Gilmore Girls – Revival: a gordofobia em e os avanços que gostaríamos de ter visto

Gilmore Girls – Revival: a gordofobia em e os avanços que gostaríamos de ter visto

Todas sentimos falta das garotas Gilmore quando a série foi encerrada, em 2007. Na época, a produção levantou questões feministas que não eram muito comuns no audiovisual. A própria historia central da trama mostrava uma mulher que ficou grávida aos 16 anos e decidiu criar a filha sozinha, longe das abas generosas do pai e da mãe que tinham bastante grana.

Lorelai Gilmore (Lauren Graham) mudou-se para uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos, a ficticia Stars Hollow, e foi trabalhar em uma pousada. É nesse cenário que ela cria a filha Rory Gilmore (Alexis Bledel), uma garota prodígio e se relaciona com vários personagens da pacata cidadezinha. A independência de Lorelai, a amizade entre as mulheres da série, as relações conflitivas com a família por conta do posicionamento feminino na sociedade foram questões importantes levantadas pela série, no início dos anos 2000.

Por conta também dessas questões, houve muita expectativa sobre o revival, lançado em 2016, em quatro episódios de 90 minutos, pela Netflix, com produção da autora original original Amy Sherman-Palladino. Como estariam Lorelai, Rory, Luke Danes (Scott Patterson), Sookie St. James (Melissa McCarthy), Lane Kim (Keiko Agena), Emily Gilmore (Kelly Bishop), e todos os outros queridos personagens? Stars Hollow continuaria a mesma?

Sim, Stars Hollow tem um papel importante na série, chega a ser afetivo, é um personagem a mais. A prova disso é que a cidade cenográfica é visitada constantemente por fãs da Gilmore Girls, apesar de que vira e mexe é descaracterizada para as fillmagens de outras produções, como a também querida Pretty Little Liars (2010-2017).

Aviso: spoilers abaixo

Em uma recente pesquisa, realizada em uma das maiores comunidades de fãs da série no Brasil, “Gilmore Girls Brasil – Revival 2016”, na rede social Facebook, 51% das pessoas entrevistadas, a maioria mulheres entre 18 e 35 anos, gostou do revival e disse que as historias mostradas corresponderam às expectativas. Algumas fãs gostaram de ver Rory na crise dos 30 e também do casamento inusitado e intimista de Lorelai e Luke. Quem já tinha assistido antes lembrou de como se sentiu na época das primeiras temporadas.

Algumas mulheres que se identificavam com Rory nos anos 2000 agora se identificam mais com Lorelai. Muitas mataram a saudade também dos outros personagens, como Kirk Gleason (Sean Gunn), Miss Patty (Liz Torre), Paris Geller (Liza Weil), Michel Gerard (Yanic Truesdale) e Taylor Doose (Michael Winters).

Uma das conclusões da pesquisa é que séries como Gilmore Girls apelam para a memória afetiva da audiência e produzem engajamento através da identificação da/o espectadora/or com elementos semelhantes à vivência de cada uma/um. No entanto, algumas fãs reclamaram de como Rory perdeu “um pouco de caráter” ao aceitar ser “mais uma” na vida do ex-namorado Logan Huntzberger (Matt Czuchry) e ter um caso com um homem casado.

Lane Kim

Aliás, em algumas histórias das mulheres de Stars Hollow, o sexo é um assunto tabu, muitas vezes carregado com culpa ou julgamento. É o caso de Lane Kim. A melhor amiga de Rory é, sem dúvida, um dos personagens mais divertidos e interessantes da série. Ela é uma descendente de coreanos/as e vive com uma mãe tradicional, a senhora Kim (Emily Kuroda) que tenta impor costumes da cultura oriental à uma adolescente apaixonada por rock e que sonha em ser baterista. Lane tanto faz que consegue que a mãe aceite a opção de vida dela. No entanto, no quesito sexo, a mocinha era bem tradicional e “se guarda” para o casamento.

Na noite de núpicas com o marido Zack Van Gerbig (Todd Lowe) que também é músico, Lane engravida de gêmeos e acha a experiência sexual algo próximo de horrível. No final da sétima temporada, Lane incentiva Zack a tentar ser um astro do rock e ela fica na pequena cidade cuidando das crianças.

