7 livros de escritoras para conhecer o feminismo por meio da ficção

7 livros de escritoras para conhecer o feminismo por meio da ficção

Em um momento em que discutimos trabalho feminino, reforma da Previdência, casos de feminicídio que continuam a nos assombrar e outros ataques à liberdade e à vida das mulheres, seria importante debater esses temas incansavelmente. Porém, por perceber que muitas amigas estão cansadas, angustiadas, com sua subjetividade abalada e necessitando de uma pausa para limpar e curar suas feridas, preferimos nos valer da Literatura — escrita por mulheres— para oferecer um bálsamo a consolar almas que nunca de fato descansam.

Os livros abordam a violência contra as mulheres e não são obras para necessariamente divertir, espairecer ou esquecer o que nos cerca. De toda forma, são reflexões, embaladas em uma prosa poderosa, que ajudam a compreender o que está ocorrendo e como resistir a tudo isso. Então confira, abaixo, nossa lista com 7 livros de escritoras para conhecer o feminismo por meio da ficção. Boa leitura!

O conto da aia — Margaret Atwood

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A obra da canadense Margaret Atwood passa no momento por um período de revisitação, tanto pela eleição de Donald Trump nos EUA quanto pela estreia de uma minissérie para a TV baseada no livro. Trata-se de uma distopia sobre um mundo pós-apocalíptico, a República de Gilead, que um dia foram os EUA, onde as mulheres perderam todos os seus direitos — e eles não se foram de repente, mas aos poucos, enquanto muitas mulheres não se davam conta e o feminismo era visto como algo ultrapassado. O cenário é de totalitarismo misturado com vigilância paranoica da população, fundamentalismo religioso e catástrofe ambiental.

Quem narra o livro é Offred, uma aia que perdeu seu nome e agora pertence a um comandante, daí seu nome: “de Fred”. As mulheres estão agora divididas em funções:

  • as Aias, reprodutoras dos filhos (espécie de barriga de aluguel) dos homens da elite política, econômica e religiosa do país, que vestem hábitos semelhantes aos de freiras, porém, na cor vermelha;
  • a de servas, chamadas Martas, que cozinham, cuidam da casa, dos homens e das reprodutoras enquanto essas estão grávidas e no parto;
  • a de mulheres dos homens poderosos, as Esposas, que parecem ter algum poder, mas que ficam restritas à casa, a vigiar as reprodutoras e servas, e que precisam aceitar, por vezes até presenciar, o relacionamento sexual para fins de procriação entre os maridos e as reprodutoras;
  • as Tias, responsáveis por incutir nas reprodutoras o apego ao seu destino e função, inclusive castigando-as nas “escolas de reprodutoras” para que nada saia fora de ordem;
  • as Econoesposas, mulheres dos homens pobres, que fazem tudo o que Aias, Esposas e Martas fazem, porém, sem qualquer status importante;
  • e as Não-Mulheres, que são mandadas ao paredão, por desafiarem as regras: as prostitutas, feministas, lésbicas e as que se recusam a cumprir a função a elas destinadas.

Neste mundo, as mulheres não podem ler, ter profissão, propriedade, trabalhar ou estudar. Quando escreveu o livro, Atwood se impôs uma regra: não inventaria nada, falaria apenas de experiências já experimentadas pela humanidade, em em particular, as já vividas pelas mulheres. O resultado é uma distopia que poderia ser o aqui e o agora, ou algo muito próximo disso. Nada fica a dever a um “Admirável Mundo Novo” ou a um “1984”.

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Amada — Toni Morrison

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A escritora estadunidense Toni Morrison, a primeira mulher negra a ganhar o Nobel de Literatura, recria no livro a vida de uma mulher, Sethe, que tenta fugir da fazenda “Doce Lar”, onde é escravizada, no século XIX. Durante a fuga, algo terrível ocorre, e este fato virá a perseguir Sethe ao longo dos anos. É uma história belíssima e ao mesmo tempo extremamente dolorosa sobre a opressão vivida pelos negros escravizados nos EUA, em especial as mulheres.

Trata de temas muito atuais para o feminismo negro, como a negação da mulher negra enquanto mulher e mãe: mulheres tratadas como objetos, a trabalhar incansavelmente até morrer, estupradas por seus “proprietários”, separadas de seus filhos, e a quem era negada a ideia de feminilidade então destinada às mulheres brancas.

