PEN15 é uma viagem em doses de 20 minutos. Indicada ao Emmy 2021 como melhor série de comédia e já tendo quase 30 nomeações a outros prêmios, a série escrita e estrelada pelas comediantes Anna Konkle e Maya Erskine retrata a adolescência, suas descobertas, horrores e dilemas no melhor estilo constrangedor.
A primeira temporada da série, produzida pela Hulu, tem 10 episódios e foi lançada em 2019, mas a ideia já havia sido concebida 6 anos antes por Konkle e Erskine, partindo do principio de que os sentimentos de insegurança e não pertencimento – que descobrimos na adolescência – continuam nos acompanhando na vida adulta.
A escolha de que as duas fossem protagonistas aos 30 anos interpretando alguém de 13 é explicada pela importância de não colocar pessoas dessa idade passando por constrangimentos e momentos dramáticos, já que poderia ser tão traumático para elas quanto para o público. Portanto, fica ainda mais descontraído se deparar com mulheres adultas interpretando tais papéis. Também foram usados muitos dublês de corpo e outras técnicas de gravação para não expor os atores e as atrizes adolescentes a certas experiências, como assistir pornô ou beijar uma das protagonistas.
AVISO: O texto abaixo contém spoilers das duas temporadas de PEN15
Tabus (misóginos) femininos
Ao longo de PEN15 existem experiências cuja representação é facilmente identificada pelas espectadoras que vivenciaram a adolescência nos anos 2000. Duas delas chamam bastante atenção por serem pouquíssimo faladas em obras audiovisuais, talvez até impossíveis de serem abordadas antes: a masturbação feminina e a menstruação. A personagem de Maya carrega ambas as vivências e o modo como as interpreta é sensível e pode nos levar a uma empatia imediata.
Muitas de nós podem até ter apagado da memória a experiência da primeira menstruação, mas o medo de vazamentos, o desconforto com absorventes, a ideia de que “é um presente” e que depois da menarca você “deixa de ser criança e vira mocinha” são coisas que podem nos perseguir e influenciar na relação com nossos corpos até hoje.
Maya, portanto, não sente pânico ao ver seu próprio sangue mas seu desconforto é nítido. Ela tenta esconder o que está acontecendo, opta por usar papel higiênico ao invés de absorventes, provavelmente porque não quis contar nem a sua mãe. Porém, ao mesmo tempo que tenta disfarçar, descarta os papéis ensanguentados na privada, e é óbvio que entope todas as vezes que faz isso, denunciando logo o acontecimento.
A vergonha associada à menstruação é obviamente fruto do machismo e ainda hoje nos constrangemos sem motivo quando precisamos comprar ou pedir emprestado algum absorvente. Hoje em dia, com a popularização dos coletores menstruais, o assunto vem saindo lentamente da zona de “tabu” mas ainda existem pessoas que se sentem desconfortáveis ao falar sobre isso – é claro que o ponto aqui não é a romantização, pois não deve haver nenhuma obrigação em amar sua menstruação e achar que é o período mais lindo do mês. Sabemos que as cólicas e oscilações de humor são dolorosas, mas por que mantermos o assunto como algo secreto, quase que proibido?
Outra experiência vista como tabu é a masturbação e a série tem um episódio todo dedicado à ela. Explorando as sensações e estranhezas da primeira experiência, Maya fica obcecada por aquilo que consegue fazer com suas próprias mãos, ao mesmo tempo em que tem medo de estar fazendo algo errado ou que pode ser visto por outras pessoas, no caso o fantasma de seu avô.
PEN15 também questiona a experiência de garotos e garotas serem tão distintas, uma vez em que os meninos estão sempre falando sobre pornografia e tesão e quando uma menina se propõe a falar sobre isso é vista como nojenta e deslocada. Aqui também mora o perigo do machismo que reflete nos homens, já que ao mesmo tempo que não é saudável reprimir sua sexualidade, não é saudável estar exposto à ela o tempo todo. Dessa maneira, existem cobranças para ambos os lados que precisam passar por uma série de mudanças até que as experiências sejam equiparáveis e livres de sofrimento e vergonhas.
