“Mary Shelley” é um filme de 2017, dirigido por Haifaa Al-Mansour, e com Elle Fanning no papel principal. O filme narra a história de vida da grande autora que escreveu “Frankenstein“, desde o momento em que conheceu Percy Shelley, quando ambos se apaixonaram, até a publicação de seu livro de maior sucesso.
Nascida como Mary Wollstonecraft Godwin, Mary era filha de dois famosos escritores com visões bastante não-convencionais para a sociedade da época. Sua mãe, Mary Wollstonecraft, foi autora, filósofa e advogou pelos direitos das mulheres, e um de seus livros mais conhecidos foi “Reivindicação dos Direitos da Mulher“. Seu pai foi o filósofo político William Godwin.
O filme fala sobre algumas das opiniões políticas de seus pais, bem como suas próprias formas de ver o mundo. Entretanto, sem se aprofundar muito, algumas das questões não foram muito bem discutidas: as opiniões sobre os casamentos, o “amor livre” entre vários amantes, e o modo como eles levavam a vida em meio a uma sociedade bastante fechada da época. É dito, algumas vezes, a possibilidade de escândalos, mas sobre o que isso poderia significar ou seus desdobramentos pouco se fala.
Percy (Douglas Booth) apareceu na vida de Mary durante um período de reclusão dela na Escócia. Ao ir procurá-la, na casa de seu pai, pagando para que ele o tratasse como seu aprendiz, ambos acabam se apaixonando mais ainda. Mary e Percy fogem para se casar, e levam Claire Clairmont (Bel Powley), sua meia irmã, com eles. Ambos vivem uma boa vida, até que as coisas começam a sair do controle pelos gastos excessivos. Após um tempo de fugas, e após Mary perder o bebê, ambos embarcam em uma viagem à convite de Lord Byron (Tom Sturridge), e Mary começa a perceber seus verdadeiros sentimentos sobre a vida.
Percy e Mary tiveram um relacionamento muito fervoroso e rápido. Logo se conheceram, logo fugiram, logo Mary estava grávida; e seus problemas vieram também todos de uma vez: a falta de dinheiro, as decepções. Não é, entretanto, uma visão totalmente romântica da história de ambos: nota-se fortemente as aspirações de Percy em relação ao seu amor, ao ser livre, a ter tantas amantes quanto possível, e esperar que Mary compreendesse e aceitasse. Toda a manipulação de Percy, para que Mary o seguisse e agisse da forma como ele esperava, também podem ser vistas no filme. Não que Mary seja agente passiva de sua história, mesmo durante o longa, mas é notável como Percy se utilizou de suas fraquezas e de seu amor para conseguir algumas das coisas que queria: a ida à casa de Lord Byron, por exemplo, logo quando perderam a filha, e a falta de preparo que Mary sentia.
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O filme também nos mostra uma das versão das fatídicas “férias”, em que todos se uniram para escrever histórias de fantasmas, e que deu forças à Shelley para escrever “Frankenstein“. A história conta que, quando viajaram com Byron, todos se uniram em noites de tempestades, e decidiram escrever histórias aterrorizantes. Durante o filme podemos ver um pouco do que poderia ter acontecido naqueles momentos. E são visões interessantes, demonstrando personalidades de figuras conhecidas desse período: Byron, como o boêmio que todos acreditavam que era, Percy, completamente influenciável por aqueles que pareciam mais fortes do que ele, e Polidori, secretário de Byron que já não aguentava o posto em que estava.
“Mary Shelley” é um filme interessante, em que podemos ter um pouco mais de ideia de alguns dos dias da autora, sua paixão avassaladora e suas decepções enquanto mulher apaixonada, sob as lentes de outra mulher. Al-Mansour, a diretora, é a primeira diretora da Arábia Saudita, e o longa foi, provavelmente, até onde podemos saber do meio mais mainstream, o primeiro filme a falar sobre a vida da escritora. É estranho pensar que uma mulher que escreveu uma das maiores e melhores histórias de terror de todos os tempos tenha demorado tanto para receber uma biografia. Mesmo que concentrado somente nesse período em que Mary permaneceu com Percy, vale a pena tirar alguns minutos para conhecer a obra.
Por fim, podemos perceber o desespero de uma mulher que acreditou quando um homem lhe estendeu a mão, mas que o apoio não estava completamente lá. Todas as suas motivações para escrever e para ser uma mulher subversiva, como sua mãe, acabaram virando um caminho tortuoso pelas escolhas que fez de suas companhias. “Mary Shelley” tem uma história de tentativas, solidão, decepções e tristeza, mas nos aproxima de uma das visões de quem foi essa autora tão importante para toda a cultura pop nesses 200 anos de publicação de “Frankenstein”.
O filme se encontra disponível no serviço de streaming Netflix.
Edição realizada por Isabelle Simões.