Infelizmente, não é todo mundo que conhece Maya Angelou. A não ser por menções em RuPaul Drag Race ou nos livros da Djamila Ribeiro, ela não é um dos nomes que ouvimos falar com frequência, apesar de ter sido uma das poucas mulheres negras a alcançarem a fama, em plena época de segregação racial nos Estados Unidos.
A história de Maya é memorável e a sua arte é pura, tocante e fortalecedora. Por tal motivo, Mamãe & Eu & Mamãe é um livro que precisa ser lido. Primeiro, porque é um dos poucos livros da autora traduzidos para o português e, segundo, porque nesta autobiografia, ela traça um panorama geral não só da sua história, mas também da história da sua mãe, Vivian Baxter.
“Com frequência me perguntam como consegui vir a ser o que sou. Como eu, nascida negra num país branco, pobre numa sociedade em que a riqueza é adorada e buscada a todo custo, mulher em um ambiente que apenas grandes embarcações e algumas locomotivas são favoravelmente descritas com o pronome feminino – como consegui tornar-me Maya Angelou?”
Nascida Marguerite Annie Johnson, em 1928, Maya Angelou faleceu em 2014, deixando para nós um legado imensurável. Foi dançarina, cantora, atriz, escritora, ativista e cineasta. Sua trajetória e sua vida pessoal são contadas neste livro, de 176 páginas, que parecem ser poucas diante de sua grandeza. Lançado pelo selo Rosa dos Tempos, ele é separado em duas partes, onde em “Mamãe & Eu” ela nos traz relatos – em primeira pessoa – da sua vida, para logo em seguida, em Eu & Mamãe, nos apresentar um panorama mais voltado e nos falar mais sobre a sua querida Lady (como passou a chamar sua mãe, Vivian Baxter, após o doloroso reencontro delas).
A trajetória de Maya é marcada por fortes violências que se iniciam logo na sua infância com o racismo cotidiano; o estupro aos 7 anos de idade, que a ocasionou parar de falar por ao menos 5 anos; e o abandono dos pais. Mas a história de Maya não se resume a apenas isso. Se pudéssemos resumir a sua vida em uma palavra, ela seria: resistência. Não à toa, um de seus mais memoráveis poemas é “Still I Rise / Ainda assim eu me levanto” (tradução livre):
“[…]You may shoot me with your words,
You may cut me with your eyes,
You may kill me with your hatefulness,
But still, like air, I’ll rise.”
“[…] Você pode me atirar com suas palavras,
Pode me cortar com seus olhos
Pode me matar com seu ódio,
Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar. ” (tradução livre)
Em Mamãe & Eu, Maya nos abre o quão difícil foi o seu reencontro e reconciliação com Vivian Baxter. Vivenciar o abandono maternal foi algo muito doloroso para Maya, e ao se reaproximar da sua mãe fez sangrar feridas que ainda estavam abertas e sequer haviam começado a cicatrizar. Foi o amor incondicional de Vivian que lhe permitiu ser perdoada e que permitiu, a Maya, sobreviver. Quando falamos de sobrevivência, não nos referimos ao sentido poético ou metafórico do termo. Este eufemismo não é uma realidade quando se é mulher, negra e mãe solo, com 2 empregos. Sobreviver não é poético quando falamos de racismo, abuso e violência doméstica. Sobreviver, para Maya, era, literalmente, continuar viva.
“[…] Tentei andar até ele, mas minhas pernas não sustentavam o meu corpo. Ele me virou de costas. Então, deu uma pancada com o sarrafo na parte de trás da minha cabeça. Desmaiei e, quando voltei a mim, vi que ele continuava a chorar. Ele continuou me espancando e eu continuei desmaiando.”
Vivian Baxter apoiou Maya em tudo e, muitas vezes, foi quem a salvou de situações como a narrada acima. Quando falamos que o amor incondicional de Vivian salvou Maya, é porque foi um amor genuíno, puro e sempre presente, ainda que somente demonstrado após o reencontro de ambas. A querida Lady nunca julgou Maya, nem pela gravidez “precoce”, nem pelos relacionamentos complexos ou a vida como dançarina em uma boate de strip-tease. Assim como seu amor, seu apoio era incondicional e é isso que vemos mais fortemente em Eu & Mamãe.
“[…] Não estou surpresa. Você está indo longe neste mundo, meu amor, porque ousa se arriscar. É isso o que você tem de fazer. Você está preparada para dar seu melhor, mas também sabe que, se não der certo, a única coisa a fazer é tentar mais uma vez.”
Vivian Baxter foi uma mulher incrível e, assim como Maya, também era ativista. Teve lá seus defeitos, mas quem é perfeita, afinal? Fundou e dirigiu a organização Stockton Black Women for Humanity, que tinha como escopo conceder auxílios e bolsas de estudos para alunos(as) negros(as) do ensino médio. Além disso, Vivian foi integrante de várias outras organizações não só em prol da população negra, mas também dos brancos e pobres.
“Perguntei: “Por quê, Mãe?” […] “Por que você quer se aventurar no mar?”. “Porque me disseram que nenhuma mulher pode participar do sindicato deles. Insinuaram que o sindicato com toda certeza não aceitaria uma mulher negra. Eu disse: ‘Querem apostar?’ Vou enfiar o pé na porta deles e só tirar depois que todas as mulheres puderem entrar nesse sindicato, embarcar num navio e ir para o mar.”
É difícil traduzir em palavras o quanto Mamãe & Eu & Mamãe é lindo e simbólico. O livro é uma lição de amor e resistência que nos leva a uma catarse incontrolável de sentimentos. Poderíamos escrever mais 20 mil caracteres aqui, sem, no entanto, dar as honras merecidas. Por isso, a única coisa que podemos dizer, então, é que ele merece ser lido e relido e que Maya Angelou e Vivian Baxter merecem ser conhecidas e lembradas.
Para além do livro, indicamos que assistam ao documentário Maya Angelou, e ainda resisto, da Netflix. O documentário é bem visceral e percorre a vida e obra da autora. Preparem os lencinhos e um caderno de anotações, pois vocês vão precisar!
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Mamãe & Eu & Mamãe
Maya Angelou
Rosa dos Tempos
176 páginas