Succession – 4ª temporada: o adeus da era Roy e de uma das maiores séries da década

Succession – 4ª temporada: o adeus da era Roy e de uma das maiores séries da década

Succession, consagrada como uma das melhores séries da atualidade, tinha o grande desafio de superar a si mesma em um dos finais mais aguardados dos últimos anos. A série foi criada em 2018, por Jesse Armstrong, mas sua genialidade também se deu graças a outros roteiristas e diretores, que contribuíram para a tão bem-sucedida obra. Há, também, o elenco, cuja química entre os atores nos fez sentir que os conhecíamos muito bem. 

Já nos adiantamos na análise dizendo que Succession foi, do começo ao fim, uma das maiores séries da década. Além da óbvia excelência técnica, do ponto de vista narrativo, a série nos surpreende com ricas referências literárias, teatrais e poéticas, construindo uma história épica sobre uma rica família nos Estados Unidos.

Há uma distância entre o público e o grupo seleto de pessoas sobre as quais a série de fato representa; isso poderia poderia ser um empecilho, mas a série da HBO usa isso como um impulsor: quem comanda a série não tem medo de ser cruel com seus personagens e aí é onde está a força de Succession

Logan Roy: a morte de um homem e um império

A figura mais marcante da série é Logan Roy. Não apenas como pai e líder da empresa, Logan é um personagem contraditório e a interpretação de Brian Cox o tornou uma lenda imediata. A jornada de Logan, para nós, se inicia no seu aniversário, mas não se encerra em sua morte.

Após seu falecimento repentino, todos os personagens têm suas vidas abaladas com sua ausência, que daquele momento em diante, passa a ser eterna. E é sobre isso, afinal, que se tratam os últimos episódios da quarta e última temporada. A reação, sobretudo de seus filhos, era o que restava para contar dessa história. 

Roman (Kieran Culkin) chora e é consolado por Kendall e Shiv.
Cena da 4ª temporada de Succession | Imagem/Reprodução: HBO Max

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Inúmeros paralelos têm sido feitos entre Succession e peças de teatro. Nessa tragédia moderna da HBO, Logan fez bem o seu papel de herói: ele passou por muitos males para chegar onde chegou, mas sua personalidade não se resume a amor ou ódio. Ele era um homem tempestuoso, e ainda assim, sua filha chorou em seu funeral, lembrando-se do calor de sua presença. E ele tinha seu império, é claro.

A Waystar Roco não existiria sem ele, é o que todas as reviravoltas ao longo da série deixam claro. E, de certa forma, Logan também não existiria sem ela. Sua vida era em função daquilo que ele construiu. Mas ele tentava, o tempo todo, dizer que fizera aquilo por seus filhos. Isso tornava sua relação com a família extremamente conflituosa, como bem sabemos.

Sempre à sombra do pai

Cada um dos arcos girava em torno de lidar com Logan e sua empresa, seja o Logan como pai, marido, amante, sogro, patrão, ou sócio. Assim, a jornada de seus três filhos mais novos girou em torno, por toda a vida, em ter uma parte na empresa do pai. E, como na parábola do filho pródigo — já que estamos referenciando histórias essenciais da literatura — Logan abraça seu filho Kendall (Jeremy Strong) após seu retorno.

Esse retorno, todavia, é forçado. E portanto, o amor de Logan se resume ao controle. Ele não é piedoso. E não foi piedoso mesmo após sua morte, porque no fim perseguiu seus filhos em memória. As falas de um pai, ele bem sabia, marcam alguém para sempre. E é assim que Kendall demonstra o quão assombrado ele será para sempre: 

Ele se ajoelhou do meu lado e disse que um dia seria eu. Uma criança de sete anos.

Cena de abertura da série: um homem apoia a mão nos ombos de um menino e ambos encaram a câmera.
Cena de abertura da série | Imagem/reprodução: HBO Max

Com exceção de Connor (Alan Ruck), todos os filhos de Logan disputavam suas partes na empresa do pai. De certa forma, mais do que ser o CEO da Waystar Roco, eles queriam ser como o pai. Kendall, sobretudo, é afetado pela impossibilidade de agradar seu pai. Esse conflito se transforma, na terceira temporada de Succession, em uma repulsão quase absoluta pelo legado de Logan, ao que parece ser uma resposta à crítica dele ao filho:

Você não é um matador, você precisa ser um matador.

