Tom e Greg: uma leitura queer da 1ª temporada de Succession

Tom e Greg: uma leitura queer da 1ª temporada de Succession

Sendo nomeada como uma das melhores séries de TV, Succession, série estadunidense da HBO criada por Jesse Armstrong, chegou ao seu inevitável fim. Por cinco anos, acompanhamos a história dos Roys, uma família bilionária e dona de um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, Waystar Royco, que atua nas áreas de notícia, entretenimento e até mesmo parques de diversão e cruzeiros marítimos.

Nas quatro temporadas, assistimos a disputa, os conflitos familiares e a toda a política envolvida na busca de um sucessor para comandar a Waystar Royco, pois logo no primeiro episódio da série, vemos que Logan Roy (Brian Cox), o fundador e CEO da empresa, apresenta sinais de instabilidade na saúde física e mental, fazendo com que três dos quatro filhos do patriarca se afundem nos negócios da família para ter uma oportunidade de continuar o legado e, consequentemente, serem vistos e amados pelo pai.

Alguns dizem que o ponto central de Succession é a trama familiar e as consequências dos ciclos de abuso que não conseguem ser quebrados, gerando traumas que refletem no comportamento e mentalidade dos personagens como seres humanos e, querendo ou não, também como empresários. No entanto, esse não será o ponto central aqui.

Diferente de Succession, a família Roy é apenas um plano de fundo quando se trata do relacionamento entre Tom Wambsgans (Matthew Macfadyen) e Greg Hirsch (Nicholas Braun), dois personagens que deram muito o que falar entre os fãs da série.

Tom & Greg: os forasteiros da família Roy

Tom Wambsgans é apresentado na trama como o parceiro da única filha de Logan Roy, a mais amada e odiada: Siobhan Roy (Sarah Snook). Na primeira temporada, especialmente nos primeiros episódios, Tom é resumido apenas a isso, ele é o namorado que veio de uma família do Minnesota não tão importante e rica, mas também não tão conturbada e tóxica quanto a família Roy. Ele faz de tudo para ser bem visto pelo sogro porque deseja pedir a mão de Shiv em casamento e também uma posição mais favorável na Waystar Royco.

Tom é um homem de muitas facetas, porque sabe que precisa agradar os superiores para subir na hierarquia. É comum ler comentários dos fãs o taxando de “puxa-saco” e o acusando de se envolver com Shiv por interesse, mas há situações que refutam a última parte.

No decorrer da série, nos é mostrado que Tom é um homem que faz de tudo para proteger o que é dele, que cuida dos poucos sujeitos que ele realmente aprecia, que é apaixonado e dedicado a Shiv, mesmo que ela não faça o mesmo em muitos momentos por não saber demonstrar amor ou expressar seus pensamentos de uma maneira saudável.

Tom (Matthew Macfadyen) e Shiv (Sarah Snook) na 1ª temporada de Succession
Tom e Shiv na 1ª temporada de Succession | Imagem/Reprodução: HBO Max

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Também somos apresentados a Greg Hirsch, um primo pobre e distante que começa a se aproximar da família em busca de uma oportunidade na empresa. Assim como Tom, Greg é um forasteiro que tenta a todo custo se ajustar a dinâmica familiar e empresarial dos Roys, mesmo que encontre muitas dificuldades no caminho por não ter sido criado em berço de ouro ou em meio a tantos conflitos políticos de uma vida bilionária. Greg é desajeitado, ansioso e apesar de desejar crescer na empresa no decorrer da temporada, não sabe exatamente como fazer isso.

O relacionamento entre Tom & Greg começa de uma maneira peculiar e, querendo ou não, muito gay. No primeiro episódio da série, a família Roy comemora o aniversário de Logan com um jogo de beisebol. Em uma conversa particular no campo, após uma partida, Tom diz que está de olho nas ações de Greg, mas também o oferece ajuda a ele. Toda a situação é desconcertante porque, apesar de considerarmos as palavras e intenções de Tom como sinceras, também notamos que ele não consegue expressá-las de uma maneira que não seja constrangedora.

O que torna a cena ainda mais estranha é quando Tom, de repente, pergunta para Greg: “Você me beijaria? Me beijaria? Se eu te pedisse […] Se eu mandasse”, e Greg fica confuso, olhando ao redor e sem saber se o parceiro da sua prima está falando sério ou não. Na verdade, sequer o telespectador tem conhecimento das reais intenções de Tom. A primeira interação é resumida como uma brincadeira, mas ela consegue ser o início perfeito para entendermos como funciona o relacionamento dos dois: há uma dinâmica de poder e uma tensão sexual presentes como pontos cruciais.

