[CINEMA] Madame: a releitura do arquétipo de Cinderela (crítica)

[CINEMA] Madame: a releitura do arquétipo de Cinderela (crítica)

Madame, o segundo filme da romancista francesa Amanda Sthers, conta a divertida história de Anne (Toni Collete) e Bob (Harvey Keitel), um casal de milionários ingleses que moram em Paris e estão oferecendo um jantar sofisticado para um grupo de amigos. Inesperadamente, o filho do primeiro casamento de Bob – Steven (Tom Hughes) – aparece na noite do jantar aumentando o número de convidados para 13 pessoas. Porém, Anne é supersticiosa – 13 para muitas pessoas é um número que atrai azar – e decide colocar a governanta da casa, Maria (Rossy de Palma), sentada à mesa, como uma das convidadas. É aí que a confusão começa!

Maria é uma mulher de origem espanhola muito simples, e que se dedica inteiramente ao seu trabalho na casa dos Fredericks. Mantém uma rotina puxada na Petit Maison, que o casal possui em Paris, liderando um séquito de funcionários que trabalham para que tudo esteja sempre em ordem e perfeito. Demonstra muito afeto e respeito pela família e não tem outra saída senão acatar o pedido de Anne e participar do jantar.

Madame

Mas para que seja verossímil Maria ser uma das convidadas, rapidamente sua patroa, seu cabeleireiro particular e Steven, vestem, produzem e a orientam sobre como deve se comportar. Anne deixa claro para Maria que ela deve apenas figurar a mesa e de forma alguma chamar a atenção dos demais convidados para sua persona, um tanto fora de contexto.

Anne é, a que tudo indica, a segunda esposa de Bob. Uma mulher lindíssima e elegante que demonstra certo tédio com a vida de casada e tenta reacender a paixão no casamento. Bob, um homem já de certa idade, está preocupado com sua eminente falência e decide colocar à venda um quadro de um renomado pintor espanhol, que herdou de seu pai.

O jantar acontece dentro do previsto, mas Maria acaba ganhando mais atenção do que era esperado. A cena do jantar, assim como o filme de forma geral, é um tanto clichê – gente rica, fútil, traições, disputas de poder, etc. O que “salva” o evento de ser mais um daqueles encontros entediantes e cheios de caras e bocas, é a presença inusitada de Maria, com sua figura impactante e exótica, tentando ser invisível em meio àquele grupo tão igual e sem imaginação.

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Obviamente, ela não consegue se manter discreta e acaba sendo o centro das atenções, além de despertar o interesse em um dos convidados, o que dá início a uma série de situações que parecem hilárias mas que revelam a faceta mais perversa de nossa sociedade: a eterna luta de classes e o perpetuamento do hábito das elites em manter lacaios que se responsabilizam pelas suas “sujeiras” e realizam tarefas consideradas inferiores. Isso os coloca, a elite, sempre numa posição de superioridade e lhes dá a sensação de que seus funcionários não são merecedores de se sentarem em suas mesas, frequentarem seus clubes e bares sofisticados, tão pouco se misturarem socialmente.

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Para ilustrar esse cenário, a diretora Amanda Sthers recria uma espécie de faz de contas, e o filme parece fazer uma releitura da famosa história da princesa Cinderela. O fato da Cinderela de Amanda ser vivida por ninguém mais ninguém menos que Rossy de Palma, uma das musas de Almodóvar nos anos 90, é bem inusitado, pois com sua presença marcante, ela é o oposto de uma princesa e sua beleza não é nada convencional. Porém, fica claro que a diretora não está preocupada em contar uma história de contos de fadas convencional, mas sim propor ao espectador certas reflexões a respeito das relações humanas, das nossas expectativas em relação ao outro e o que entendemos por felicidade e finais felizes.

Madame

Durante a divulgação do filme Madame, Amanda Sthers diz o seguinte:

“A história poderia acontecer em qualquer época, e ainda seria relevante daqui a um século. O fato de ser relevante é porque o capitalismo cada vez mais se mostra uma mentira ou uma armadilha. Todos esperam poder escapar de sua situação, e a sociedade lhe permite acreditar que é possível, mas isso é cada vez menos o caso. O filme tira sarro dos contos de fadas, que são as atuais comédias românticas, como esses filmes com Hugh Grant, os quais alguns dos personagens em MADAME discutem. Claro, todos os arquétipos, os códigos de contos de fadas estão ali, mas meu filme é mais realista. Porque esses contos são uma espécie de ópio, e o que acontece no filme nunca acontece na vida real. E ainda assim isso não é negativo: alguém pode pegar algo de um sonho que se desfaz, outro pode encontrar liberdade e dignidade ali. Maria acaba escapando de seu destino. Pode não ser um futuro incrível, por amor ou dinheiro, mas ela encontra algo ainda melhor: a capacidade de viver em seus próprios termos, e olhar a si mesma no espelho com uma luz renovada”.

Madame é uma comédia romântica com passagens engraçadas e inusitadas, além de contar com um elenco de peso.

O longa estreia dia 29 de março nos cinemas. 

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Mulher, mãe, profissional e devoradora de filmes. Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo, trabalhando com Gestão de Patrocínios e Parceiras. Geniosa por natureza e determinada por opção.
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