Na obra, Sethe foge e se estabelece na casa da sogra, mas um fantasma a persegue e passa a habitar a casa que divide com uma filha. A narrativa então perpassa pela questão da maternidade no contexto da escravidão, da relação entre mãe e filha, da pobreza e da segregação, da sexualidade e da superação. Apesar dos avanços, a situação da mulher negra ainda é mais dramática do que a da mulher branca — maiores vítimas de violência doméstica, feminicídio e estupro –, e ler sobre a experiência da mulher negra aquele contexto nos ajuda a entender o atual estado de coisas e, mais do que isso, a refletir sobre privilégios e sobre como atuar — sem retirar o protagonismo e a voz das mulheres negras — para erradicar esse cenário de violações e injustiças históricas.

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Niketche: Uma história de poligamia — Paulina Chiziane

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A moçambicana Paulina Chiziane é considerada a primeira escritora de seu país, e também a primeira mulher a publicar um romance por lá, em 1990. Porém, ela relativiza esse lugar, pois prefere ser chamada de contadora de histórias, e afirma que apenas transfere para a escrita a tradição oral da qual é herdeira. Nesta obra, que é magnífica e marcada pelo lirismo, Paulina conta a história de Rami, casada com Tony há 20 anos, que um dia descobre que o marido tem outras quatro mulheres em várias regiões de Moçambique, ou seja, é polígamo. Rami então parte para a casa das amantes de Tony, com o objetivo de confrontá-las e “retomar” o marido à força.

Nessa jornada, tudo muda. Rami passa a refletir sobre o papel das mulheres na cultura moçambicana, a sexualidade a elas negada, os rituais de iniciação e purificação, o estatuto das esposas, viúvas, amantes, mães e sogras, a opressão sobre o corpo feminino e o poder imensurável dos homens naquela sociedade, onde eles podem tudo e elas não podem nada.

É impossível não amar Rami, uma mulher que vai descobrindo sua potência e seu poder de resistência em um país onde nascer mulher é praticamente um pecado, onde as mulheres comem os restos das carnes roídas pelos maridos e podem morrer pelas mãos deles se desobedecerem aos seus desígnios. Aqui, o tema da sororidade é marcante, costurado sem idealismos ou ingenuidades, e valoriza-se a resistência diária das mulheres, com os meios que têm à sua disposição, muitas vezes silenciosos, mas sempre capazes de fazer a diferença, por menores que possam parecer.

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A amiga genial — Elena Ferrante

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Essa obra se refere ao primeiro dos quatro livros que compõem a chamada tetralogia napolitana da escritora italiana que atende pelo nome de Elena Ferrante, um pseudônimo. A escritora por trás do livro não quer revelar sua identidade (embora muitos não respeitem esse desejo) e afirma que os livros podem falar por si mesmos. É a história de duas amigas a crescer na Nápoles pós-Segunda Guerra, Lina (Rafaella Cerullo) e Lenú (Elena Greco), em um relato denso e poderoso sobre a amizade entre duas mulheres ao longo de mais de seis décadas.

A maior parte do livro se passa no bairro em que vivem as duas, cenário para a exploração dos mais variados temas: a violência doméstica e a misoginia extrema, porém naturalizada, a pobreza, a ampla falta de perspectiva, os desencontros e frustrações da maternidade, a máfia que oprime e explora os moradores e os movimentos políticos de esquerda dos anos 60 e 70.A história das duas amigas é viciante, não apela para o idealismo e nem esconde o que há de mesquinho e cruel na personalidade e na conduta de ambas.

Também é um relato de duas mulheres tentando sobreviver em um mundo machista e de privilégios masculinos os mais variados. Por vezes elas vão subverter e se rebelar, por vezes vão tentar jogar o jogo dos homens e dos poderosos como forma de sobreviver — e quem pode julgá-las? O primeiro livro se inicia com o desaparecimento, provavelmente proposital, de Lina, já idosa, o que faz Lenú se vingar da amiga. Agindo na direção contrária do que Lina espera, Lenú começa a escrever sobre a história das duas recusando-se a aceitar esse desaparecimento, o que é uma metáfora poderosa da luta contra a invisibilidade das mulheres na História.

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Eva Luna — Isabel Allende

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A personagem do título, na obra da escritora chilena Isabel Allende, resume a história de milhões de mulheres latino-americanas, ontem e hoje, marcadas pela pobreza, pela exploração sofrida na mão dos ricos, pela violência de gênero, pelo racismo e também pela violência institucional perpetrada pelo Estado, em forma de ditaduras, oligarquias políticas e populismo.

