Hacks: o diálogo entre gerações que não conversam tão bem assim

Hacks: o diálogo entre gerações que não conversam tão bem assim

Em junho de 2021 chegou no Brasil o serviço de streaming da HBO Max. Com um catálogo trazendo séries com nomes de peso e muita divulgação, o streaming também trouxe apostas não tão altas assim, como é o caso de Hacks. A série é daquelas que a espectadora precisa procurar e não salta aos olhos da página inicial.

Classificada como comédia, Hacks conta com 10 episódios de no máximo meia hora cada. Nela acompanhamos a história de Deborah Vance (Jean Smart), uma comediante residente de Las Vegas que vê sua carreira chegando ao limite e aceita, de maneira não muito satisfeita, que Ava Daniels (Hannah Einbinder), uma comediante frustrada e cancelada de Los Angeles, a ajude a salvar seu lugar ao sol no showbusiness.

Deborah e Ava: protagonismo nem sempre significa representatividade

Ava Daniels (Hannah Einbinder) e Deborah Vance (Jean Smart) na série de comédia Hacks
Ava Daniels (Hannah Einbinder) e Deborah Vance (Jean Smart) na série de comédia Hacks, indicada a 14 prêmios no Emmy 2021 | Foto: HBO Max

Hacks – gíria americana para incompetente – é realmente um termo bem acertado para as protagonistas. As duas personagens têm problemas em lidar com os acontecimentos do passado e suas consequências, então se fecharam dentro de seus próprios mundos e suas verdades.

Ava está segura da sua insegurança, pois sabe que no mundo atual é bem complicado retomar às graças do entretenimento. Após ter sido cancelada por conta de um tuíte considerado como preconceituoso, deixou de ter condições de pagar a prestação da sua casa. Porém, isso não fez com que se tornasse uma pessoa melhor, o que fica claro numa cena que encontra ex-colegas de trabalho que fazem questão de dizer que o problema não foi o discurso homofóbico, mas sim as atitudes egocêntricas que a fizeram ser afastada.

Assim como todas as protagonistas clichês, a personagem tem problemas familiares e tenta resolver ficando o mais longe possível da família e, claro, não consegue. Ava é uma personagem incômoda e nada cativante, porém vamos pensar que tenha sido assim graças ao bom trabalho de Hannah Einbinder e não por causa da construção de uma personagem pura e simplesmente chata.

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Agora, Deborah Vance. Primeiro, palmas para a atuação de Jean Smart. Ao mesmo tempo que não suportamos Deborah e sua síndrome de gente rica e mimada que precisa de atenção, não podemos deixar de rir com diálogos rápidos e precisos. A personagem, de propósito ou não, parece desconectada da realidade e isso, óbvio, garante muitos embates e desgastes com as outras personagens. Além disso, parece presa num passado que lhe rendeu o que tem hoje, de maneiras boas e ruins. Deborah, portanto, não parece feliz, mas também não é totalmente triste.

A relação das duas mira num “mãe e filha” que acaba se tornando um “não sei lidar com pessoas de outras gerações”. O roteiro de Hacks usa dos clichês das séries de comédia para construir essa ponte. Aqui estamos falando, por exemplo, das viagens ao spa, do uso de drogas ilícitas e uma fazendo a outra passar vergonha. Porém, aqui precisa ficar claro, nesses momentos o limite entre a humilhação e o humor deixa de existir na obra.

Deborah é cruel com Ava, tirando-a forçosamente do armário como pessoa bissexual ou a colocando em situação de vergonha pública ao fazer piadas sobre seu comportamento na frente de um ônibus cheio de turistas. Além disso, fica o questionamento: em pleno 2021, ainda precisamos mesmo de cenas de tapa na cara como ferramenta para provar algum ponto?

Deborah e Ava em Hacks: protagonismo nem sempre significa representatividade
Deborah e Ava contracenando em Hacks | Foto: HBO Max
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Portanto, aqui fica uma observação. Nem sempre o protagonismo de duas mulheres brancas e privilegiadas significa o empoderamento e o protagonismo de todas as mulheres. Até porque, convenhamos, vai ser difícil nos sentirmos representadas por Deborah e Ava.

O que além do protagonismo branco de Hacks?

É claro que uma série não é feita apenas de suas protagonistas. Vamos começar falando sobre a equipe técnica e de produção. A série foi por criada por Lucia Aniello (Broad City), Paul W. Downs (Broad City) e Jen Statsky (Broad City, The Good Place), aclamados por seus trabalhos anteriores. Aliás, diferentes de outras séries que dão preferência para pessoas “não comuns” em sua equipe, Hacks está encaixada nos padrões.

Com isso, não queremos dizer que Hacks não tem representatividade, pois tem sim. A diversidade foi explorada em um casal gay que, ao mesmo tempo, é composto por um negro e um latino, os personagens Marcus (Carl Clemons-Hopkins) e Wilson (Johnny Sibilly). Isso significa que se a representação nas telas contasse com um sistema de cotas, a cota de minoria em Hacks estaria preenchida em apenas dois personagens.

O que além do protagonismo branco de Hacks?
Marcus (Carl Clemons-Hopkins) e Wilson (Johnny Sibilly) na série Hacks | Foto: HBO Max

Por outro lado, Hacks gosta de estereótipos, mas, infelizmente, não para sua desconstrução. A obra traz a filha mimada, a secretária que é filha do dono da agência, assim como o homem branco que não tem a menor consciência e faz uma piada sobre o #MeToo. Portanto, temos a impressão que durante os episódios começa a faltar química entre as personagens, parecendo que são apenas várias histórias em conjunto e não necessariamente uma conexão delas.

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Tudo bem, nem tudo são críticas. Hacks também traz uma reflexão urgente e necessária sobre o abuso sexual e moral no mundo do entretenimento, nesse caso específico, os bastidores da comédia. Inclusive, a cena de Deborah fazendo uma proposta milionária para um abusador desistir da sua carreira é de arrepiar e rir ao mesmo tempo, pois, através das piadas, vemos a força do acolhimento entre mulheres.

Portanto, não se pode dizer que tudo é totalmente ruim, nem totalmente bom. Afinal, contando com 14 indicações ao Emmy 2021 e favorita em muitas delas, Hacks contagiou a audiência e as críticas, mesmo que não seja o caso dessa que vos escreve.

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Uma adolescente emo virou uma hipster meio torta que sem saber muito bem o que fazer, começou jogar palavras ao vento e se tornou escritora e tradutora. Também é ativista dos direitos humanos. Além disso é lésbica, Fé.minista, taurina. E, principalmente, adoradora de gatos e de café.
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