Game of Thrones – 8×05: The Bells (resenha)

Game of Thrones – 8×05: The Bells (resenha)

Game of Thrones chega, enfim, ao seu penúltimo episódio. Depois de oito temporadas e de grandes guerras e surpresas, a série está a um episódio de sua finalização. No entanto, a oitava e última temporada de GOT está gerando comentários, alguns dos quais não tão positivos. Talvez os roteiristas não tenham seguido a linha que muitos fãs imaginavam e pelas quais torciam. E talvez tenham sido incoerentes com alguns pontos de seu próprio roteiro. Então, mais do que surpreendente, foi um episódio que talvez tenha frustrado mais pelas expectativas que não foram atendidas. E deixa, desse modo, o sentimento de que tudo poderia ter sido diferente.

[AVISO: CONTÉM SPOILERS]

O quarto episódio de Game of Thrones, intitulado “The Last of the Starks”, foi marcado pela desconfiança em relação à capacidade de governo de Daenerys (Emilia Clarke). E é em torno disso que o quinto e penúltimo episódio, intitulado “The Bells“, se desenvolve. A morte de Missandei (Nathalie Emmanuel) não passou, contudo, despercebida. Foi, sim, o estopim para que a sede de poder daquela que, até então, era vista como protagonista, despertasse na forma de ira.

A queda de Daenerys

Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) (Foto: Reprodução)
Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) (Foto: Reprodução)

Uma profecia disse que Daenerys seria traída por sangue, por ouro e por amor. E independentemente das teorias que cerca essa profecia, é ressaltado que, ao menos, ela se sente traída por todos. Como ressaltado na resenha de “The Long Night“, Daenerys perdeu quase todos os que amava. Perdeu Drogo (Jason Momoa), seu filho, seu dragão Viserion e Ser Jorah Mormont (Iain Glen) na batalha contra os caminhantes brancos. Em “The Last of The Starks”, então, perdeu Rhaegal e Missandei. Tudo o que ela amava lhe foi retirado. E seu esforço de ir a Westeros não resultou no amor que ela esperava. No amor “salvador”, típico da história contada pelos colonizadores, que ela encontrou em Essos.

Após a morte de Missandei, ela retorna a Pedra do Dragão para reunir-se aos exércitos vindos de Winterfell. E, assim, prepara-se para o ataque a Porto Real. Contudo, a ameaça da traição assombra-a. Representa, dessa forma, o risco de perder, além de tudo o que lhe era caro, também o trono. E em sua visão, a pessoa mais capaz de derrubá-la é Jon Snow (Kit Harrington), filho de seu irmão e um legítimo Targaryen.

No episódio anterior, Dany pediu a Jon Snow que ocultasse de suas irmãs, Sansa (Sophie Turner) e Arya (Maisie Williams) quem eram seus pais. Isto porque sabia que as duas Stark o incentivariam na luta pelo trono. E apesar do seu pedido, Jon Snow contou a elas, gerando uma cadeia de informação. De Sansa a Tyrion (Peter Dinklage), a Varys (Conleth Hill) e a algum destinatário misterioso de uma mensagem tão logo queimada. A quem Varys teria interesse em revelar quem é Jon Snow?

Traída por sangue, traída por ouro, traída por amor

Jon snow e varys
Jon Snow (Kit Harrington) e Varys (Conleth Hill) (Foto: Reprodução)

Quando, então, Jon pisa em Pedra do Dragão, é logo interpelado por ele. Na tentativa de persuadi-lo sobre as condições de Daenerys, ele lhe conta que sempre que um Targaryen nasce, uma moeda é jogada para revelar se ele tenderá à loucura ou não. E após, Varys afirma que ambos sabem o Daenerys pretende com o cerco a Porto Real, sem, contudo, revelar explicitamente que sabe de quem Jon é filho. Jon, no entanto, compreende. E assim, não apenas nega o desejo de ser rei, algo sempre manifesto, como declara que Daenerys é sua rainha.

