8 de março: 10 mulheres da América Latina que você precisa conhecer

8 de março: 10 mulheres da América Latina que você precisa conhecer

Se aqui no Brasil nós conhecemos pouco sobre a América Latina, imagina sobre as mulheres da América latina, que foram protagonistas dessa história. As primeiras biografias sobre mulheres latinoamericanas foram feitas no final do século XIX, começo do XX, quando o tema da independência ganhou importância. Maria Ligia Prado, no livro “América Latina no Século XIX: Tramas, telas e textos”, fala sobre os livros “mulheres célebres”, “mulheres patrióticas”, “mulheres ilustres”, que colocavam as mulheres em uma posição completamente patriótica, religiosa, sentimental, caridosa e sempre como um modelo de esposa e de mãe. Em nenhum momento foi levado em conta seu protagonismo nas lutas pela independência da América Latina, e muito menos as quebras de padrões religiosos e morais que fizeram para poder participar dos movimentos.

Confira aqui a parte 1

Um bom exemplo é de Maria Quitéria, que se vestiu com roupas masculinas para participar do exército nas lutas pela independência do Brasil, e foi somente descrita por “sentir seu coração arder pela pátria”. Já dizia Michelle Perrot (historiadora francesa autora de diversos livros sobre a história das mulheres), “O ‘ofício do historiador’ é um ofício de homens que escrevem a história no masculino”. E por isso, até hoje, muitas biografias reproduzem a lógica de exaltação da beleza, virtudes, heroísmo, sentimento materno, caridade, e outros códigos de comportamento “feminino”.

Em 2015, estudantes de Cinema da UNILA fizeram o “Manuelas”₄, curta documental sobre o apagamento do papel de mulheres na América Latina, tendo como ponto de partida Manuela Sáenz, que ocupou um papel revolucionário e acabou sendo lembrada apenas como “amante de Simón Bolívar”. O filme aproxima Manuela do contexto da mulher na sociedade contemporânea, onde ainda permanecem extremamente apagadas e descriminadas.

A historiografia de mulheres latinoamericanas continua não contemplando grande parte das diferentes realidades vividas pelas mulheres no território. E esse silenciamento e apagamento é sentido no dia a dia: seja em elementos físicos da cidade, como nome de ruas, praças, estátuas e avenidas, que levam em sua maioria nomes de homens políticos e generais, até as 5 horas em que passamos assistindo uma aula onde nenhuma mulher é citada.

Esse silêncio é mais uma violência de dominação branca masculina europeizada. O epistemicídio, como na definição de Renato Nogueira, professor de filosofia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), se constitui pela “colonização, o assassinato e a recusa da produção de conhecimento de determinados povos, no caso brasileiro, o negro e indígena”, e isso é um ato simbólico do feminicídio que mata ao menos 12 mulheres latino-americanas e caribenhas por dia², sendo o Brasil o primeiro no ranking de assassinatos de mulheres transgênero e travestis³.

Esta lista, com mais 10 mulheres latinoamericanas, é uma tentativa de fazer circular importantes biografias:

11 – Maria Victoria Santa Cruz – Peru

América Latina

Victoria Eugenia Santa Cruz Gamarra nasceu no Peru, no dia 27 de outubro de 1922. Foi poeta, coreógrafa, folclorista e estilista.

Iniciou a carreira em 1958, integrando o grupo Cumanana, ao lado do irmão mais novo, o poeta Nicomedes Santa Cruz Gamarra. Com uma bolsa do governo francês, foi estudar em Paris em 1961. Na capital francesa, criou os figurinos para montagens de El retablo de don Cristóbal, de Federico García Lorca, e La rosa de papel, de Ramón María del Valle-Inclán.

De volta à terra natal, fundou a companhia Teatro y Danzas Negras del Perú. É considera a difusora da cultura negra no Peru. É conhecida por interpretar o poema “Me gritaron negra”.

Excursionou pelos Estados Unidos em 1969, e depois foi nomeada diretora do Centro de Arte Folclórica de Lima. Dirigiu o Instituto Nacional de Cultura peruano entre 1973 e 1982. Foi professora da Universidade Carnegie Mellon.