Uma vida sem propósito

Não à toa, a revolta contra Logan ocorre precisamente na metade da série. Na metade anterior, Kendall quer desesperadamente ser um bom filho. A partir daí, ele tenta desesperadamente ser o oposto de seu pai. Mas, quando Logan morre, Kendall tenta se tornar ele. Roman (Kieran Culklin), tendo sido agredido fisicamente pelo pai na infância, apenas o segue cegamente, quase, desde o princípio, conformado com o fato de que jamais seria perfeito para ele.

Por outro lado, Shiv Roy (Sarah Snook) é aquela que vai contra as expectativas de Logan propositalmente. Como a única filha, ela é tratada como um caso à parte da descendência de Logan. De fato, ela segue essa sina, mas desiste, quando se empenha, junto aos seus dois irmãos, na disputa pelo mais alto cargo na empresa. 

Tom estende a mão para Shiv na cena final da quarta temporada
Tom (Matthew Macfadyen) e Shiv (Sarah Snook) na cena final da 4ª temporada | Imagem/reprodução: HBO Max

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Quando o pai morre, o propósito de suas vidas ainda é a Waystar, como uma sombra do próprio Logan. Mas, quando eles perdem de vez o controle da empresa, esse propósito se esgota. Uma vez que não há mais nenhum Roy na empresa, Kendall é obrigado a desistir. Ele chega a dizer que poderia morrer se não se tornasse o CEO. Ele implora para Shiv.

A cena da votação é quase idêntica à da primeira temporada: na primeira, Roman vota contra Kendall por influência de seu pai. Na quarta e última temporada, Shiv vota contra, e os motivos são diversos. Ela não acha Kendall capaz? Sentiu que ele se tornaria destrutivo como Logan? Queria um pouco de influência, usando Tom (Matthew Macfadyen) como um bote salva-vidas? 

O que importa, de fato, é que, ao final de ambas votações, Kendall caminha sem rumo. A diferença é que, no final, ele olha para o pôr do sol, sinal de que a luta, de fato, chegou ao fim.

Jeremy Strong como Kendall Roy no final de Succession. O ator encara o pôr do Sol com melancolia, enquanto o segurança o encara, embaçado, ao fundo
Jeremy Strong como Kendall Roy no final de Succession | Imagem/Reprodução: HBO Max

O fim de Succession

Por fim, há uma figura que de fato ganhou algo: Greg (Nicholas Braun). Pode parecer bobo, mas Greg é o exemplo perfeito de anulação do mito da meritocracia. Enquanto de fato se esforçava, Greg, o Ovo, não passava de um estagiário vomitando na cabeça de sua fantasia. Mas, ao apelar para os privilégios familiares, Greg passa a melhorar de vida. Mas isso exige sacrifícios talvez irremediáveis: um cargo na Waystar em troca de abandonar seu avô.

Nada é fácil ou gratuito nesse universo aparentemente distante de Succession. Mas, sobre isso, lembremo-nos da família do primeiro episódio. No fim, todas essas dores, sobre as quais aprendemos a nos simpatizar, são apenas parte da miséria que leva alguém a humilhar uma criança e dá relógios inimaginavelmente caros para abafar o caso. 

Para tornar tão humanos personagens terríveis, não precisamos nos identificar com eles, mas, de um jeito engraçado, nos identificamos. Mesmo nas diferenças absurdas entre a série e a realidade, é completamente compreensível o que eles fazem ou deixam de fazer. Passamos a fazer parte daquele mundo, que no fim, é assustador. E deixá-lo — assim como se fossemos vítimas da síndrome de Estocolmo — é difícil.

Mais do que parte do mundo real, os Roy são representações bem óbvias de um monte de pessoas das quais lemos e conhecemos. Ou, das quais também somos. Se procurarmos bem a fundo, é possível nos ver neles. E por isso, dizer adeus não é fácil. Mas Succession faz isso ser magnífico. 

Kendall, Shiv e Roman se abraçam na 4ª temporada de Succession.
Kendall, Shiv e Roman se abraçam na 4ª temporada de Succession | Imagem/Reprodução: HBO Max

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Estudante de Letras na Universidade de São Paulo, apreciadora de boas histórias e exploradora de muitos mundos. Seus sonhos variam entre viajar na TARDIS e a sociedade utópica onde todos amem Fleabag e Twin Peaks.
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