexto e o mínimo que podem fazer é fornecer canais sérios e viáveis para denúncias.

“A falta de medidas é a pior medida. Impunidade só reafirma que esse comportamento é aceito. Permitir a presença de jogadores hostis só afastam outros jogadores que são hostilizados, então é mais do que justo aplicar medidas corretivas como o banimento temporário ou permanente.”

Além das soluções que estão nas mãos dos desenvolvedores e das empresas, Talita Halboth relembra ao público gamer:

“O gênero não interfere na habilidade. É ideal ter um pouco de empatia para entender que os ataques online sofrido pelas mulheres machucam.”

Outras alternativas?

A #mygamemyname vem se mostrando como um recurso bem recebido pela comunidade gamer. Além da campanha, há outras alternativas eficientes para a diminuição do preconceito e assédio no mundo dos games como, por exemplo, a criação de sites e blogs abordando o assunto através do olhar das mulheres, construindo uma comunidade de respeito, unida e sem preconceitos. Mas o maior incentivo para as moças jogarem, precisa partir delas mesmas. Stephani Americo lembra:

“O mundo é machista em muitas esferas, e isso só se estende aos games. Algo que faria diferença é começar a impor que você é gamer, e que sua opinião é tão relevante quanto a de qualquer um. Quando mulheres deixam de usar seus nomes nos jogos para não serem assediadas, não enfrentamos os agressores e deixamos que eles se acomodem em seu status. Precisamos cobrar maior representatividade nos jogos (personagens fortes e menos sexualizadas) e medidas punitivas para os jogadores que assediam jogadoras online.”

ACHOU A #MYGAMEMYNAME INTERESSANTE? SAIBA MAIS NO SITE OFICIAL:

 http://www.mygamemyname.com/

Escrito por:

4 Textos

Estudante de jornalismo, cacheada, vegetariana que é viciada em chá gelado e adora comida. Geralmente passa as horas vagas jogando no PC, lendo livros, assistindo documentários na Netflix e fazendo seu papel de otaku curtindo um anime ou mangá aleatório.
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