Ao ver a tentativa de persuasão de Varys, Tyrion toma uma difícil decisão. E pode ser que ela se arrependa dela futuramente. Com uma expressão que varia da preocupação à fúria, Tyrion revela a Daenerys que alguém a traiu. Ela concorda e diz Jon Snow, enquanto ele diz que foi Varys. Mas ela lhe explica a cadeia da informação, algo de que ele já estava ciente e ela também. Se Jon não tivesse contado a Sansa, ela não teria contado a Tyrion, que não teria contado a Varys. E nesse sequência, há dois pontos contra Tyrion. Em primeiro lugar, ao tomar conhecimento do fato, como sua mão, Tyrion deveria ter ido a ela e não a Varys. Em segundo lugar, o fato de Sansa revelar a informação a ele revela que a Stark sabia exatamente o que aconteceria quando ele soubesse.

Daenerys: da tirania à loucura

Tyrion Lannister (Peter Dinklage)
Tyrion Lannister (Peter Dinklage) (Foto: Reprodução)

Diante da atitude de Varys, Daenerys não reluta em condená-lo à morte. E com um simples comando de Dracarys, mais um conhecido personagem morre. Ainda assim, isso não apaga a dor e o vazio de Daenerys, que entrega a Verme Cinzento (Jacob Anderson) o único bem de Missandei: uma coleira de ferro de sua época de escrava, de antes de ser liberta por Daenerys, que acaba queimada, dando fim à última lembrança das motivações de Dany. Nada nem ninguém pode apagar essa dor, a mesma dor que ela sente ao ver que jamais conseguirá ser vista como “libertadora” em Westeros e amada por isso. É o mesmo vazio que a preenche quando Jon afirma que ela é sua rainha. Então, toma uma decisão, se não pode governar por amor, governará pelo medo.

Ao longo da semana que antecedeu o episódio, algumas discussões foram levantadas acerca da tirania de Dany. Por um lado, Daenerys sempre foi cruel. E não raro matou inocentes, incutindo-lhes o medo. Desse modo, ela sempre revelou agir como uma tirana sob o pretexto de livrar o mundo dos tiranos. A série, no entanto, deixa claro que conduziu a personagem a um caminho que mescla tirania e loucura. De um lado, apresenta Varys questionando a hipocrisia da personagem ao falar sobre tirania. De outro, apresenta-o falando sobre a loucura dos Targaryen.

Do mesmo modo, para quem assistiu ao episódio de Game of Thrones através da HBO, foi possível ver uma prévia que terminava com a cena com que “The Last of The Starks” terminou. Ou seja, Missandei sendo decapitada, enquanto Dany assistia. A diferença: na versão da prévia, ouvem-se vozes. São falas anteriores da série, sobre a loucura da família Targaryen, o Rei Louco, o despertar de um dragão.

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Toquem os sinos

Game of Thrones 8x05
(Foto: Reprodução)

Tyrion continua, apesar de tudo, tentando dissuadir Daenerys de queimar a Fortaleza Vermelha. Afinal, ela acabaria matando muitos inocentes apenas para derrubar Cersei (Lena Headey). Ele implora para que Daenerys não ataque caso os sinos toquem, um sinal de rendição. Ela, contudo, apenas ordena que Verme Cinzento aguarde suas ordens. Confiante, então, de que Dany o ouviu, Tyrion liberta seu irmão, Jaime (Nikolaj Coster Waldau), que saiu de Winterfell para se juntar à irmã e amante, mas foi interceptado pelo exército de Daenerys. Ele espera que Jaime consiga convencer Cersei a se render. E que, dessa maneira, salve inocentes, ainda que seja executado pela traição.

A batalha, todavia, começa. E não há sinais de que os sinos serão tocados. Daenerys surge nos céus, queimando os navios e os escorpiões de Euron Greyjoy (Johan Philip Asbæk). Logo, também, derruba os soldados da Companhia Dourada. E desse modo, abre caminho para que o exército de nortenhos, dothraki e imaculados, sobreviventes da guerra contra o Rei da Noite, entrem em Porto Real.

As forças de Daenerys revelam-se impossíveis de serem vencidas pelo exército da capital. E o povo pede, assim, para que a rainha toque os sinos. Soldados largam suas espadas em sinal de rendição. Vozes em uníssono clamam por aquilo que a rainha Cersei não queria. E os sinos, enfim, são ouvidos, dando jus ao título do quinto episódio de Game of Thrones. Ao ouvir os sinos, entretanto, Daenerys parece decepcionada. Não é possível saber se uma parte dela queria enfrentar a resistência de Cersei, ou se o que faria em seguida já era uma decisão premeditada.