Faleceu aos 91 anos, em Lima, no dia 30 de agosto de 2014.

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12 – Domitila Chúngara – Bolivia

América Latina

Domitila (1937 – 2012) foi uma líder trabalhista boliviana e feminista. Realizou greves contra a exploração dos trabalhos mineiros e derrubou uma ditadura na Bolívia. Em 1975, participou da Tribuna Internacional do Ano da Mulher promovida pelas Nações Unidas no México. De lá, nasceu o livro “Se me deixem falar, testemunho de uma mineira boliviana” organizado pela historiadora Moema Viezzer.

13 – Patricia Galvão, a Pagu – Brasil

América Latina

“Esse crime, o crime sagrado de ser divergente, nós o cometeremos sempre.”

Pagu nasceu no dia 9 de junho de 1910, em São João da Boa Vista, mas cresceu na capital de São Paulo. Foi uma escritora, poeta, diretora de teatro, tradutora, desenhista, cartunista, jornalista e militante política brasileira. Escandalizava os vizinhos com suas saias curtas e seu batom vermelho, em um tempo em que as mulheres deveriam ser reprimidas. Aos 15 anos, colabora para o Jornal do Brás. Aos 18, entrou para o movimento modernista.

Usou pseudônimos em toda a sua vida: na infância era chamada de Zaza, assinou seus primeiros poemas como Patsi e o seu romance Parque Industrial (1933, que denunciava as condições socioeconômicas em que viviam os proletários e desmistificar a posição doméstica das mulheres.) com o nome de Mara Lobo e Ariel em seus artigos no jornal A Noite.

Ao participar da organização de uma greve de estivadores em Santos, Pagu foi presa pela polícia de Getúlio Vargas. Era a primeira de uma série de 23 prisões, ao longo da vida. Logo depois de ser solta, em 1933, partiu para uma viagem pelo mundo, deixando no Brasil o marido e o filho. Em 1935, foi presa em Paris como comunista estrangeira, com identidade falsa, sendo repatriada para o Brasil. Ao retomar sua atividade jornalística, foi novamente presa e torturada pelas forças da Ditadura, ficando na cadeia por cinco anos.

Faleceu no Brasil, no dia 12 de dezembro de 1962, em decorrência de câncer.

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14 – Alfonsina Storni – Argentina

América Latina

Nasceu em Sala Capriasca, na Suíça, no dia 29 de maio de 1892. Filha de pais argentinos, imigrou com sua família para a província de San Juan na Argentina, em 1896. Em 1901, mudou-se para Rosario, (Santa Fé), onde passou por muitas dificuldades financeiras.

Ao longo de sua vida, Alfonsina trabalhou em fábricas e participou de reivindicações sociais, se inserindo no meio anarquista. Foi atriz, atuando em diversas peças na Argentina. Colaborou regularmente nas revistas Mundo Rosarino e Monas y Monadas. Com dezenove anos, começou a carreira de professora. Na mesma época foi vice-presidente do Comitê Feminista de Santa Fé.

Seus primeiros livros de poemas foram La inquietud del Rosal, El dulce daño e Irremediablemente. Entre outros livros, destacam-se entre suas obras Ocre), El Mundo de Siete Pozos e Mascarilla y trébol.

Em 1935, descobriu-se portadora do câncer de mama. Em 1938, três dias antes de se suicidar, envia de um hotel de Mar del Plata para um jornal, o soneto “Voy a Dormir”.

Suicidou-se andando para dentro do mar — o que foi poeticamente registrado na canção “Alfonsina y el mar”, gravada por Mercedes Sosa; seu corpo foi resgatado do oceano no dia 25 de outubro de 1938. Alfonsina tinha 46 anos.

15 – Arlen Siu – Nicarágua

América Latina

Arlen Siu Bermúdez (1955 – 1975) Foi uma guerrilheira revolucionária. Filha de mãe nicaraguense e de um pai com descendência chinesa. Foi assassinada no combate contra a guarda nacional de Nicarágua no dia 1 de agosto de 1975. Se tornou uma das primeiras mulheres mártires da revolução sandinista.

