Mrs. Dalloway: um clássico de Virginia Woolf que aborda assuntos atuais

Mrs. Dalloway: um clássico de Virginia Woolf que aborda assuntos atuais

Quando comecei a ler Mrs. Dalloway não sabia muito o que esperar. Eu sabia que a obra era um clássico de Virginia Woolf que foi imortalizado na literatura e aclamado por milhões de leitores, porém, da mesma forma que os críticos que não entenderam o seu trabalho quando foi lançado, eu também fiquei muito confusa ao começar a leitura.

O motivo? A autora segue um estilo de escrita conhecido como fluxo de consciência, pelo qual ela se tornou famosa e inspirou muitos escritores e escritoras depois. Esse estilo explora os pensamentos de personagens com pontos de vistas diferentes, fazendo com que nós leitores, acostumados com as estruturas narrativas mais comuns de começo, meio e fim, tenhamos que fazer um esforço inicial para se acostumar com a escrita de Woolf e assim conseguir acompanhar todos os acontecimentos.

A história, que surgiu da junção dos contos “Mrs. Dalloway em Bond Street” e “O Primeiro Ministro”, começa em uma quarta-feira na cidade de Londres, onde a socialite Clarissa Dalloway está organizando uma festa. No início do livro, Clarissa, que é representa a típica mulher da elite inglesa da época, sai de casa para comprar flores para a sua festa. Esse ato, que é na verdade extremamente comum, se torna um evento interessante para os leitores, pois ao longo da sua caminhada nós passamos a acompanhar o fluxo de consciência de diversos personagens que passam pela rua.

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Um desses personagens é Septmus Warren Smith, um veterano da primeira guerra mundial que sofre com diversos problemas psicológicos causados pela perda de um grande amigo. Septmus nos mostra então uma mente conturbada, com pensamentos suicidas e alucinações que não são levados a sério nem pelos médicos que o atendem. Aos poucos, esses dois personagens vão se tornando centrais para a nossa história, e a autora vai desenvolvendo a história de cada um deles através das suas memórias e pensamentos. Aqui podemos dividir o livro entre os dois maiores temas abordados:

Clarissa Dalloway e a representação feminina

Nascida em família rica e casada com Richard Dalloway, com quem tem uma filha, Clarissa representa a mulher que se tornou tudo aquilo que a ensinaram a ser: uma dama da sociedade inglesa fútil e esnobe que tem como maior preocupação da vida dar boas festas e manter uma boa aparência.

Apesar de agir como se a sua vida fosse maravilhosa, em diversos momentos desse dia comum em que acompanhamos Clarissa podemos perceber o seu descontentamento com o cotidiano, retratado principalmente pela nostalgia e pela figura da sua antiga amiga Sally Seton.

Mrs. Dalloway
Clarissa Dalloway no filme “As Horas” (2002), interpretada por Meryl Streep.
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Rebelde e revolucionária, Sally aparece na história como parte das memórias mais felizes de Clarissa, que a considerava fascinante durante a sua juventude. Aos poucos, o leitor passa a entender que mais do que uma amizade, Clarissa também se apaixonou por Sally e mesmo anos depois ela ainda lembra dos momentos em que viveram juntas como a época mais feliz de sua vida.

Assim, é possível perceber como as imposições sociais de ser mulher transformaram Clarissa em alguém infeliz, mesmo ela amando outra mulher, por exemplo, não poderia fazer nada a respeito, porque ela sabia que o seu dever era casar com um homem rico e ter filhos com ele.

Ao mesmo tempo em que representa a típica inglesa da sua época e classe social, Clarissa se torna também uma representação de todas nós mulheres, criada por Woolf para criticar a sociedade que molda como devemos ser e depois nos julga como fúteis por seguirmos exatamente aquilo que fomos ensinadas.

Septmus Smith e a representação de doenças psicológica

Septmus por sua vez apresenta a parte mais triste do livro, retratando pensamentos suicidas e trágicos dentro da mente de um homem que sofreu muito e não se sente compreendido nem mesmo pela sua esposa Lucrezia , que tenta ajudar. O personagem começa a história andando pelas ruas de Londres, indo para um consultório psiquiatra, porém mesmo os médicos não levam a sério a sua dor recomendando coisas como “descanso e ar fresco” sem nunca o diagnosticar de fato com doenças psicológicas (e apesar disso parecer absurdo, sabemos que ainda hoje algumas pessoas tratam doenças mentais dessa forma).

Muitos acreditam que os pensamentos de Septmus teriam surgido daqueles que assombravam a própria autora, que em 1941 cometeu suicídio depois de lutar anos contra doenças que faziam com que ela ouvisse vozes e se descrevesse como “louca”. Além disso, Septmus, assim como Clarissa, também aborda a questão da homossexualidade reprimida, pois apesar dessa palavra nunca ser usada no livro fica bem claro que ele sentia desejo e paixão pelo amigo que perdeu na guerra.

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Dessa forma, os dois personagens revelam, cada um da sua forma, traços da personalidade de Virginia Woolf, ao mesmo tempo em que abordam assuntos que continuam importantes atualmente. Apesar de ter sido lançado em 1925 e ser considerado um clássico, Mrs. Dalloway é extremamente atual e surpreendente por apresentar um formato único e retratar o cotidiano de personagens extremamente complexos e humanos.

O livro, que possui poucos diálogos, é interno e reflexivo, ao mesmo tempo em que consegue retratar também a Londres do século XX fazendo com que o leitor se sinta ambientado na cidade e entenda melhor a sociedade da época. Assim, ele levanta diversas questões sobre a condição humana, o amor e o papel social da mulher, sendo uma leitura com certeza um pouco mais difícil do que a  maioria dos livros, mas ao mesmo tempo muito satisfatória principalmente para quem tem curiosidade e desejo de entender mais sobre a forma de ver o mundo de Virginia Woolf e a sua importância como mulher na literatura.


Mrs. Dalloway
Mrs. Dalloway

Autora: Virginia Woolf

Companhia das Letras

228 páginas

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Escrito por:

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Feminista. 20 anos. Libriana indecisa com ascendente em leão que sonha em viajar o mundo. Estudante de publicidade e propaganda, apaixonada por séries, livros, filmes e levemente viciada em ver fotos de animais fofinhos na internet.
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