Tom & Greg: os forasteiros da família Roy
Tom e Greg na primeira temporada de Succession | Imagem/Reprodução: HBO Max

A promessa em meio ao caos

No segundo episódio, temos a família no hospital após Logan sofrer um derrame e ficar inconsciente. E é aí que começa o desespero do primo Greg, porque apesar do velho ter afirmado dar uma chance para ele na Waystar, Greg tem receio de que com a possível morte do patriarca, sua oportunidade na empresa seja afetada.

Para que isso não aconteça, ele resolve tentar se entrosar ainda mais com a família, mesmo que a situação seja difícil e delicada para todos devido ao estado de saúde do Logan. Greg fica entre obedecer as ordens de Shiv e Roman (Kieran Culkin), dois dos filhos mais novos de Logan e, no final, resolve obedecer aquele que acredita ter mais poder e influência na família, porque isso poderia beneficiá-lo futuramente.

É importante ressaltar que Greg toma todas as decisões nesse episódio com a ajuda da própria mãe pelo telefone, isso porque, como já foi citado, ele se sente perdido e sem saber o que fazer, apesar de desejar se dar bem com a família. Tom e o restante da família percebem isso, e é nesse momento (ou até mesmo antes, logo no primeiro episódio) que Tom nota um potencial em Greg: alguém fraco que precisa ser cuidado, alguém fraco que pode ser controlado.

Por isso, mesmo estando sem influência, mesmo sendo praticamente um figurante no caos que os Roys enfrentam para saber quem poderia ser o próximo CEO caso Logan realmente morra, Tom faz uma promessa a Greg no hospital, uma promessa que ele nunca quebrou:

Tom e Greg

“Quando acertar tudo isso, venha falar comigo, certo? E eu vou cuidar de você, está bem? Estou falando sério. Eu vou cuidar.”

Claro que apesar daquele momento ter sido delicado e aparentemente generoso, a interação também foi recheada de momentos constrangedores no meio daquela promessa importante. Tom zomba “Você trouxe as pantufas, então acho que você é o Príncipe Encantado” e também pergunta a Greg “Você quer transar com a Márcia?” e outros absurdos em forma de piada.

É assim que Tom interage com Greg. O público não vê Tom agindo dessa forma descontraída com mais ninguém da família, apenas com Greg, talvez porque ele é o membro menos intimidador e menos poderoso dos Roys, ou porque essa é a forma que Tom tenta lidar com o fato de que realmente considera Greg uma espécie de Príncipe Encantado, e por isso brinca ainda mais com esse apelido nas temporadas posteriores. Quem sabe?

O chefe e o assistente: a trope

Vemos o relacionamento de Tom e Greg crescer a partir do momento que eles passam a trabalhar juntos na Waystar Royco. As provocações por parte de Tom continuam e, na verdade, pioram quando eles convivem por mais tempo e criam mais intimidade.

No terceiro episódio, Tom coloca Greg “sob suas asas” (palavras do próprio personagem) ao oferecer a ele um cargo de assistente e logo os dois começam a famosa relação que conhecemos: O chefe e o assistente. Mas claro que isso não fica restrito ao âmbito profissional.

Tom passa do limite muitas vezes, seja não tendo noção de espaço pessoal ou não tendo noção de suas próprias palavras, como se ele estivesse a todo momento provocando Greg de uma maneira que beira ao tóxico, abusivo e, obviamente, ao erótico, dependendo do ponto de vista de cada telespectador.

Tom e Greg na 1ª temporada de Succession
Tom e Greg na 1ª temporada de Succession | Imagem/Reprodução: HBO Max

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No restante dos episódios, há dois acontecimentos que destacam Tom Wambsgans e Greg Hirsch: o encobrimento de documentos que comprovam diversos casos de abuso sexual em um cruzeiro da empresa e o casamento de Tom e Shiv. Esse primeiro ponto demonstra bem como os dois trabalham e como funciona a mentalidade de cada um em meio a problemas.

Tom pede para que a informação fique em sigilo, mas Greg conta para Gerri Kellman (J. Smith-Cameron), a conselheira geral e mão direita de Logan. Tom, decidindo confiar em Greg, acaba concluindo que Shiv contou a Gerri, mas, na verdade, quem contou foi Greg.