16 – Rigoberta Menchú – Guatemala

América Latina

Rigoberta Menchú Tum nasceu em El Quiché, na Guatemala, no dia 9 de janeiro de 1959. É uma indígena guatemalteca do grupo Quiché-Maia.

Foi contemplada com o Nobel da Paz de 1992, pela sua campanha pelos direitos humanos, especialmente a favor dos povos indígenas, sendo Embaixadora da Boa-Vontade da UNESCO e vencedora do Prêmio Príncipe das Astúrias de Cooperação Internacional. Filha de Vicente Menchú Pérez, ativista em defesa das terras e dos direitos indígenas e de Juana Tum Kótoja, parteira indígena.

Ganhou o Nobel em reconhecimento aos seus trabalhos por justiça social e étnico-cultural baseado no respeito aos direitos dos povos indígenas.

Na leitura do prêmio, reivindicou os direitos históricos negados aos povos indígenas e denunciou a perseguição sofrida desde a “descoberta” do continente americano por Colombo.

Ficou muito conhecida por seu livro biográfico de 1982-83 “Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la conciencia” (Me chamo Rigoberta Menchú e assim me nasceu a consciência). O livro foi escrito por Elisabeth Burgos, a partir de entrevistas com Rigoberta. Neste livro, Rigoberta explica como iniciou a vida como trabalhadora numa plantação de café aos cinco anos de idade, em condições tão péssimas que foram a causa da morte de seus irmãos e amigos.

Quando adulta, participou em manifestações de protesto contra o regime militar por seus abusos contra os direitos humanos. A Guerra Civil da Guatemala aconteceu entre 1962 e 1996, embora a violência tenha se iniciado antes deste período. As ameaças de violência forçaram-na ao exílio no México, em 1981. Neste mesmo ano seu pai foi assassinado na embaixada espanhola na cidade da Guatemala. Em 1991, participou da elaboração da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas pela ONU.

17 – Ana Mendieta – Cuba

América Latina

Ana Mendieta (18 Novembro 1948 – 8 Setembro 1985) foi uma artista plástica que participou do movimento feminista de artistas dos anos 70 nos Estados Unidos.

Mendieta nasceu em Havana, Cuba. Aos 12 anos ela e sua irmã Raquelin foram mandadas para os Estados Unidos por seus pais, fugindo do governo de Fidel Castro, a partir de um programa colaborativo entre o governo americano e a igreja católica, chamado de Operação Peter Pan. As duas irmãs então viveram entre diversas instituições, orfanatos e casas em Iowa durante a adolescência.

Ana estudou artes plásticas na Universidade de Iowa, onde iniciou sua pesquisa. Sua obra transita entre questões de gênero, nacionalidade, raça e exílio.

Estabeleceu seus trabalhos inicialmente nos próprios EUA e no México, e depois em Cuba. Suas obras frequentemente buscaram fugir do contexto urbano, estabelecendo relações concretas entre corpo-meio junto à natureza e/ou a espaços rituais – como no caso das ruínas pré-hispânicas mexicanas.

Ana Mendieta teve uma morte trágica e polêmica. Morreu aos 37 anos. Seu corpo caiu da janela do 34° andar de seu apartamento. Todas as evidências indicam que Ana foi assassinada por seu marido Carl Andre, que a teria empurrado da janela após uma discussão. Não ouve testemunha visual, entretanto, ouviram a artista gritando “não” diversas vezes logo antes de sua queda, além de marcas de unha recém feitas nos braços de Carl Andre. Protegido, entretanto, pela comunidade artística, ele foi absolvido e o inquérito policial decidiu concluir que Ana havia se suicidado.

Inconformadas, as artistas feministas da época mantiveram protestos por um bom tempo, chegando a invadir a abertura de uma exposição no Guggenheim onde havia uma obra de Carl André, aos gritos de “Onde está Ana Mendieta?”. Ao chegarem diante da obra dele, as mulheres jogaram sobre ela diversas imagens de Ana.

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18 – Juana Inés de la Cruz – México

América Latina

De origem indígena e espanhola, foi uma religiosa católica, escritora, poeta e dramaturga autodidata.Quase foi levada à fogueira por sua resistência frente às regras que regiam a vida das mulheres dentro e fora da Igreja.

