A segunda temporada de Yellowjackets deixa fome de respostas

A segunda temporada de Yellowjackets deixa fome de respostas

A segunda temporada de Yellowjackets desacelera o ritmo, mas ainda entrega mistério, nostalgia, gore e protagonismo feminino. Principalmente graças ao carisma das icônicas Christina Ricci e Juliette Lewis, ao lado das igualmente excelentes Melanie Lynskey e Tawny Cypress.

A aposta ainda é a de abordar a raiva feminina, o lado mais sombrio da maternidade, os traumas compartilhados e o foco em mulheres complexas e multifacetadas. E, entre altos e baixos, a série segue honrando suas personagens, que se recusam a caber nos papéis que o mundo cobra delas por seu gênero, sua idade, seu histórico. As Yellowjackets continuam selvagens, e continuam com fome.

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Aviso: spoilers a partir daqui

A “síndrome da segunda temporada”

Depois do impacto causado em 2022, a grande pergunta era se a segunda temporada de Yellowjackets sofreria do “sophomore slump”, uma expressão gringa que define a queda de rendimento de um aluno promissor ao chegar ao seu segundo ano de universidade. Ou seja: se a série ia deixar a peteca cair. A resposta, ao menos de acordo com o Rotten Tomatoes, é sim e não: a crítica deu 94% contra os 100% da primeira. Já o público deu apenas 64% contra os 80% da anterior.

Mas, com um milhão e meio de streams no season finale, o canibalismo grunge de Yellowjackets confirmou ser uma aposta certeira para o Showtime. Foram nove episódios e haverá mais um de bônus, já anunciado pelos showrunners, com data ainda a confirmar. No geral, seguraram o interesse do público mesmo reduzindo a marcha e andando em círculos, tal como as protagonistas desnutridas tentando avançar em meio à nevasca.

Melanie Lynskey como Shauna em Yellowjackets.
Melanie Lynskey como Shauna em Yellowjackets | Crédito: Kailey Schwerman/Showtime

Maternidades paralelas 

Vendo pelo lado positivo, talvez a segunda temporada de Yellowjackets abra mão de resolver mistérios para permitir que as personagens se abram e se revelem. Seja nos diálogos entre si ou quando enfrentam seus próprios demônios. Que não faltam, pois é agora mesmo que começamos a acompanhar as garotas em sua descida ao inferno gelado do inverno canadense, enquanto seu lado mais sombrio vem à tona para garantir a sobrevivência. E justamente nessa selvageria se mostram mais humanas.

Afinal, uma história com protagonistas mulheres e uma com real protagonismo feminino são coisas diferentes. Há poucos meses, House of the Dragon quis chocar ao mostrar cenas de parto com riqueza de detalhes cruéis e gritos aterradores. Em Yellowjackets, um dos momentos chave da temporada é quando Shauna (Melanie Lynskey) dá à luz na cabana, sem médicos nem recursos. O episódio também é devastador, mas em nenhum momento existe fetichização dessa dor. Aqui, o desespero na ficção pega mais fundo porque nos conectamos a ele, em vez de observá-lo de fora como um mero espetáculo.

E o choque é funcional à trama, já que a partir daí os roteiristas dedicam mais tempo de tela à relação da Shauna adulta com a filha adolescente, uma relação cujas dificuldades agora passam a fazer mais sentido.

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Uma porção extra de homens coadjuvantes

Os homens do elenco merecem um biscoito por estarem perfeitamente confortáveis em seus papéis de acompanhamento do prato principal. Por exemplo, na mente simples porém não-tóxica do marido de Shauna, Jeff (Warren Cole), ou na caricatura de macho seboso que é o policial Matt (John Paul Reynolds). 

Cada cena de Misty (Christina Ricci) é um show à parte e sua personagem daria conta até de um spin off. Mas um dos maiores deleites desta segunda temporada é a interação entre a adorável assassina e seu amigo de internet, parceiro no crime e crush, Walter (Elijah Wood). Os dois juntos emanam uma verdadeira central hidrelétrica de energia caótica, psicótica e geek. Impossível não notar o quanto os atores estão amando cada minuto deste trabalho.

Misty (Christina Ricci) na segunda temporada de Yellowjackets
Crédito: Showtime

Os fios soltos da segunda temporada de Yellowjackets

Nada disso faz com que seja possível ignorar os pontos que a trama deixa, digamos, mal passados. Começaram os festins de carne humana, mas isso já se sabia desde o começo que iria acontecer. A chegada das versões adultas de Lottie (Simone Kessell) e Van (Lauren Ambrose, de Six Feet Under) resolve um mistério e começa vários outros. 

No fim da temporada anterior, Taissa (Tawny Cypress) foi eleita para o Congresso dos EUA com grande sacrifício (trocadilho proposital, ok?). Logo depois, no entanto, ela simplesmente mete o pé sem avisar e vai atrás da ex namorada Van sem que ninguém da sua equipe dê nem um pio. Já Natalie (Juliette Lewis) se deixa convencer um pouco rápido demais a abraçar as terapias duvidosas da seita de Lottie.

O season finale deixou a sensação de ter acontecido de forma levemente atropelada, e as expectativas agora ficam por conta do bonus episode. Ainda mais que, até a estreia da terceira temporada, os fãs terão que enfrentar um longo jejum. Aparentemente pouquíssimo material chegou a ser escrito antes do início da greve dos roteiristas nos EUA, o que deve atrasar mais ainda a produção.

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Trilha sonora digna de riot grrrls

Fechando com mais um ponto positivo, a temporada vai fundo nas referências musicais de artistas mulheres. Além do easter egg da abertura regravada por Alanis Morrisette, usar hits da época (e de hoje, como Seventeen de Sharon Van Etten) pode até ser um golpe baixo, mas é um recurso coerente.

Porque, acima de tudo, Yellowjackets é uma ode aos anos 90, e a todas as mulheres que cresceram naqueles anos. Às que se sentiram transbordar de confusão, de hormônios, de alegria e de raiva em partes iguais ao descobrir que o mundo pertence à irmandade dos homens, parafraseando What’s Up, do 4 Non Blondes (também na trilha sonora). Às que viram a internet engatinhar, e começaram a abrir seu espaço pela vida adulta a golpes de facão, como quem está perdida numa floresta hostil mas, talvez, mágica.

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Redatora, formada em Jornalismo no início do século, moradora da internet, gosta de falar sobre coisas que não existem.
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