Quatro décadas. Três trilogias. O fim de uma era. “A Ascensão Skywalker” já marcou a história do cinema e a vida de muita gente, mesmo que seu lançamento mal tenha começado a andar e esses sejam seus primeiros passos nas semanas que devem ditar sua performance com o público.
A Ascensão Skywalker para os fãs, pelos fãs
Quando conversamos sobre Star Wars, falamos de uma franquia cultural elevada a um patamar quase religioso. E essas não são palavras ditas ao vento mas entoadas pelo próprio J.J. Abrams — foram usadas como um alerta para Daisy Ridley quando esta ainda era um rosto novato na mitologia espacial.
Abrams queria atentar a atriz para o fato dos fãs e a mídia não tratarem Star Wars da mesma forma que se comportam com a maioria dos grandes universos, e isso ficou bem explícito durante cada novo lançamento dessa empreitada. Isso já está claro, também, na esmagadora repercussão envolvendo o desfecho da família Skywalker, cuja recepção inicial é bem polarizada, mas alertamos desde já que aqui você não encontrará spoilers. Vamos analisar o filme de forma objetiva mas sem entregar pontos importantes para não interferir em suas surpresas.
Além disso, é estritamente necessário pontuar que não importa muito os rumores chegando em seus ouvidos: vivencie a experiência no cinema. Pois o fim de uma jornada com tanto impacto emocional precisa ser consumida em sua melhor forma, e “Ascensão Skywalker” (no original, “The Rise of Skywalker”) simplesmente te devora do começo ao fim.
De ritmo intenso e ação gloriosa, nada pode substituir essas sensações que estar na poltrona do cinema podem amplificar. A qualidade do som, das imagens, tudo aqui foi pensado em níveis grandiosos. Então, se possível for, vá sem medo, pois mesmo que a resolução não seja do seu agrado… Gostamos de imaginar que sempre quando possível, devemos nos proporcionar essas pequenas experiências. Pequenos prazeres.
A fuga de “Os Últimos Jedi”
Nada parece capaz de desacelerar o ritmo de Ascensão uma vez que ele desengata. Ação e aventura são as palavra-chave desse episódio que não parece disposto a tomar fôlego ou dar oportunidade ao espectador de sorrir, sentir alívio, dor ou perda após cena alguma. O filme perde valor emocional nessa maratona pelo tempo que pensa ter perdido em “Os Últimos Jedi”, pois ao final de tanto impacto a sensação de torpor pode ser uma das reações mais comuns.
Outro impacto de via dupla foi uma aposta arriscada de Abrams e Terrio: investir em nostalgia é bom, respeitar o legado é saudável e apropriado, porém mastigar a nostalgia a ponto dela invadir preciosas cenas de valor emocional dos novos personagens, apenas para ensinar lições de moral vindas da geração passada, não cai muito bem. Corta a emoção do momento, a evolução do personagem e o peso da mensagem que o transmissor queria passar. Existem instantes mais apropriados para nos provocar saudosismo, e infelizmente Abrams e o roteiro parecem fora do ritmo para provocar lágrimas.
Entretanto, se lágrimas faltam, risos chegam aos lábios com tranquilidade: O filme é bem alegre em seus dois primeiros atos. Principalmente nas interações de Poe Dameron, Finn e C3-PO. Chewbacca também merece uma bela menção aqui. Este provavelmente é o melhor momento de Oscar Isaac em Star Wars, onde o ator consegue usar do seu charme e carisma para chamar atenção em quase todas as cenas que participa. Ele e John Boyega funcionam de maneira fácil, leve, divertida. E os dois parecem navegar a relação de seus personagens sem o menor problema.
Além disso, é compreensível o desânimo de Oscar com a falta de comprometimento da Disney em tornar Poe um personagem da comunidade LGBTQ+: ele e Finn funcionam de maneira excepcional. (Isso não chega a ser spoiler, pois essa entrevista de Oscar Isaac foi concedida bem antes da estreia do filme).
Fanservice
Existe um acontecimento em “A Ascensão Skywalker” que vai de encontro a todos os discursos práticos feitos pelo elenco e diretor durante as promoções: escolhas seguras feitas para agradar um público decepcionado por “Os Últimos Jedi”. Não que eles abandonem todas as escolhas feitas no filme anterior, mas parte crucial da ousadia em se afastar da trilogia original é jogada numa viagem nostálgica de duas horas e meia.
Temos participações especiais, momentos tocantes capazes de arrancar sorrisos genuínos e a mais pura sensação de voltar para casa, além de outros que beiram um sentimento completamente oposto. Ao tentar trazer de volta para a demográfica de Star Wars um grupo que já tinha se afastado dos filmes, Abrams aliena aqueles que tinham adorado e investido seu tempo na nova trilogia, o público interessado em saber mais sobre as novas mitologias e novos personagens. Isto porque momentos que poderiam ser preciosos para o emocional dos novos personagens são apressados em prol de nostalgia ou novas sequências de aventura.
A única que escapa mais ou menos ilesa é Rey. Daisy Ridley irradia uma força que tinha contido nos outros episódios por estar sempre em busca de um mentor não compatível. Aqui, Rey é sua própria bússola e arranja um tutorado magnífico, numa escolha que deve emocionar muita gente. Pode irritar alguns, mas estamos falando de Star Wars, então simplesmente não existe uniformidade nas opiniões. Para nossa infelicidade, nem tudo é celebração e o mesmo tempo de tela que privilegia Rey com memoráveis cenas também faz algumas escolhas que vão provocar debate por um longo tempo.
Leia também:
>> Masculinidade em pauta no universo de Star Wars
>> Rey: força motriz, protagonismo e renovação!
