Transformers deve ser a franquia mais mal falada, além da que mais (re)produz os estereótipos de gênero, tanto no sentido de objetificar as mulheres, como no de enaltecer a masculinidade tóxica dos homens. Além disso, ela usa uma fórmula infalível, numa sociedade cujo dualismo do rosa/ azul e boneca/carro reinam: coloca todos os ingredientes do imaginário masculino em um só lugar, numa explosão de testosterona.
Claro que apesar do apelo da fórmula ser forte, ele por si só não foi capaz de salvar os filmes por muito tempo, já que os roteiros são um fiasco e o público, por nostalgia ou esperança, só continuou indo aos cinemas porque foi iludido pelos trailers bem editados. No entanto, independentemente do sucesso/fracasso dos filmes da franquia, a Hasbro lucrou fortunas com a venda de produtos e brinquedos associados aos robôs alienígenas que mexeram com o imaginário das crianças ao longo desses 11 anos da franquia, o que pode ter sido a justificativa da repetição da fórmula sem qualquer preocupação.
Ocorre que recentemente tivemos algumas rupturas em Hollywood e as mulheres começaram a ter, após muita luta, as suas demandas (seculares) por espaço e representação/representatividade finalmente atendidas. Com isso, tivemos grandes franquias como Star Wars respondendo a esta demanda com protagonistas incríveis como a Rey (Daisy Ridley). Claro que a “mão invisível” do capitalismo nerd está por trás de tudo isso, mas é inegável que tais mudanças, como o filme Mulher-Maravilha da DC (filme com um dos maiores orçamentos já dirigidos por uma mulher) são necessárias e urgentes. Talvez por isso, a Paramount Pictures e a Hasbro Company repaginaram a franquia de Transformers com Bumblebee.
Bumblebee é a verdadeira representação da quebra de paradigma em Transformers. Em primeiro lugar, é a primeira vez em que a franquia tem uma mulher como roteirista, a responsável pela história incrível e nostálgica é Chistina Hodson [também roteirista do novo filme “Aves de Rapina” (2020): Birds of Prey (And the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn)]; em segundo lugar, também é a primeira vez na franquia que temos uma garota como protagonista, a Charlie Watson (Hailee Steinfeld) e uma mulher como supervilã, a Shatter (interpretada pela incrível Angela Bassett).
A história de Bumblebee, que começa em 1987, flerta muito E.T., do Spielberg, pois nos remete aos anos 80, envoltos num clima inebriante de nostalgia, onde um robô alien depende da ajuda de uma terráquea para salvar o mundo. O reboot parece não só voltar no tempo para recontar a origem de Transformers, mas também para se reconciliar com o público, principalmente o feminino.
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O roteiro do filme faz tudo fluir naturalmente, desde como Charlie entende tudo de mecânica de carros, até a sua ligação afetiva com eles e de como ela encontra Bumblebee. O filme em si é um prisma de sentimentos, pois vai do humor leve e divertido a situações fortes e emocionantes. Isto porque, ao mesmo tempo em que Charlie precisa lidar com os conflitos da adolescência e sua “nova” família, ela enfrenta o luto do pai. E é neste momento em que a sua relação e amizade com o robô ganha forças.
Além disso, os romances ou perspectivas de romances do filme são retratadas de uma forma bem honesta, sem desfechos dramáticos exacerbados ou contos de fadas da Disney, tornando a experiência o mais real possível.
Outro ponto que merece menção honrosa no filme é o Agente Burns (John Cena), que é uma sátira incrível de um típico personagem militar machão dos filmes de ação, o que foi uma saída de roteiro muito inteligente, pois manteve um personagem padrão necessário, mas o caracterizou de forma que a sua presença fosse uma crítica a si mesmo. Apenas genial!
Por essas e tantas outras coisas, Bumblebee mostra como o girl power salvou a franquia e que é possível usar estereótipos de forma inteligente através da crítica. Isso tudo sem perder o humor, a sensibilidade e muita ação.
Um dos maiores erros dos filmes de ação, que usam a fórmula, é o pensamento de que não é possível ter mulheres sem colocá-las na geladeira, ou ter humor sem ser machista. Bumblebee é a prova de como tudo isso é possível e abriu portas que não poderão mais ser fechadas!