No revival, a irreverente baterista é agora uma mãe mandona, que não quer permitir que os filhos sigam nenhuma tradição. Ou seja, ela propõe exatamente o contrário da mãe, fazendo o mesmo que a senhora Kim fazia: controlar. Lane não parece infeliz, mas com certeza merecia uma história mais interessante do que a mostrada. Ela poderia, por exemplo, ter conseguido conciliar a vida de mãe com a de uma bem sucedida baterista e a de uma mulher sexualmente satisfeita.

A representação racial e LGBTQIA+

No entanto, o apesar de que o revival acerta em manter questões como a independência feminina, o fortalecimento de laços de amizade entre as mulheres da série e questionamentos sobre a posição social da mulher, alguns aspectos mereciam um tratamento mais moderno e progressista.

Por exemplo, em suas primeira temporadas, Gilmore Girls praticamente ignora a existência de pessoas LGBTQI. Apesar de aparentar que o personagem de Michel possa ser gay, ninguém nunca fala sobre o assunto e o recepcionista da Dragonfly Inn praticamente não tem vida sexual e/ou nunca fala sobre este assunto.

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No revival de Gilmore Girls, que poderia haver introduzido uma trama mais profunda sobre este aspecto, os personagens apenas falam e confirmam que Michel é homossexual. Mas, seu companheiro nunca aparece. Por outro lado, as pessoas da cidade comentam, na reunião comunitária, sobre o relacionamento entre duas mulheres sem que elas também sejam mostradas.

Os personagens continuam sendo maioritariamente brancos e não aparece ninguém com alguma discapacidade física. Estes aspectos poderiam ter sido desenvolvidos nas novas tramas mostradas. Seria gratificante para a audiência antiga, que estava revivendo emoções passadas e a nova que descobriu a série.

A gordofobia no revival de Gilmore Girls

O revival também tem algumas cenas que poderiam ser dispensadas, como uma em que Lorelai e Rory estão em uma piscina pública e dois meninos atrás delas seguram um guarda-sol, como na época da escravidão. Tudo bem que isso pode acontecer: moleques querendo um trocado. Mas, do jeito que aparece, as duas são mostradas como “branquelas-ricas-poderosas” exatamente o oposto da imagem de mulheres lutadoras e independentes que valorizam as outras pessoas e elas mesmas. Para pior ainda, é as duas fazem comentários maldosos e gordofóbicos contra um personagem gordo que aparece na piscina. Preconceito puro.

É interessante que as duas mulheres que comem tanta besteira a série toda nunca engordam. Ser magra ainda é o padrão e a mensagem. Quer dizer: você pode comer o que quiser desde que seja magra. Pelo menos, o personagem de Sookie salva um pouco essa parte. Ela é uma mulher gorda que não tem problemas em ser feliz.

Aliás, foi uma pena que o personagem de Sookie tivesse tão pouco destaque no revival. Melissa MacCarthy pode aparecer apenas um dia no set de filmagens e agradar a fãs da série. E essa aparição ficou muito aquém do esperado. Como melhor amiga, Sookie deveria estar no casamento de Lorelai, por exemplo.

Apesar de todos estes deslizes, Gilmore Girls foi uma série importante para muitas mulheres que se reconheceram em Lorelai e Rory e as outras personagens femininas de Stars Hollow. No entanto, se a criadora Amy Sherman-Palladino pensa em retomar as histórias dessas garotas, como já foi anunciado, deveria incorporar algumas mudanças na narrativa e trazer mais diversidade para essa divertida trama.

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Fontes:

  1. Castellano, Mayka e Meimaridis, Melina (2017). O consumo da experiência na ficção seriada televisiva: Gilmore Girls e a cidade de Stars Hollow. Revista Lumina, 11(2), 234-252. Universidade Federal de Juiz de Fora. Minas Gerais.
  2. Lenuzza, Nicolle Leal (2017). Memória afetiva e o engajamento de fãs na série Gilmore Girls. Artigo para Especialização em Cultura Digital e Redes Sociais. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Porto Alegre. Rio Grande do Sul.

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Apaixonada por tudo relacionado ao cinema e ao audiovisual. Gosta principalmente de ver mulheres fortes e felizes nas telonas e nas telinhas. Por isso, depois de trabalhar muitos anos em televisão, decidiu estudar mais sobre o assunto e fez um doutorado no tema pra ajudar na reflexão do papel da mulher no cinema, e poder dividir opiniões e pensamentos com mais apaixonadas/os como ela.
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