A depilação dá as caras de forma rápida, porém igualmente marcante. As adolescentes de 13 anos “decidem” se livrar dos pelos antes de um evento da escola – aqui entre aspas porque mesmo que elas digam que querem se depilar, é subentendido que esta vontade, na verdade, é uma imposição social – e a cena trás também a experiência das mães sobre a questão e aqueles clichês como “não raspe acima dos joelhos” e “depois que você começa, não tem como parar” (mentira).
Adolescentes são maldosos?
Mergulhar em PEN15 também implica adentrar em um mar de lembranças que algumas de nós já havíamos nos esforçado para esquecer. Quase todo mundo concorda que a adolescência é uma das piores fases de sua vida: é feia, destrambelhada, vergonhosa e dolorida. E algo que nos chama atenção é o fato de que a maioria dos personagens quase não possuíam falas que excediam as variáveis entre xingamentos e “e ai”, principalmente quando se dirigiam à Anna e Maya. Tal comportamento reflete automaticamente como os adolescentes tendem a ser maldosos com pessoas fora de seu grupinho, mas talvez também signifique que todos nesse período têm medo de errar e passar vergonha, então é melhor não conversar com ninguém, certo?
Certas coisas acontecem como um reflexo desse modo de sobrevivência maldoso e à maldade alheia, mas outras são um reflexo da sociedade que se mostram naturalizadas pelos adolescentes sem visão crítica, como é retratado, por exemplo, na descoberta das protagonistas sobre o que é racismo.
De um modo bastante dolorido, Maya se reconhece diferente das outras garotas e em determinado momento é humilhada ao interpretar um empregado mexicano por ser diferente de suas amigas brancas, que estão brincando de Spice Girls (nesse momento Maya também reproduz racismo ao mesmo tempo que é vítima).
Uma das personagens mais legais da série é a zeladora da escola. Performando pouca feminilidade, ela aparece esporadicamente e muitas vezes recebe olhares tortos, mas está disposta a simplificar certas vivências, como a menstruação de Maya e a greve de fome contra o racismo de Anna.
Amizade feminina em PEN15
É nítido que a amizade entre Anna e Maya é o ponto central da série. No entanto, na segunda temporada, estreada em 2020, ocorre algumas desavenças entre as duas. Elas percebem que não podem fazer literalmente tudo juntas e que cada uma precisa também de espaço para vivenciar e entender suas próprias práticas.
E é claro que com tantos assuntos identificáveis haveria o clássico “não gosto de meninas porque elas não são confiáveis, meus amigos todos são meninos”, amplamente estimulado pela rivalidade feminina, até que você descobre que os meninos zombam de você pelas costas e não são nada confiáveis. O episódio que trata dessa questão parece até um filme de terror: você sabe onde a protagonista está se metendo e sabe o que a aguarda, o aviso de “cuidado” é imediato, mas não há nada a ser feito que impeça o pior.
Inseguranças que não nos abandonam
Anna Konkle declarou que lidamos melhor com alguns sentimentos e que as inseguranças da adolescência nos perseguem ao longo da vida inteira. Talvez a distância dessa fase seja algo recente em algumas vivências e é provável, portanto, que PEN15 atinja cada uma de maneira distinta. Mas o fato é que nunca deixamos de vivenciar o medo. Além de ser um mecanismo de defesa em certos casos, o medo é algo altamente humano, compartilhado por todos, atiçado pelas cobranças externas e internas e lidamos com ele como podemos: chorando, fazendo birra, se paralisando.
A “moral” da série é que não conseguimos nos livrar de certas inseguranças mas podemos encará-las de outras formas, adquirindo mecanismos que tornam a vida menos horrível. Às vezes podemos até mesmo contar com alguém que também sofre para nos ajudar, frisando a importância de passar por certas coisas sozinhas e dar espaço aos outros igualmente.
Por último, também é plausível dizer o easter egg do nome da série, que a essa altura você já deve ter observado: PEN15 é outro jeito de escrever “pênis”. Mais um motivo pra série ser classificada como “comédia cringe”.