Para entusiastas do terror, hoje abordaremos um livro que trata de um “fim do mundo” capaz de provocar um tipo de temor não fictício, infelizmente, longe de ser passageiro.
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Assim como o nosso mundo, o cenário descrito não se limita mais a meros alertas, indo além de uma simples pandemia. Na verdade, o planeta fictício avança rapidamente em direção a um abismo que, não se engane, não é apenas ficcional. A autora, de fato, antecipa uma visão do que já foi alertado.
Em 2015, a revista Science divulgou o estudo mais amplo da época sobre a extinção das abelhas, apontando o aquecimento global como o principal fator para o desaparecimento delas.
Naquela época, a perspectiva da comunidade científica era de que essa pesquisa serviria como base para que os líderes mundiais pudessem encontrar acordos visando a migração das abelhas e a redução dos efeitos do aquecimento global.
No entanto, as medidas supostamente adotadas não se mostraram eficazes, e o destino do mundo está prestes a se concretizar muito mais rapidamente do que se temia.
A Extinção das Abelhas: um olhar profundo no mundo distorcido de Regina
No Brasil retratado no livro, o planeta atingira limites alarmantes, e as previsões dos cientistas geravam um desânimo desmedido.
Para não ocultar os dados de uma catástrofe iminente, optou-se por anunciá-la com a utilização de um termômetro, criando a falsa sensação de controle, além de espetáculos pirotécnicos promovidos por um presidente que mais se assemelhava a um “apresentador de televisão”.
“Eu sonho com incêndios, com fogo e destruição. Acordo e não lembro se sonhei ou se aquilo é o passado. Talvez seja um futuro.”
Entendemos o contexto desse universo enquanto Regina suborna uma funcionária pública para obter a rara insulina, paga um preço exorbitante por três laranjas sem sementes em um mercadinho familiar prestes a fechar.
Observamos também as guaritas montadas pelos bairros mais favorecidos, buscando proteção contra a crescente criminalidade. Para pagar as contas, Regina torna-se camgirl, mesmo com uma formação de mestrado em teoria literária, que, ela pontua, parece não ter mais utilidade no mundo.
Esse estilo de contextualização é marcante na obra da autora. A narrativa em primeira pessoa permite uma imersão profunda na perspectiva da protagonista, estabelecendo uma conexão emocional e uma melhor compreensão do contexto.
Ter contato com um universo de catástrofe por meio de uma narrativa tão próxima cria a sensação de vivenciar as experiências da personagem.
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A semelhança entre os fins dos mundos
O contexto político do livro está diretamente relacionado à forma como Regina interage com personagens como Dona Norma ou Denise.
Essas interações são um exemplo vívido de como políticos se aproveitam dos menos favorecidos, utilizando discursos vazios de sentido, como “trabalhar duro e ter gratidão”.
Os discursos buscam convencer as pessoas de que são responsáveis pelo estado atual do planeta, enquanto lhes negam acesso à educação de qualidade e se aproveitam de sua ingenuidade.
A falta de estabilidade para as pessoas menos favorecidas é evidente no livro, com a escassez de recursos, o aumento do custo de vida e o deslocamento forçado.
Regina testemunha a cidade se esvaziando em um mundo onde ter água em casa e comida na mesa são considerados privilégios e confortos.
O desafio está no fato de que essas coisas básicas já são privilégios para algumas pessoas, e à medida que o tempo passa, tornam-se cada vez mais escassas e valiosas dentro e fora da ficção.
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A Extinção das Abelhas, a solidão e o mergulho na fantasia
Para enfrentar o conflito interno gerado por essa perda, Regina projeta sua mãe como uma figura de liberdade.
Ao obter um emprego que exige uma personalidade forte, ela incorpora um personagem com a aparência de sua mãe: uma figura selvagem, livre de remorsos.
Regina busca retratar sua mãe como o oposto dela mesma, buscando uma identidade que reflita a coragem e a autenticidade que enxerga na mãe.
“Sempre tem a sensação de que o mundo fica menos áspero dentro da fantasia”
O paralelo entre o estado monótono e desastroso da vida de Regina e a abundância de experiências divertidas da mãe equilibra o peso da história, talvez até um pouco da sanidade mental da personagem.
Certamente, ela se diverte pensando na mãe e nas coisas que ela experimentou pelo mundo. O desejo de abandonar a vida que leva persegue as personagens até que o desejo e a coragem de uma se tornam a dor e a inveja da outra.