Com estreia prevista para o dia 22 de março no Brasil, A Livraria foi indicado em 12 categorias do prêmio Goya – a maior premiação do cinema espanhol – levando os prêmios de melhor filme, direção e roteiro adaptado. A Livraria é uma adaptação do romance homônimo The Bookshop (1978), de Penelope Knox Fitzgerald, (publicado no Brasil pela editora Bertrand) cuja trajetória como escritora e mulher é muito interessante e difícil.
Penelope Knox Fitzgerald lançou-se como escritora somente aos 61 anos, tendo publicado nove romances, poesias, contos e ensaios. Foi quatro vezes finalista do Brooker Prize, ganhando uma única vez e, apesar de ser considerada uma das grandes escritoras de língua inglesa do século XX (independente do gênero literário), não alcançou popularidade.
De origem aristocrática intelectual e religiosa, estudou em Oxford, onde era popular e conhecida como “blonde bombshell”. Formou-se em 1938 e trabalhou como crítica de cinema e depois na BBC até se casar. Desse período em diante, Penelope passou por muitas complicações financeiras, tendo morado na rua, enfrentou dificuldades com o alcoolismo do marido, alguns abortos, a perda de um filho e a sofrida missão de criar três filhos.
O filme, dirigido por Isabel Coixet (“A vida Secreta das Palavras”, “Minha vida sem mim”, “Paris Je t’aime” e outros), se passa na cidade litorânea de Hardborough, na Inglaterra, em 1959, e conta a história da gentil e doce viúva Florence Green que decide realizar o antigo sonho de ter uma livraria.
Apesar de sua grande dificuldade financeira, Florence compra um antigo imóvel no vilarejo (a casa mais antiga da cidade) e decide transformá-lo em uma livraria, mesmo com toda a precariedade do prédio que sofre com infiltrações e depreciações do tempo. Porém, ela não contava que encontraria barreiras para concretizar seu sonho até conhecer Violet Gamart (Patrícia Clarkson), uma mulher de meia-idade, rica e influente, que está decidida a transformar a antiga casa – comprada por Florence – em um centro cultural, e está disposta a tudo para realizar seu intento. Florence, por sua vez, parece confiante de que alcançará seu objetivo e segue firme em seu propósito, apoiada pela astuta garotinha Christine (Honor Kneafsey) e pelo misterioso e fiel Edmund Brundish (Bill Nighy).
A Livraria, apesar do tom açucarado, oferece à espectadora um interessante retrato desse pequeno povoado, que depende da pesca para sobreviver e que vive controlado pelos interesses dos poderosos da cidade. Fica claro que a autora faz uma alusão a nossa sociedade desigual, na qual vivemos subjugados aos desejos e interesses de uma casta, na maioria das vezes composta por políticos e empresários corruptos e em grande parte formada por homens.
Nesse recorte, o mais interessante é que o poder e a pequena casta aristocrática do vilarejo são representados por uma mulher que, cega de vaidade e movida por desejos mesquinhos, tenta impedir que nossa heroína abra a livraria. Mas o que de interessante e benéfico pode haver para a população humilde e pobre de Hardborough, tanto num centro cultural – desejado ardentemente por Violet – como numa livraria?
É difícil fazer essa análise sem entender o contexto do filme e o que ele debate, mas se traçarmos um paralelo com nossa sociedade fica mais fácil de imaginarmos. Ambas as propostas “parecem” oferecer um espaço dedicado à cultura e ao conhecimento, além do fomento ao turismo que pode até gerar renda à cidade.
Porém, se nos atentarmos ao fato de que o centro cultural seria gerido por uma mulher poderosa, que integra a casta de uma sociedade rica, que nunca contribuiu em nada para sua cidade, não seria de nos admirar que o acesso a todas essas benesses desse espaço fosse concedido apenas às minorias abastadas, servindo de vitrine para seus próprios interesses. Em contrapartida, a livraria, gerida por uma mulher humilde que apenas deseja ganhar seu sustento, seria um lugar democrático aonde os cidadãos da cidade teriam a oportunidade de acessar o universo maravilhoso da leitura e descobrir interesses que nem imaginavam possuir.
Mas, esse talvez seja o ponto discutido aqui, para Violet (assim como para os detentores de poder em nossa sociedade) não interessa o que é melhor ou pior para aqueles que, a seus olhos, nasceram somente para servir aos seus propósitos – os pobres e desfavorecidos. O que está sempre em jogo é aquilo que aproxima mais e mais esses indivíduos da ideia de onipotência e poder. Uma livraria pode trazer conhecimentos e instrução para as pessoas, e o saber (intelectual e cultural) de um povo não interessa aos poderosos, uma vez que é libertador e nos aproxima da crítica, permitindo-nos fazer escolhas.
Leia também:
>> [OPINIÃO] 90 anos de Oscar, 90 anos de nada de novo sob o sol
>> [CINEMA] Tomb Raider – A Origem: reimaginando Lara Croft (crítica)
>> [CINEMA] 7 filmes para assistir no Dia Internacional da Mulher
Portanto, mais do que contar uma história sobre uma mulher corajosa e determinada em busca de seu sonho, o longa A Livraria faz uma crítica social baseada num sistema de castas onde a desigualdade e a ignorância são a base para seu poder. A diferença que mais interessa, porém, é que o poder e o povo são representados por mulheres, onde cada uma a seu modo luta e busca conquistar seu espaço.
A Livraria vale como entretenimento pelos recortes que apresentamos acima e ainda por outros bons aspectos como a fotografia e as cores fortes e estimulantes que proporcionam ao filme uma bela estética.
Aproveitem a diversão e bom filme!
A Livraria
Autora: Penelope Fitzgerald
Editora Bertrand
160 páginas