>> O legado de Leia Organa
Em contraponto, algo que não vai se manter na memória popular foi o apego na estrutura de pequenas missões levando para a grande missão final. Tais aventuras não são o ápice do filme. O Capítulo IX sofre com a síndrome de quests sucessivas feitas para manter os personagens em movimento e eventualmente alinhar todos eles, mas nem todas elas tem algum tipo de recompensa emocional e muito do tempo usado poderia, talvez, acabar investido no desenvolvimento de personagens que ficaram sem a devida atenção. E o motivo para falta de atenção?
Bom, a melhor teoria é aquela onde talvez tenham cedido demais a um determinado grupo que reclamou que certos personagens eram inúteis. Um dos infortúnios com a obsessão em livrar-se do estigma criado pelo último Episódio foi bastante negativo: Kelly Marie Tran teve seu tempo de tela drasticamente reduzido.
Por outro lado, Naomi Ackie e Kerry Russell conseguem usar seu tempo de maneira bem eficaz. Jannah, principalmente, é uma personagem que desperta bastante interesse logo de imediato e inspira força e simpatia nas telas. Sua performance carismática é suficiente para deixar uma impressão e lamentar que tenha sido introduzida apenas na reta final.
Lightsabers, on!
Para os interessados em assistir batalhas e entraves de lightsaber: “A Ascensão Skywalker” é seu filme. Os usuários da Força misturam suas habilidades com os sabres e incríveis movimentos de seus poderes, as batalhas entre as naves são épicas, a dinâmica de grupo é muito bem trabalhada e todos parecem confortáveis nos papéis que desempenham no último ato da guerra.
Daisy Ridley e Adam Driver manejam seus suas armas não apenas com habilidade mas também existe neles um quê de fúria, uma grave energia em seu estilo de batalha muito mais semelhante por vezes ao de Anakin que de Luke Skywalker. O legado daquele que antecedeu Darth Vader traz suas ramificações e surpresas para o filme, além de diversos paralelos que podem ser traçados pelos mais atentos – outros detalhes são bastante expositivos, não sendo necessário conhecimento da história para associar com sucesso.
Em muito Kylo Ren/Ben Solo se assemelha ao seu avô Darth Vader/Anakin Skywalker e agora o audiovisual parece finalmente interessado em dar algum contexto ao background de Ren, coisa que só acontecia nos livros e nos quadrinhos.
Driver, aliás, consegue usar muito do talento que o coloca como frontrunner do Oscar 2020 em Kylo Ren e suas importantes cenas emocionais. Ele e Ridley são bem semelhantes na escolha que fazem para os seus personagens, onde ambos falam muito mais quando a emoção, seja ela positiva ou negativa, parece forte demais e prestes a quebrá-los no meio.
A resistência em A Ascensão Skywalker
Mesmo Rey partindo em suas jornadas solitárias como de costume, fãs que sempre sonharam com Poe, Finn e Rey se comportando como um trio, finalmente foram ouvidos. Existe um salto de tempo implícito onde fica fácil perceber o quão familiarizadas eles ficam um com o outro, confortáveis em discutir, celebrar e buscar apoio quando preciso. Tornam-se uma unidade que funciona por conta da competência dos atores, uma vez onde o terreno comum mais forte era o amor que ambos nutriam por Finn.
A dinâmica entre Rey e Poe, aliás, acaba sendo um dos pontos que o filme usa para distrair e quebrar o padrão tenso e ininterrupto – ambos não cedem, tem uma personalidade forte, e Dameron ainda tem aquela dose de arrogância que disfarça com charme. Mas Finn está lá para ajudar seu melhor amigo com isso e colaborar com sua evolução.
O ex-stormtrooper, aliás, ganha no terceiro ato uma sequência incrível apenas dele e que mostra o quanto deveriam estar aproveitando mais desse Finn desde cedo. Junto com o trio, vemos Chewie, R2D2, BB8 e C3-PO. É um belo grupo que traz bastante leveza, emoção e provoca aquela vontade de sorrir quando olhamos para a tela. São prejudicados, porém, pelo ritmo frenético de Abrams e os cortes sem fim.
Epílogo
42 anos de Star Wars nos cinemas. Um legado para além de qualquer medida. Esses personagens vão permanecer na imaginação da audiência por anos— e talvez um dia a saga Skywalker ainda seja ressuscitada. Independente do que esteja por vir ou de como nos sentimos diante de uma trilogia específica, o ponto de equilíbrio é encontrar algo que te toca. Que ressoa dentro de você. Star Wars nunca foi sobre a história e sua perfeita elaboração, mas sobre personagens que defendemos com unhas e dentes, sobre finais decepcionantes para uns e incríveis para outros.
A Galáxia tão distante é repleta de indivíduos plenos em coragem, bondade, vilania, dualidade, amor, coragem, queda ou busca por redenção. Sempre haverá algo positivo a ser dito mesmo quando o fim parecer obscuro ou fora do tom. Bom ou ruim: a despedida nunca é agradável para todos. O que podemos fazer é lembrar dos erros do passado, e caso a resposta não seja positiva, lembrem-se de tudo negativo que ocorreu após os filmes de Hayden Christensen.
Não há espaço para repetição de tamanha negatividade. E se a resposta for amor, que se espalhe, sempre respeitando a opinião de quem pensa diferente. Parece tolo falar sobre isso, mas quem vive nesse universo sente na pele quanta desesperança pode caminhar no fandom de Star Wars. Vamos comemorar o desfecho da saga de tantos personagens celebrando os que nos tocaram! E que a Força esteja com todos eles. Até a próxima jornada.
(Em breve, quando mais pessoas assistirem ao filme, faremos crítica com spoilers para discutir os tópicos abertamente.)