Eva é uma menina que nasceu de uma mãe solo, empregada doméstica, sem família e sem raízes. Cresceu num quarto de empregada, na casa dos patrões da mãe, e sem poder fazer barulho ou falar, quase virou sombra. Fica órfã e passa a ser criada por uma amiga da mãe, uma mulher negra, cozinheira da casa da família rica. Posteriormente, torna-se também empregada doméstica, passa por vários empregos, vive as mais variadas violações e desenvolve o dom de contar histórias.

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Ao longo da trama, é inevitável a pergunta: quantas contadoras de histórias se perderam em meio a esse cenário de desigualdade e sofrimento? O pano de fundo de Eva Luna é o das ditaduras militares na América Latina, a migração pós-Segunda Guerra Mundial, a luta por uma identidade e o eterno embate entre capitalismo e socialismo. A obra de Isabel Allende, ela própria uma vítima da ditadura que depôs o presidente Salvador Allende em 1973, pertence ao gênero chamado realismo fantástico latino-americano, mas, infelizmente, nunca recebeu a mesma projeção de um Gabriel Garcia Márquez. Outra história fabulosa da autora é “A casa dos espíritos”, que virou filme e está disponível na Netflix.

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Um defeito de cor — Ana Maria Gonçalves

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É difícil falar de um romance de quase mil páginas que trata, de forma lírica, corajosa e poderosa, da saga monumental de uma mulher africana (nascida no reino de Daomé, Costa da Mina, hoje Benin) traficada e tornada escrava no Brasil. É a história de Kehinde, desde sua infância, a morte violenta da mãe e a viagem no navio negreiro ao Brasil com a avó, passando pela violência nas mãos dos senhores escravizadores, a perda dos filhos (num paralelo com outra heroína, Sethe, de Toni Morrison) e a solidão, até a vida como escrava de ganho, os amores e a alforria, culminando em sua volta à África, e depois novamente ao Brasil, já idosa, para tentar encontrar o filho que teve com um português.

É difícil fazer uma sinopse à altura da obra da escritora brasileira Ana Maria Gonçalves, pela importância desta narrativa, contada a partir da voz da mulher escravizada, e não dos que escravizaram. A resistência dos escravizados, a importância da cultura negra, sua história, ancestralidade e costumes, toda essa riqueza está documentada em ‘Um defeito de cor’, expressão que faz menção ao fato de que negros, quando buscavam ocupar um cargo público, tinham de assinar um documento abdicando oficialmente da cor de sua pele. A partir do ato, afastava-se simbolicamente o ‘defeito’.

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Por favor, cuide da mamãe — Kyung-sook Shin

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É impossível terminar de ler este romance da escritora sul-coreana Kyung-sook Shin sem chorar ou a ponto de quase chorar. É uma história sobre a invisibilidade da mulher, em especial a da mulher que permanece no ambiente doméstico, cuidando do marido, da casa e dos filhos, essa mulher silenciosa e praticamente um vulto que carrega sobre os ombros o peso do mundo. Os narradores são tanto os filhos quanto o marido de Park So-nyo, de 69 anos, que ao visitar os filhos na capital da Coreia do Sul, Seul, perde-se em meio à multidão numa estação de metrô. Na verdade, Park estava apenas caminhando atrás do marido, como sempre fez durante toda sua vida, quando ele a deixou para trás, supondo que ela o estava seguindo, e ela desapareceu.

O casal está junto há 50 anos e tem cinco filhos, mas tanto o homem quanto os filhos mal sabem quem é aquela mulher, moradora de uma aldeia no interior do país e que nunca falou de si mesma — ou será que foi porque ninguém nunca teve interesse em perguntar? Segue-se então uma busca física e simbólica por Park, tendo como pano de fundo o conflito entre Coreia do Sul e Coreia do Norte, a pobreza e a fome dos rincões do país, as tradições que colocam a mulher numa posição inferiorizada, o casamento forçado como forma de aliviar o medo da violência por parte de outros homens e os sacrifícios impostos à mulher que é mãe, sem que com eles venha o reconhecimento. A história se passa na Coreia do Sul, mas poderia se passar em qualquer lugar, inclusive no Brasil dos dias de hoje.

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Texto publicado originalmente em Medium.

Imagem capa: Young girl reading, por Alexander Deineka.

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