Dracarys

game of thrones 8x05
(Foto: Reprodução)

Atendendo ao pedido de Missandei e sucumbindo à sua sede de poder e vingança, Daenerys ignora os sinos, em uma das atitudes mais confrontadas pelos fãs. Assim como Tywin Lannister (Charles Dance) ignorou a rendição durante o ataque de Robert Baratheon (Mark Addy), ordenando o ataque que resultou na morte dos últimos Targaryen além de Daenerys e Viserys (Harry Lloyd), Daenerys ignorou a rendição de Cersei. E conduziu Drogon em um ataque por ar à Fortaleza Vermelha, seguido do ataque dos imaculados e dos dothraki por terra.

O que mais incomodou nessa decisão? Embora Daenerys tenha se mostrado tirânica já em outros momentos da série, o que não tornaria incoerente a sua tirania final, é a primeira vez em que ela mata deliberadamente tantos inocentes que não estejam minimamente perto de uma situação de poder. É a primeira vez em Game of Thrones que ela mata quase toda uma população, inclusive crianças, nessa proporção. Por que não atacar direto a Cersei em sua torre? Por que atacar tantos inocentes – algo que ela já fez antes, mas não em igual tamanho – quando podia matar aquela que ela dizia ser a tirana? E mais do que isso, por que tudo isso vem acompanhado do discurso de loucura e não apenas tirania, não uma loucura presumida por quem vê a série, mas evidenciada nas falas?

O mito da mulher poderosa e louca em Game of Thrones

Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) em Game of Thrones
Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) (Foto: Reprodução)

Um trecho do livro “Mulheres e Poder“, da autora Mary Beard, pode explicar esse fato. Segundo trecho retirado do livro:

“[…] o drama ateniense em modo particular e o imaginário grego de modo mais geral ofereceram a nossa imaginação uma série de mulheres inesquecíveis: Medeia, Clitemnestra e Antigona, entre tantas outras.

Elas não são, no entanto, modelos de comportamento – longe disso. Na maioria das vezes, são retratadas mais como agressoras que como detentoras de poder. Elas o tomam sem legitimidade, de formas que levam ao caos, à ruptura do Estado, à morte e à destruição. São monstros híbridos que de algum modo são mulheres, no sentido grego. E a lógica inabalável de suas histórias é que devem ser desautorizadas e postas de volta em seus lugares (p. 66)”.

As duas únicas personagens femininas de Game of Thrones que disputam o trono foram taxadas de loucas e não apenas tiranas, em algum momento da série, e não pelos fãs, mas pelo desenvolvimento da obra. Ou seja, uma escolha de produção de D. B. Weiss e David Benioff. Seus desenvolvimentos foram coerentes, mas dentro de uma perspectiva de que o poder político exercido diretamente pelas mulheres é acompanhado de atos de loucura. Claro, existem outras personagens femininas de destaque. Mas qual delas disputa uma posição política abertamente?

Sansa não admite querer ser lady de Winterfell e Arya não se vê como uma heroína. Por quê? Bom, mulheres que querem poder perdem a cabeça, legitimando que homens como Jon Snow ascendam como a opção mais plausível para um trono. Em Game of Thrones, mulheres que querem poder, não devem conquistá-lo abertamente, devem agir na surdina e aceitar que seu poder será exercido de forma mais velada e sem reconhecimento.

A misoginia de Game of Thrones

Cersei Lannister (Lena Headey)
Cersei Lannister (Lena Headey) (Foto: Reprodução)

Enfim, Game of Thrones traz diferentes mulheres e quase todas podem ser consideradas personagens fortes. No entanto, seus desenvolvimentos, em algum momento, apresentam perspectivas de cunho machista e/ou misógino. Ressalta-se, não são desenvolvimentos incoerentes dados os fatos da série, mas contraditórios com a imagem de empoderamento que já se tentou atribuir a Game of Thrones.

A resenha de “The Last of The Starks talvez tenha sido pesada na crítica ao papel feminino. No entanto, críticas assim ainda são necessárias em uma sociedade que ignora a diferença na representação dos gêneros sob a desculpa de liberdade do autor. Trata-se de uma sociedade que utiliza o argumento da realidade para justificar condutas, como estupro e submissão feminina, mas também apela para o argumento da ficção quando a representação feminina, por exemplo, é questionada. E não se decide, dessa forma, pelo viés com que enxerga a obra, pois busca apenas ignorar a realidade contextual em que ela é produzida. Afinal, dói menos reconhecer que uma série, por mais que entretenha, se contrapõe a muitas lutas. Portanto, é mais fácil apenas fingir que isto não existe. E infelizmente, Game of Thrones é uma série misógina.