Nascida em Nepantla, no México, em 1651, e falecida em 1695, Juana Inês de Asbaje y Ramírez de Santillana entrou para a história como Irmã (Sóror) Juana Inês de La Cruz, uma freira da Ordem das Jerônimas. Seus poemas e suas peças de teatro sobre variados temas, eram consumidos pela corte espanhola e também pelos vice-reis que governavam a Nova Espanha, como se intitulava o México de então. É considerada a primeira poeta de língua espanhola na América.

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19 – Dolores Cacuango – Equador

América Latina

Pertencente ao povo Kayampi, nasceu em 26 de outubro de 1881, na província de Pichincha, no Equador.

Cresceu como camponesa, em meio a pobreza. Aprendeu a ler e escrever depois de adulta. Trabalhou como empregada doméstica até aos 30 anos de idade. Ao integrar o movimento indígena, logo tornou-se uma líder, lutando pela reforma agrária. Em 1944, fundou a primeira organização indígena do Equador, a Federação Equatoriana de Indígenas (FEI). Criou a primeira escola bilíngue do Equador (quíchua-espanhol). Fundou as principais associações para mulheres indígenas do país e por isso foi perseguida e reprimida. Teve sua casa e suas escolas queimadas, conseguindo escapar disfarçada. Faleceu em 1971, sozinha, doente e esquecida.

20 – María Cano – Colombia

América Latina

María de los Ángeles Cano Márquez nasceu em Medellín, Colombia, em 1887. De uma família de educadores, jornalistas, artistas, músicos e poetas, María foi autodidata e teve sua formação primária com bases no pensamento independente e livre.

No começo dos anos 20, foi a única mulher jornalista de revista Cyrano. Escrevia poesias e em 1924, fundou uma biblioteca popular gratuita. Assim começou sua aproximação com a vida dos artesão e trabalhadores da cidade, que em maio de 1925, a proclamara “Flor do Trabalho”, uma das formas da época de se exaltar as mulheres nos eventos populares.

É considerada a primeira mulher líder política na Colombia, participando ativamente da luta por direitos civis fundamentais para a população e pelo direito dos trabalhores assalariados. Organizou as convocações e agitações das greves obreras. Também foi responsável, em 1926, pela preparação do III Congresso Nacional Obrero, onde participou de forma decisiva na fundação do Partido Socialista Revolucionário (PSR).

Chegou a ser presa, em 1928, após uma greve de trabalhores ser reprimida violentamente, na cidade de Ciénaga, Magdalena.

Morreu sozinha, no dia 26 de abril de 1967.

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Muitas dessas mulheres lutaram pela independência de seus corpos e de suas comunidades. Muitas lutaram pela por terra e por direitos básicos. Algumas usaram sua voz em canções e discursos, outras fizeram greve de fome. E apesar dos diferentes períodos históricos e das diferentes localidades, todas carregavam no corpo uma longa batalha contra as forças patriarcais e coloniais.

Essa lista faz parte do conteúdo do projeto As Mina na História, que desde de 2015 divulga por meio das redes sociais as histórias do protagonismo de mulheres que mudaram o mundo e mesmo assim acabaram apagadas e minimizadas da história.


Texto da autora convidada Sigrid Beatriz Varanis Ortega, estudante de História da América Latina e fundadora do projeto As Mina na História.
Notas:
  1. Os Excluídos da História. Operários, Mulheres e Prisioneiros, de Michelle Perrot, Denise Bottmann, Editora Paz e Terra
  2. BBC “País por país: el mapa que muestra las trágicas cifras de los feminicidios en América Latina”: http://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-37828573
  3. Correio Brasiliense “Brasil lidera ranking mundial de assassinatos de transexuais” http://especiais.correiobraziliense.com.br/brasil-lidera-ranking-mundial-de-assassinatos-de-transexuais
  4. Manuelas – feito por Camila Ribeiro, Carolina Villalba, Cristiano Sbardelotto, Felipe Oliveira, Letícia Cristina, Luiza Monteiro, Maria Mattos e Maria Garcia. Disponível em: https://unila.edu.br/uplay/manuelas/
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