A Noite do Tigre: uma aventura mística na Malásia

A Noite do Tigre: uma aventura mística na Malásia

Localizada no sudeste do continente asiático, a Malásia conquistou sua independência nos anos 50 e constituiu-se como o país conhecido hoje apenas em 1963. Antes disso, até 1948, existia a Federação Malaia, união de 11 regiões dominadas pelo império britânico desde 1786. Chamada antigamente apenas de “Malaia”, um de seus símbolos é o tigre, animal presente nas lendas locais. 

É no ano de 1931 e dentro dessas circunstâncias que desenvolvem-se as tramas do romance A Noite do Tigre, de Yangsze Choo, lançado no último ano pela editora Darkside Books e traduzido por Aline Naomi. A história dispõe de duas linhas narrativas com protagonistas distintos, que esbarram-se devido a um objeto muito cobiçado: um dedo humano, amputado e seco, preservado em um vidro de amostra. O encontro entre os personagens revira o mistério e inicia uma aventura perigosa.

Conhecendo os protagonistas: a promessa de Ren…

A Noite do Tigre, de Yangsze Choo

No primeiro capítulo, narrado em terceira pessoa, a história introduz o menino Ren. Apesar da pouca idade, ele trabalha sozinho na casa do dr. MacFarlane, um velho médico estrangeiro que está muito doente. Antes de sua morte, o mestre atribui a Ren uma tarefa importante: o garoto deve recuperar um dedo perdido pelo homem e enterrá-lo em seu túmulo em até 49 dias, para que sua alma possa descansar. 

Após o falecimento de MacFarlane e incumbido de sua nova missão, Ren é transferido para a casa de outro médico, que será seu novo mestre. William Acton é cirurgião no hospital de Batu Gajah e um homem com um passado misterioso em outro país. Solteiro, ele vive com mais um criado e abriga o jovem que o servirá sem saber de seu afazer fúnebre. 

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Assim como Acton, Ren também é extremamente ligado ao seu passado. Órfão, seu irmão gêmeo Yi faleceu quando era mais novo e constantemente habita os sonhos de Ren. Preso ao irmão perdido e sua obrigação com o primeiro mestre, o menino é inteligente e sagaz e apesar de cauteloso, não mede esforços para cumprir sua promessa. 

…e a missão de Ji Lin

O capítulo seguinte traz Ji Lin, uma jovem que sonha com a sua independência. Após perder o pai, sua mãe casa-se novamente com um vendedor também viúvo. Seu padrasto, um homem sério e rígido, cria sozinho seu filho Shin e com a união, os quatro passam a viver como uma família. Ji Lin almejava ser professora ou enfermeira, mas a visão machista de seu padrasto a proíbe. Ela consegue então ser aprendiz de costureira em Ipoh, enquanto sua família vive em Falim. No entanto, uma dívida de sua mãe torna o caminho para a sua libertação mais complexo.

Para ajudar sua mãe a pagar as dívidas com mahjong, um jogo de mesa de origem chinesa, Ji Lin começa a trabalhar escondida em um clube de dança como instrutora. Sob o pseudônimo de Louise, é paga para dançar com desconhecidos e é em um desses encontros breves que ela furta um frasco do bolso de um cliente. Ao se deparar com o conteúdo do recipiente – um dedo humano – ela faz de tudo para se livrar dele. Sem poder contar o que fez, Ji Lin recorre a Shin, seu meio-irmão que saiu de casa para estudar medicina em Singapura, unindo os dois novamente e iniciando uma série de incidentes para devolver o dedo ao dono. 

A ameaça do tigre e a filosofia local

É com essa premissa de “um procura, o outro encontra” que a trama de A noite do tigre cresce. Intercalando os capítulos entre Ren e Ji Lin, cada um em sua própria missão pessoal, o livro introduz a lenda do homem-tigre. Incorporando as tensões entre o humano e a natureza, a crença local atribui a uma figura que se transforma em homem e em tigre uma série de assassinatos na região. Cercados pela constante iminência de um ataque do animal, os dois protagonistas seguem suas buscas. 

Edição de A Noite do Tigre da Darkside Books
Imagem: divulgação

Um ponto de constante convergência entre eles é a representação dos nomes como as Cinco Virtudes do Confucionismo. Segundo o sistema filosófico chinês, cuja origem remonta ao século VI antes de Cristo, cada um dos nomes dos personagens seria um atributo que construiria uma sociedade da melhor forma. À Ren é atribuído a benevolência, seu irmão gêmeo Yi seria a retidão, Ji Lin e Shin são respectivamente novas grafias para Zhi e Xin, ou sabedoria e integridade. O último elemento é Li, que significa a ordem, e é uma das incógnitas que os protagonistas devem resolver antes de criar novos laços.

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Pelas circunstâncias criadas, é inevitável não pensar que em um momento a dançarina e o jovem criado vão se encontrar. Yangsze Choo constrói a tensão com destreza, deixando pistas e ligando sutilmente os caminhos de Ren e Ji Lin até o tão aguardado encontro. Com a união das tramas, o livro ganha contornos eletrizantes, dignos da aventura prometida desde as primeiras páginas. 

O encanto lendário de A Noite do Tigre

Por ser um livro longo, com pouco mais de 370 páginas, a autora opta por desenvolver não apenas as tramas pessoais de Ji Lin e Ren, mas também dos personagens secundários que os cercam. É desse modo que a leitora conhece o mistério que envolve os estrangeiros que migraram para a Malaia, como William Acton e Lydia, uma das mulheres da elite que faz parte do círculo social do médico. Além disso, a dinâmica familiar e as amizades de Ji Lin também são descritas. Tais narrativas são importantes para enriquecer o contexto cultural criado por Choo.

A noite do tigre é uma obra com muitos parênteses em aberto em quase todo o livro. Se a quantidade de idas e vindas pode deixar a leitora confusa, o livro faz questão de sinalizar em cada capítulo a data e o local. É fácil se perder nos muitos personagens, alguns que entram e saem na mesma rapidez, mas nada grave a ponto de atrapalhar a experiência da trama principal. 

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Além disso, a impressão de não resolução das histórias conforme as páginas vão passando pode acontecer. A trama da lenda do homem-tigre é levemente ofuscada pelas outras e com poucos capítulos para o fim, ainda existe muito a ser revelado e algumas reviravoltas são esperadas. Contudo, Yangsze Choo sabe medir bem o quanto entregar e o quanto segurar para deixar ao leitor o gosto de “quero mais”.

Misturando o real e o fantástico, Yangsze Choo traz em A noite do tigre uma narrativa de misticismo muito envolvente. A autora é capaz de nos cativar principalmente por seus dois protagonistas e pelo mistério movido pelo dedo. A força do livro reside em querer sempre saber mais dos próximos passos de Ren e Ji Lin, mesmo que isso represente um novo perigo.


A Noite do Tigre

Yangsze Choo (Autora)

Aline Naomi (Tradutora)

384 páginas

Darkside Books

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Edição, revisão e arte em destaque por Isabelle Simões.

Escrito por:

Carioca, flamenguista e gateira em tempo integral, projeto de roteirista-escritora nas horas vagas. Pode ser encontrada nas redes sociais comentando sobre literatura escrita por mulheres, cinema de horror ou a última corrida da Fórmula 1.
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