Cersei e Jaime, amantes até no fim

Cersei (Lena Headey) e Jaime (Nikolaj Coster Waldau)
Cersei (Lena Headey) e Jaime (Nikolaj Coster Waldau) (Foto: Reprodução)

O final de Cersei está longe de ser aquele que os fãs de Game of Thrones esperavam. Depois de passar um episódio inteiro assistindo ao caos de sua torre, Cersei sequer enfrentou Daenerys face a face. Durante metade do episódio, viu-se uma Cersei calada, etérea demais para os padrões da Cersei que um dia se viu. Não se via confiança, nem crueldade. Via-se uma rainha incrédula com sua queda, mas incapaz de pensar em sobreviver por si ou por seu filho. Até que os sinos tocam, e não há outra alternativa senão fugir.

Jaime, liberto por Tyrion, tentou chegar a tempo à sua irmã, para quem prometeu permanecer junto, inclusive no fim. É preciso fazer um comentário sobre o personagem, já que se falou da coerência do arco de outros. Jaime começou como um fantoche de sua irmã. Contudo, teve um grande desenvolvimento de redenção ao longo da série. E até mesmo deixou Cersei, na sétima temporada, por entender que seus planos colocavam a todos em risco. No entanto, o personagem comenta que nunca ligou muito para os inocentes, sendo que afirmou, antes, ter matado o Rei Louco para proteger os inocentes de serem queimadas por fogo vivo.

Apesar disso, Jaime segue em seu amor por Cersei. Mas tem contratempos, como os portões fechados da Fortaleza Vermelha e Euron Greyjoy, a quem matou, não sem escapar com um grave ferimento. Enfim, chegou a Cersei, mas descobriu que a destruição de Daenerys os trancava. E assim, os dois encontram seu destino. Embora Cersei finalmente desperte para o desejo de viver, ambos se consolam, enquanto são engolidos por destroços de uma fortaleza em ruínas.

Mais uma vez Arya salvará a todos em Game of Thrones?

Arya Stark (Maisie Williams) (Foto: Reprodução)
Arya Stark (Maisie Williams) (Foto: Reprodução)

Por fim, Arya e Sandor Clegane (Rory McCann) também estavam na direção de Porto Real. Ele, para matar seu irmão, o Montanha (Hafthór Júlíus Björnsson); ela, para matar Cersei, a última de sua lista. A inusitada dupla chega enfim ao castelo. Sandor, contudo, surpreende a todos, ao dissuadir Arya de seus planos. Ele lhe pergunta: “você quer ficar como eu?”. Ou seja, cego pela raiva, vivendo pelo ódio e pela vingança, desejos que ele nutre desde que foi queimado por seu irmão. E mais surpreendentemente ainda, Arya facilmente concorda, agradecendo àquele que um dia ela deixara para morrer.

Enquanto Arya foge para encarar a destruição de Porto Real, a batalha entre irmãos se desenvolve. O ódio do Montanha é recíproco e tão forte que o leva a abandonar Cersei, sua protegida, e matar Qyburn (Anton Lesser). Mas como o Cão, poderá matar um Montanha transformado em algo inumano. Depois de referências como a épica cena da morte de Oberyn Martell (Pedro Pascal), há apenas uma saída. Sandor investe contra seu irmão, jogando a ambos em direção ao fogo que consome a Fortaleza Vermelha.

Ao mesmo tempo, Arya tenta sobreviver em meio às Ruas da Fortaleza, em que diversas pessoas são cruelmente mortas por imaculados e dothraki, queimadas tanto pelo fogo de Drogon como pelo fogo das bombas de fogo vivo, escondidas e ativadas com a destruição. Ao final, um cavalo branco a espera em meio a cadáveres – talvez em uma referência ao apocalipse bíblico. Se foi uma dádiva do Deus da Morte ou do Senhor da Luz, não é possível saber. Mas certamente Arya mantém no rosto a face de alguém que deseja impedir que Daenerys cometa novamente o massacre desse episódio.

Assista ao teaser da season finale de Game of Thrones:


Edição realizada por Isabelle Simões.

Escrito por:

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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