Greg não é bobo como muitos telespectadores e até mesmo personagens da série acreditam que ele seja na primeira temporada. Além de ter falado com Gerri, Greg também guardou alguns dos documentos importantes sobre a polêmica de abusos que ocorreram no navio quando Tom pediu para que ele queimasse todos. Com isso, percebemos que quando se sente ameaçado, Greg faz de tudo para se manter fora de perigo, assim como Tom. A diferença é que os dois têm métodos distintos, porque ainda não há confiança da parte de Greg.

E não podemos nos esquecer dos dois jantando sozinhos em um restaurante chique, bebendo vinho caro e quando Greg pergunta: “Está tentando me seduzir, Tom?” e tem como resposta: “Sim, estou. Sim, eu estou, Greg”. É uma cena entre risos, sorrisos, intimidade, e claro, tensão sexual. Bem que falam em Succession que é normal o chefe flertar com o assistente, certo? Deve ser normal segurar a mão do primo maconheiro da sua namorada no dia do Ação de Graças também, aparentemente.

Tom e Greg flertando na 1ª temporada de Succession
Tom e Greg flertando na 1ª temporada de Succession | Imagem: Reprodução

Tom & Greg: o início de uma aliança

No casamento de Tom e Shiv, temos uma das cenas mais icônicas da temporada: Tom bate no Greg porque ele falou que a Shiv poderia estar tendo um caso. A questão é que Tom já sabia disso, ou ao menos desconfiava, mas provavelmente não queria que a situação saísse da sua mente e parasse ali na frente dele, saindo da boca do seu assistente.

A relação entre Tom e Shiv, que parecia tão profunda e bonita nos primeiros episódios, começa a apresentar problemas. Shiv sugere um casamento aberto e Tom se sente mal por isso, mesmo que tenha aceitado somente para agradá-la. No entanto, com a vinda das próximas temporadas, notamos que Tom nunca quis isso por ser um dos homens mais monogâmicos existentes e por ser possessivo demais. Essa parte dele é aparente quando observamos a aliança que ele cria com Greg, tornando o relacionamento entre os dois muito mais gay do que já é.

Muitos telespectadores podem se perguntar o porquê de Greg se manter por perto de Tom depois de tantas provocações e abusos, mas a resposta é simples: Tom cuida de Greg, ele o ajuda na sua carreira profissional, além do fato de que Greg acaba gostando, genuinamente, de Tom.

Greg nunca é levado a sério pelos Roys, seja pela sua mãe, pelo seu avô, pelo Logan ou pelos seus primos. Ninguém se dá ao trabalho de ouvir o que Greg tem a dizer ou o trata com seriedade nessa primeira temporada, já que afinal de contas: o que o primo Greg teria de importante em uma família de bilionários?

Por mais que ele sempre esteja disposto a ajudar, a única pessoa da série que o deu responsabilidades significativas e confiou que elas seriam cumpridas foi Tom. Logo, é compreensível que por ter sido a vida inteira ridicularizado, esquecido ou desprezado por não ser tão rico, sofisticado ou aparentemente inteligente, Greg se juntou a única pessoa mais poderosa, experiente, rica, mas que ao mesmo tempo passou a gostar de lhe oferecer atenção, que o via e o ouvia: Tom.

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Tom falando "Eu só quero que você confie em mim" para Greg
Tom falando “Eu só quero que você confie em mim” para Greg | Imagem/Reprodução: HBO Max

Greg tem todos os motivos para ficar ao lado de Tom naquele contexto, porque apesar de todo o abuso (que é comum em quase todos os relacionamentos dessa série), Wambsgans é o único que acha ele capaz de fazer alguma coisa decente, o único que não o considera um completo inútil, mas sim, alguém que tem um valor real, por mais que seja um valor pequeno naquele momento, por mais que a família Roy não veja isso.

Tom é o único que cuida verdadeiramente de Greg, assim como ele prometeu que faria no primeiro episódio, no hospital. E isso apenas queima e se espalha ainda mais quando, pelos olhos do público e do próprio Tom, o casamento “perfeito” com Shiv começa a desmoronar depois do sim no altar.

E é esse cuidado entre os dois, por mais abusivo que seja, que vai contribuir para uma aproximação ainda maior da dupla nas temporadas posteriores da série, principalmente quando Greg começa a entender não só a dinâmica perigosa dentro do mundo corporativo, mas também a dinâmica estranhamente favorável que ele constrói com o marido da sua prima, que é completamente obcecado por ele “sem motivo algum”.

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Escritora, estudante de jornalismo e leitora voraz de fanfics. Assiste filmes, séries e shippa casais gays mais do que deveria. Parece fria e séria, mas já chorou escrevendo sobre Sherlock Holmes e John Watson na internet.
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